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TERRA DO SONHO DISTANTE (AMERICA AMERICA)

Desde o início do filme já somos a ele apresentados pelo realizador e diretor Elia Kazan, que nos conta basear-se na história de seus antepassados, tendo como principal personagem seu tio, nessas palavras: “Meu nome é Elia Kazan. Sou grego de sangue, turco de nascimento e americano porque meu tio fez uma viagem.” Elia Kazan foi um dos maiores nomes de Hollywood, tendo falecido em 2003, com 94 anos e tido uma carreira de 31 anos de duração, mas com apenas 19 longa-metragens: entretanto, esses filmes tiveram simplesmente 58 indicações para o Oscar e ganharam 19 estatuetas, entre eles A luz é para todos, Uma rua chamada pecado (Um bonde chamado desejo), Viva Zapata, Sindicato de ladrões, Vidas amargas e Clamor do sexo. Foi um dos fundadores do Actors Studio, descobriu vários talentos (como Marlon Brando, James Dean e Warren Beatty), foi indicado 7 vezes aos Oscars de diretor, produtor e roteirista e ganhou duas vezes como Melhor diretor, pelos filmes A luz é para todos (Gentlemen´s Agreement, de 1947) e Sindicato de ladrões (On the waterfront, de 1954). Este filme é uma saga, contando a vida muito difícil e os atribulados caminhos de um rapaz com o sonho de chegar na América, terra das oportunidades, jornada longa, cara, tempestuosa e repleta de sacrifícios, dores e imprevistos. O filme, feito em 1963, inicia na juventude do personagem, no ano de 1896, em região montanhosa da Anatólia (terras turcas, onde os gregos e armênios viviam, sujeitando-se ao domínio turco) e prossegue pelos rumos percorridos pelo personagem, com muito sofrimento, efetivamente sendo contemplados no percurso paisagens e pessoas que nos soam como absolutamente reais, com centenas de personagens verdadeiros e se destacando um magnífico trabalho de direção de arte e fotografia (o filme ganhou o Oscar de Melhor direção de arte em p&b, embora perdendo nas outras três categorias em que foi indicado: Filme, Diretor e Roteiro original). É uma longa viagem até Constantinopla (capital da turquia na época, atualmente Istambul), de onde pretendia partir imediatamente para a longínqua América. Uma obsessão a terra dos sonhos, por ela longos caminhos a pé, de trem, condições sub-humanas de sobrevivência, extrema miséria…uma épica trajetória, repleta de variáveis, frustrações, surpresas. É quase como se assistíssemos um documentário, mostrando a vida e as dificuldades de um imigrante, desde a saída de seu país de origem, na tentativa de atingir seu destino tão sonhado. O preto e branco foi muito bem escolhido e se mostrou absolutamente adequado para mostrar tanto as pessoas sofridas e seus meios de vida, quanto as paisagens, áridas, pedregosas, intermináveis, resistentes, tendo o filme um maravilhoso visual e uma trilha sonora que acompanha essa qualidade. O ator principal não foi marcante (tem algumas cenas em que ele é efetivamente estranho), mas também não atuou mal: ao contrário, dá conta do papel e em algumas cenas supera inclusive seus limites, naturalmente sob a batuta de Kazan. O restante do elenco é excelente, dando-nos a impressão de que estamos contemplando pessoas em seu meio real e natural de vida. O filme não faz concessão aos turcos, pois Kazan, de origem grega (e gregos e armênios eram os povos oprimidos pelos otomanos), certamente não pôde nunca esquecer das atrocidades turcas, em especial do genocídio armênio, que em 1915 exterminou cerca de um milhão de armênios. Embora não objetive a fantasia, um dos fins da sétima arte e seja bastante longo (podendo cansar alguns espectadores), este filme é efetivamente um produto cinematográfico de alta qualidade e de grande valor inclusive histórico, celebrando tanto a arte do cinema, quanto a própria vida, as lutas e o heroísmos dos imigrantes, bem como também o próprio sonho americano e o desejo de liberdade, inerente a todos os seres humanos. 8,8