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O BASTARDO (BASTARDEN)

Para não confundir com outros de mesmo nome, este é um filme dinamarquês de 2023, estrelado pelo excelente Mads Mikkelsen (A caça). O diretor, o mesmo de Os homens que não amavam as mulheres e, com Mikkelsen, Loucos por justiça e O amante da rainha é Nicolaj Arcel, também autor do roteiro. O filme se passa na Dinamarca nos anos 1700, onde, em terras aparentemente inférteis e pertencentes ao Rei, o protagonista se propõe ao cultivo e à prosperidade. Será difícil e haverá muitos empecilhos sérios, da época, da própria terra e condições precárias do personagem e das adversidades vindas da nobreza vaidosa, invejosa e raivosa. Drama com ação e aventuras, que retrata muito bem a época dos fatos e é supostamente histórico, bastante valorizado pela direção e pela interpretação de Mikkelsen (embora o elenco todo seja muito bom, incluída a garotinha). Consta como sendo co-produção da Noruega e da Alemanha. 8,7

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A NATUREZA DO AMOR (SIMPLE COMME SYLVAIN)

Este filme canadense de 2023, dirigido com muita sensibilidade e competência por Monia Chokri, também atriz e nascida em Quebec, ganhou o Oscar do cinema francês em 2024 (o Cesar). E com merecimento, porque é um belo estudo sobre amor e relacionamentos, feito também com elementos intelectuais e filosóficos contrastando com a simplicidade dos sentimentos básicos, expostos inclusive sob a ótica de grandes pensadores da humanidade. Embora às vezes de forma elitista e com forte conteúdo sócio-político, a natureza e os limites do amor e da paixão são examinados e debatidos de maneira abrangente e pulsante e a grande questão acaba se concentrando justamente no dilema que passa a existir diante do conflito da paixão cega e seus limites com os de um mundo e um ambiente construídos ao longo do tempo e que aparentemente tudo incompatibiliza. Filme para adultos, nos temas e em algumas cenas, excelente direção (cuja abordagem certamente se qualificou pelo fato de ser feminina) e qualidade interpretativa, com um elenco absolutamente harmônico, sob o comando dos protagonistas Magalie Lépine Blondeau e Pierre-Yves Cardinal. Curiosidade: a diretora também trabalha no filme, no papel de Françoise. 9,0

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MONSIEUR VERDOUX

Este é um filme de 1947, escrito, produzido e dirigido por Charles Chaplin (além de outras atribuições, como ser o autor da trilha sonora etc), a partir de uma ideia de Orson Welles (que também escreveu um roteiro inicial). Portanto, dois grandes mestres envolvidos. A história se baseia na vida de um criminoso que realmente existiu e praticou os crimes semelhantes aos retratados no filme (no final dos anos 1800), só que tal retrato é feito por Chaplin de uma forma discreta, sutil e elegante naturalmente, mantendo o estilo que sempre o caracterizou. Aliás, esse feitio que tornou famoso o “vagabundo” é justamente o responsável pelo maior conflito que o espectador experimenta, ao contemplar agora, não aquele maravilhoso cômico, mas um dissimulado assassino de mulheres ricas, de quem subtrai as convenientes fortunas. Muito embora aqui se trate de uma história com tons de humor, na verdade de humor negro, há um inevitável choque na comparação, entre Verdoux e o genial comediante de dezenas de obras de décadas anteriores – Chaplin ainda faria Luzes da ribalta em 1952, Um rei em Nova Iorque em 1957 e Condessa de Hong Kong em 1967. Entretanto, não considero que seja essa perplexidade com o Chaplin insólito ou mesmo a mistura de drama de temática forte, humor e leveza de estilo (que se percebe claramente, do velho Chaplin, em algumas cenas) que causam o estranhamento ao espectador. Isso, é claro, contribui, mas sente-se que em seu desenvolvimento o filme apresente altos e baixos, momentos inconsistentes e insatisfatórios, embora predominem os de qualidade. Há aqui ótimos momentos, mas também certas cenas sem qualquer atração ou magnetismo. E de modo claro parece que efetivamente os problemas pessoais enfrentados pelo autor (inclusive com os EUA, por ter sido indiciado pelo macartismo) refletiram fortemente em cenas e diálogos políticos do filme (anticapitalistas) e tornaram boa porção da sua parte final inesperadamente “manca” (família que sai simplesmente de cena e um julgamento menos do que morno, em fatos e argumentos, inclusive no modesto discurso antibélico). No final das contas, o saldo é de fato positivo, mas o filme ficou devendo muito, considerando os dois gênios envolvidos, a despeito de, no dizer de Truffaut, ter exorcizado em parte os fantasmas que assombravam o diretor. Curiosidades: pelo tema, pelo estilo e por quem o criou ter negado o estilo anterior e que o consagrou, o filme foi um fracasso de bilheteria na época, sendo francamente rechaçado por público e crítica – só com o tempo seus méritos foram reconhecidos; é o filme de Mady Correll em que se mostra mais bela e fotogênica; a citação de Verdoux: “Um assassinato faz um vilão, milhões fazem um herói” é retirada de um discurso do bispo abolicionista Beilby Porteus (1731-1808); Chaplin teve que mudar alguns diálogos para que o filme fosse liberado e mesmo assim, para poder estrear, teve que suprimir na época o subtítulo “Uma comédia de assassinatos”; no ano seguinte ao da estreia, os produtores do filme foram processados por um parisiense e bancário também de nome Henri Verdoux. 8,3

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CROMOFOBIA (CHROMOPHOBIA)

Certamente um filme que se enquadra como “filme de arte”, o que pode significar que além de se tratar de algo diferente do comum, deverá agradar apenas um público especial. Produzido em 2005 e com um elenco estelar: Kristin Scott Thomas, Ralph Fiennes, Penélope Cruz, Ian Holm, Rhys Ifans, Damian Lewis e Ben Chaplin, entre outros, é na verdade um quebra-cabeças a ser montado, com a intuição dizendo que a vida e o mundo são feitos de conexões, muitas próximas e perceptíveis, mas outras inusitadas, impensadas, surpreendentes, às vezes passando ao nosso alcance mas ficando distante de nossa percepção. Este filme, dirigido por Martha Fiennes, aborda seres humanos e diversas circunstâncias que os atingem e os cercam, aparentemente sem um sentido de ligação entre os personagens: tudo parece estranho e desconectado, mas poderá haver surpresas. O que é estranho é que somos atraídos pela estranha colagem de fatos e personagens, sendo impelidos a continuar, justamente em busca de alguma conexão. E, por fim, quando alguma sintonia finalmente ocorre e determinadas reticências se aclaram, acabamos pacificando nossa mente e nosso coração e a mensagem humana e contundente acaba imperando ao final. De fragilidade e de força ao mesmo tempo, embora o imprevisível esteja permanentemente junto a todos, cujo destino é tão misterioso como essas conexões próximas e distantes, trazidas pela própria vida. A sensação que fica acaba compensando eventuais descompassos. 8,7

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HYPNOTIC: AMEAÇA INVISÍVEL

Este filme de 2023, gênero thriller policial e de ficção científica, tem gerado algumas polêmicas e foi considerado por alguns como um fracasso recente na carreira do diretor Robert Rodrigues (El Mariachi, Sin City) e de seu protagonista, Ben Affleck. Depende do ponto de vista, entretanto. O roteiro, co-escrito por Rodrigues, tem lá suas inconsistências, mas as surpresas guardadas compensam algumas deficiências e deixam o espectador estimulado e curioso para desvendar os enigmas e entender perfeitamente o emaranhado que vai se formando ao longo da história. Há elementos misteriosos e muitas vezes as aparências enganam em um jogo bem arquitetado e que tem criatividade bastante para entregar um bom entretenimento. A parte final, onde tudo finalmente se explica, é empolgante e emocionante até. Também trabalham no filme Alice Braga e de mais conhecido William Fichtner. Não é um filme memorável, mas tem vários pontos de interesse para quem aprecia o gênero ficção. Na Prime (observação: o “Hypnotic” da Netflix é outro filme). 8,6

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MULHERES DIABÓLICAS

Mais uma vez os “inteligentes” profissionais que dão título em português aos filmes agiram com a “sensibilidade” de sempre, ou seja, nenhuma. O titulo original em francês deste drama de 1995 com conotações de thriller é La cérémonie e mais não se precisa dizer. Aqui, um filme imprevisível, em razão tanto das situações que vão se desencadeando, como principalmente da conduta das duas protagonistas, que a cada minuto revela contornos novos e inesperados. Vamos apenas aos poucos compreendendo os exatos contornos da “revolta do proletariado”, embora não conseguindo alcançar exatamente os limites possíveis e que se avizinham dentro do exposto conflito de classes: eis aí o incômodo suspense que o filme traz. Com a presença de três das maiores atrizes francesas – Isabelle Huppert, Sandrine Bonnaire e Jacqueline Bisset -, a ótima participação de Jean-Pierre Cassel e a direção do consagrado Claude Chabrol (Nas garras do vício, As corças, A besta deve morrer, Ciúme, o inferno do amor possessivo), um filme inquietante e que pela incerteza dos fatos mantém o interesse do espectador até o seu final, muito embora a estranheza de algumas cenas e de parte do seu desenvolvimento (certamente fruto do estilo do diretor e também da época do filme). 8,7

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MR 73 – A ÚLTIMA MISSÃO

Este é um policial francês, mas que não vai agradar automaticamente aqueles que apreciam filmes desse gênero. Porque os que vão saborear serão os que gostam de policiais mais pesados, sombrios, que tratam tanto dos subterrâneos do crime, quanto dos próprios personagens, principalmente o protagonista, interpretado magnificamente por Daniel Auteuil, um dos maiores atores do cinema moderno, mas também a policial Angéli (Catherine Marchal), entre outros. É um filme forte, denso, que explora a violência em geral, a corrupção policial e as consequências delas, no âmbito pessoal e familiar dos envolvidos, com uma montagem feita de modo a desenvolver os fatos paralelos que uma hora ou outra acabarão se confrontando. Pelo que consta, surpreendentemente foi baseado em fatos reais. O título se refere a um tipo de revólver e infelizmente os “espertos” de sempre colocaram um subtítulo que se não soa como “spoiler”, no mínimo faz pensar a respeito, o que já o torna um apêndice lamentável. Dirigido por Olivier Marchal, o filme foi produzido em 2008 e para os fãs do estilo pode ser perfeitamente definido como um “filmaço”, tendo na realidade poucos e desculpáveis defeitos, como, por exemplo, algumas cenas sem uma boa continuidade e outros fatos que ficam sem explicação (como os detalhes do acidente). Mas são apenas detalhes e a parte final do filme, incluída a trilha sonora palpitante e o realismo de que poucos cinemas são capazes, é estupenda, notadamente pelo contraste que apresenta de forma belíssima. 9,2

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PARENTE É SERPENTE (PARENTI SERPENTI)

Uma comédia italiana de 1992, dirigida por Mário Monicelli (Meus caros amigos, Os novos monstros, O incrível exército de Brancaleone) e mais profunda do que aparenta de início, a partir da apresentação e narrativa do menino: porque apesar de provocar risos retratando com cores muito reais (embora cômicas) as tradições e costumes italianos, de outro lado destila boas doses de acidez e humor negro, ao fazer um pungente estudo das relações familiares e do submundo de seus membros. O filme expõe e escancara facetas incômodas de uma realidade que se oculta sob o verniz do trivial festivo, fazendo-o com forte tempero, principalmente após um determinado comunicado feito pela matriarca à família, na segunda metade do filme. Na verdade, trata-se de uma reunião familiar na casa do Nôno e da Nôna, para comemorar o Natal, com a presença dos filhos, filhas, cônjuges e netos, onde, junto com o afeto (e os presentes), as línguas, trejeitos e a gastronomia, afloram tanto as características individuais, como os excessos sociais, marcados pelos comentários maliciosos, segredos (inclusive picantes) e revelações inesperadas. A harmonia do elenco é notável, bem como as atuações individuais (bastante singulares), em uma integração e movimentação tão intensa, quanto natural, o que confere também um mérito indiscutível a Monicelli, pela magistral direção desses atores e atrizes. Sob a forma de comédia, um belo estudo da natureza humana e ao mesmo tempo uma implacável crítica social, que termina de forma surpreendente. 9,0

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O HOMEM QUE AMAVA AS MULHERES (L´HOMME QUI AIMAIT LES FEMMES)

Uma comédia francesa de 1977, dirigida por François Truffaut (Os incompreendidos, Uma mulher para dois, A noite americana, O último metrô, A mulher do lado) e que se passa em Montpellier. O protagonista Bertrand Morane é interpretado por Charles Denner, ator que viveu na França – na verdade nascido na Polônia – e trabalhou com os maiores diretores da época. O filme começa pelo seu final e os fatos são narrados em flash back, objetivando a perfeita compreensão das coisas e principalmente do personagem. À medida em que o filme transcorre vamos acompanhando os acontecimentos e tentando fazer um perfil de Morane: se tem um comportamento patológico, uma obsessão, uma conduta no mínimo estranha, ou exótica, ou bizarra. E a resposta pode ser encontrada no próprio roteiro ou na definição de uma das personagens, que o define apenas como um homem normal (embora não exatamente comum). Seja como for e mesmo que se trate de um filme frio com um bom roteiro – como os filmes franceses daquela época e muitos do diretor -, não deixa de ser uma diversão interessante e que fornece inclusive alguma reflexão sobre as mulheres. 8,5

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JOVENS ADULTOS (YOUNG ADULT)

Comédia dramática (e surpreendente) de 2011, dirigida por Jason Reitman (Juno, Amor sem escalas) e abrilhantada pela ótima e versátil – e bela – Charlize Theron. Com Patrick Wilson e Patton Oswalt. Apesar de se tratar de um roteiro em parte já manjado, envolvendo a velha história de alguém que retorna depois de muito tempo à cidade natal para resgatar alguma coisa perdida, o enredo a partir daí aflora maturidade e consistência em seu desenvolvimento, com pinceladas críticas de ironia (além de nostalgia) e também trazendo muitas reflexões. Justamente sobre o crescimento e a nostalgia dos reencontros perdidos no tempo, ou seja, com o passado, como um resgate. O tom de humor do filme – e que rende vários momentos de riso – na verdade esconde seu verdadeiro objetivo, que é o de retratar, de forma sarcástica mas bem temperada, os vazios da vida adulta e a falta de coragem ou de maturidade para se enfrentar a realidade com seus dentes escancarados. Nesse sentido, provavelmente a mensagem não vai alcançar as pessoas que talvez esperem o conto de fadas de sempre e não uma reflexão mais crítica e amarga sobre o lado complexo do ser humano e as consequências do que o tempo leva e não mais devolve. 8,9

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LA LUNA

Este é um trabalho bastante original do diretor italiano Bernardo Bertolucci, realizado em 1979. E, ao mesmo tempo, um dos seus filmes mais polêmicos e chocantes, pois vai explorar pontos sensíveis de um relacionamento, mostrando cenas extremamente cruas e fortes. A interpretação do jovem Matthew Barry é marcante, mas o desempenho de Jill Clayburgh é simplesmente inesquecível, inclusive pelas dificuldades do papel. Há cenas difíceis de digerir inclusive e o filme nos faz navegar por caminhos imprevisíveis e nem sempre fáceis, tudo a partir de um início, onde o silêncio de uma bicicleta percorrendo a noite permite que se sinta ao mesmo tempo toda a beleza e todo o mistério da vida. Algo realmente relevante no currículo de quem – extremamente versátil – dirigiu muitas obras de peso (algumas também muito polêmicas), como O conformista, Último tango em Paris, Os sonhadores, O último imperador, O céu que nos protege, O pequeno Buda, entre outros. Um filme que não vai agradar aos conservadores, mas que, ao contrário, deve satisfazer o gosto dos que apreciam o chamado “cinema de arte” de qualidade (ou seja, aquele que tem cérebro e coração por detrás do que a tela exibe). 8,8

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TIOZÕES (OLD DADS)

Um filme provocativo, dirigido por Bill Burr, que também atua (no papel de Jack), e que tem no elenco, de mais conhecidos, Bobby Cannavale e Bruce Dern (Nebraska). Na verdade, uma comédia que tem vários pontos em comum com as que andam por aí, mas que na essência é diferenciada, tanto pelos temas que discute, quanto por ser politicamente incorreta, escancarando o conflito das gerações ao opor comportamentos ditos como “raiz” e as novas tendências sociais, inclusive de educação e civilização. Os “tiozões” tentando se adaptar com as novas gerações (posições de relevo cada vez mais ocupadas por jovens, por exemplo) rendem muitas cenas interessantes e garante boas risadas, embora também leve à reflexão. Momentos bem ou mal explorados, de relacionamentos (familiares, afetivos e sociais) se alternam em um roteiro que tem alguma inconsistência (no desenvolvimento), mas no geral mantém o interesse do espectador até o final, servindo como uma boa e digestiva diversão e fazendo com que muitos certamente se identifiquem com os fatos. Pode ser que ainda esteja na Netflix. 8,6

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A FAVORITA/A GAROTA DE MILLER (MILLER´S GIRL)

Um filme de 2024, dirigido por Jade Bartlett e com ótimas atuações de Jenna Ortega (Wandinha), Martin Freeman, Bashir Salahuddin, Gideon Adlon e Dagmara Domiñczyk. Mas é um filme extremamente polêmico, tendo um número de aprovações semelhante ao número de rejeições, ou seja, colhendo vários conceitos de público e crítica, que vão de 1 a 5 estrelas, portanto havendo opiniões das mais diversas, o que nada a princípio garante. O tema não é novo, mas sim a forma pela qual é tratado. Aqui, o texto é intelectual, muitas vezes inteligente e instigante, podendo naquele aspecto residir um poderoso motivo de oposição ao filme, na medida em que todos os personagens parecem “literários” em grande parte da história. A crítica seria, então, a de ser um filme pretensiosamente intelectual. Mas dentro do contexto e das características dos personagens esse é um pecado menor, inclusive diante da amplidão e repercussão dos fatos, que se desenvolvem em um crescente e em vários níveis, provocando o espectador e estimulando-o a ficar permanentemente vinculado. Há momentos interessantes, outros fascinantes e é sem dúvidas um filme para adultos, quer pelo próprio roteiro, quer por várias cenas mais picantes. Eu me coloco entre os que gostaram bastante do filme, pela natureza e qualidade do texto e por ser provocativo, em vários sentidos. 8,9

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ÁGUIAS EM DUELO (VON RICHTHOFEN AND BROWN)

O uso de aviões de guerra foi algo pioneiro na Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e essa invenção passou a ser a partir de então aperfeiçoada como uma das mais importantes dentro das estratégias bélicas. Na época era algo experimental e esse fato apenas valoriza ainda mais os pilotos da época e seus feitos. No cinema moderno são raros os filmes que tratam das batalhas aéreas de tal época, quando ingleses, franceses, americanos e canadenses duelavam nos ares contra as forças das esquadrilhas alemãs, em batalhas épicas e também em guerrilhas táticas (embora tudo incipiente na ocasião), inclusive com bombardeios nas bases de abastecimento do inimigo. Este filme, produzido em 1971 e dirigido por Roger Corman foi um dos que enfocaram esses fatos e o fizeram de uma forma bastante eloquente, tendo esse diretor dado aqui ao cinema belas cenas nos ares povoados de esquadrilhas em confronto: Corman, que também era também produtor e roteirista, foi considerado especialista nos chamados filme “B” e era absolutamente eclético, porque dirigiu tanto “Rock all night” (de 1957), como “A pequena loja dos horrores” (de 1960, com Jack Nicholson), “O poço e o pêndulo” (de 1961, com Vincent Price), “O massacre de Chicago” (de 1967, com Jason Robards) e muitos outros bem menos qualificados (filmes de monstros, seres do espaço etc). Mas essa diversidade só o valorizou, porque seus filmes eram realmente movimentados e ficaram sedimentados como muito trabalhados e desenvolvidos. A exemplo deste filme, que conta facetas históricas da Primeira Guerra, tendo como alvo principal o mais famoso dos ases da aviação bélica: Mandred Von Richthofen, piloto alemão que abateu 80 aviões inimigos e que ficou conhecido como “Barão Vermelho” entre seus pares e também entre seus inimigos. O título do filme cita seu nome juntamente com o de seu maior inimigo: o também emérito piloto canadense, Roy Brown. 8,8

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A JOVEM/DONZELA E OS LOBOS (LA JEUNE FILLE ET LES LOUPS – THE MAIDEN AND THE WOLVES)

Um filme francês de aventuras (inclusive juvenis), com ação e suspense, produzido em 2008 e que lembra muito aqueles belos e edificantes filmes apresentados na sessão “Disneylândia” de antigamente. As ações se passam na década de 20, portanto, após a Primeira Guerra, em região montanhosa próxima à fronteira italiana. A menina Angele, interpretada por Laetitia Casta, não tem vida fácil nos estudos, em razão de seu gênero, mas ostenta o sonho de ser veterinária. E o destino vai surpreender, envolvendo diversos acontecimentos inesperados, incluido o povo das montanhas, os lobos, acusados de exterminar os rebanhos e alguns segredos. O diretor do filme é Gilles Legrand. Belas paisagens, bonitas mensagens em meio a cenas que nem sempre poupam o espectador da crueldade, em um filme que não é particularmente memorável, mas constitui uma boa diversão e um apreciável alimento para o coração. 8,7

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A SOMBRA DE CARAVAGGIO (L´OMBRA DI CARAVAGGIO)

Interessante concepção dos séculos 16, 17, época dos ambientes e das ideias obscuras, do fanatismo e poder religiosos, da Inquisição e de Giordano Bruno, por ela condenado à fogueira em 1600 (frade dominicano, filósofo, escritor, teólogo, sendo herege e blasfemo na visão da Igreja). E do pintor Caravaggio – muitíssimo bem interpretado por Riccardo Scamarcio -, nascido em Milão em meados do século 16 e batizado como Michelângelo Merisi. Um trabalho difícil para o ator, pelo personagem profano, espírito livre e contestador, gênio e louco, excêntrico e iconoclasta, odiado (e amado) por suas obras de afronta à Igreja, adotando em suas pinturas, como modelos, prostitutas, mendigos e ícones sagrados, sendo por esse motivo permanentemente alvo de perseguição e ironicamente de admiração pela sua genialidade artística, inclusive pelos próprios membros da Igreja e da Realeza. O filme traz uma idade média escura e obscura – com ótima direção de arte e figurinos – e o título do filme se refere a quem o Papa encarregou de investigar o artista e apresentar um “dossiê” para análise do perdão papal (que Caravaggio, fugido de uma condenação, buscava). Trilha sonora também adequada, ótima direção de Michele Plácido, além de um elenco excelente, do qual fazem parte Louis Garrel e a diva Isabelle Huppert (embora em papel limitado). “Os diferentes devem ser neutralizados em nome da estabilidade”. Um filme que não é para todos os gostos, em razão de sua temática e cenas de violência, mas que certamente oferece intensidade e força, sendo visceral no texto e no retrato de uma época de total absolutismo clerical. Produzido em 2022, peca apenas por alguns momentos que poderiam ser menos longos outros que soam como desnecessários, mas é um pecado menor diante do contexto todo. Participou em 2023 do 18º Festival do Cinema Italiano no Brasil. 8,8

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GIRL

Produção belga de 2018 (Netflix), dirigida por Lukas Dhont, co-roteirista, concorreu a diversos prêmios e ganhou alguns, sendo exibido em Cannes na mostra paralela “Un certain regard”, festival onde ganhou o “Caméra d´Or”. É um filme com tema forte, tem vários momentos dolorosos e incômodos, porque trata da transsexualidade e dos seus dramas e angústias. Há instantes de drama intenso e até de terror, haja vista as angústias e os acontecimentos que se passam com a personagem, atormentada por conflitos emocionais. Além de ser baseado em fatos reais, o filme intensifica sua força dramática pela belíssima interpretação de Victor Polster (ou seja, um ator cisgênero interpretando uma mulher transsexual) e ficamos até imaginando como seriam enfrentados os fatos em um país de terceiro mundo, pois se trata de dilemas existenciais difíceis e corrosivos mesmo em um país desenvolvido, em um ambiente cultural elevado, com assistência médica de alto nível e com um pai não omisso. Interessante também o paralelo do árduo aprendizado do balé com os conflitos psicológicos da personagem. A fotografia também chama a atenção pela luminosidade. Cinema sério, corajoso (embora ao mesmo tempo delicado), mas denso e não indicado para todo tipo de público. 8,6

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SOB AS ÁGUAS DO SENA (UNDER PARIS)

Este é um lançamento Netflix que já divulga de cara que se trata de um tubarão aterrorizando Paris, o que na prática todos sabemos ser bastante inviável, ou seja, um predador dessa natureza chegar até à água doce do Sena e ainda sobreviver. Principalmente sendo de grande envergadura. Por esse motivo já começamos a ver o filme com muitas reservas. Porém, à medida em que ele evolui, todas as defesas acabam afrouxando a favor da diversão pura (acrescida de manifesta qualidade) e o filme de revela surpreendente. Porque é realmente muito bem feito, bem cuidado nos detalhes, tem uma produção esmerada, fotografia, montagem, direção (Xavier Gens) excelentes, ritmo vertiginoso harmonizado o tempo todo por uma trilha sonora palpitante, que torna o suspense e a tensão permanentes. E porque chegamos à conclusão de que não é um filme para ser desfrutado com “cérebro” e sim mais com sentimentos e emoções. Se deixar levar pela empolgação. E é tão inteligentemente construído, que além de se tornar uma ótima diversão, superlativa dentro de um gênero específico que pontificou no cinema ao longo das décadas (com grandes sucessos de bilheteria, como Tubarão, Terremoto, Inferno na torre, Independence day etc), ainda permite que o público tolere perfeitamente os clichês típicos, até mesmo interpretando alguns com intensões propositais/irônicas, como a figura da ridícula prefeita, por exemplo. O filme já começa muito bem, com cenas espetaculares de ação e suspense e termina de um modo totalmente inesperado e também extraordinário (com uso da alta tecnologia digital). Em seu desenvolvimento esbanja imagens belíssimas de Paris, vistas a partir do Sena ou mesmo em tomadas rápidas de outros ângulos (inclusive aéreo). O elenco não desaponta, mas a atriz Bérénice Bejo é ótima, aliás, é uma veterana no cinema (O artista, com Jean Dujardin). Fora isso, os temas tratados são atuais, envolvendo ecologia e questões ambientais importantes, sendo essencial dentro da trama o ensinamento de Darwin, apresentado desde o início: “Os sobreviventes não são os animais mais fortes ou inteligentes e sim os que conseguem efetivamente se adaptar às mudanças”. Em suma, sob todos os ângulos, uma diversão garantida, com imagens belíssimas e grandes emoções, com poucas pausas para se respirar. Até o título em português funcionou bem. Por fim: como as avaliações de crítica e público oscilam entre 1 e 5 estrelas, fica claro que sobre o filme pode haver um olhar totalmente oposto ao acima exposto, ou seja, quem sinta que se trata simplesmente de um amontoado de clichês com uma bela camada de verniz para disfarçar sua pobreza (tendo sido inclusive “detonado” pela comunidade científica”). 9,0

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O JOGO DE EMOÇÕES (HOUSE OF GAMES)

Filme de estreia de David Mamet, como roteirista e diretor simultaneamente, que a partir de então (1987) só confirmaria sua qualidade de cineasta em outras produções, como O sucesso a qualquer preço, Homicídio, O assalto, A trapaça. Aqui temos pelo menos dois de seus atores favoritos: Joe Mantegna e William H. Macy (bem novo), além de um coeso elenco, onde o nome mais conhecido talvez seja o de J. T. Walsh. A protagonista é a atriz Lindsay Crouse, que atuou em O veredito, filme cujo roteiro foi escrito por Mamet. É um filme pelo menos em boa parte imprevisível, repleto de mistérios, reviravoltas, suspense, podendo ser enquadrado dentro do gênero drama-policial, mas como thriller e com tons disfarçados de comédia de humor negro. Admite, sim, vários ângulos de análise e de interpretação, contudo é certo dizer que se trata de um roteiro bastante inteligente, muito bem elaborado e costurado, com vários e importantes subtextos e que vai motivar e prender o espectador do começo ao final, tendo uma última cena tão irônica quanto significativa. E é o caso de os comentários acabarem por aqui, sem spoiler, porque o filme merece ser visto e degustado, passo a passo. Teve várias indicações e prêmios, com destaque para Melhor roteiro no Festival de Veneza. 9,2

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O DONO DO JOGO (PAWN SACRIFICE)

Robert James Fischer ou Bobby Fischer é considerado por muitos como o melhor jogador de xadrez de todos os tempos. Não há dúvidas de que foi um prodígio, que aos 14 anos foi campeão americano e à medida em que foi crescendo, na idade e na experiência, derrotou todos os grandes jogadores da época. Assim como não há dúvidas de que foi o mais polêmico enxadrista da história, pelo seu comportamento na carreira e pela conduta especial (e no mínimo excêntrica) que assumiu ao decidir, em plena Guerra Fria, em Reykjavik, capital da Islândia, em 1972, o título de Campeão Mundial, desafiando o então campeão, o russo Bóris Spassky. Fato: os russos tinham há décadas a hegemonia do xadrez no mundo e o americano, arrogante, desde antes do match, já dizia que derrotaria Spassky e que não havia no mundo quem pudesse vencê-lo. Para alguns, tais atitudes eram puro “marketing”. O filme mostra a figura de Fischer, desde criança, aficcionado pelo xadrez, passando por seu crescimento e sua ascensão no mundo enxadrístico, até chegar no referido Campeonato Mundial e os fatos que ocorreram durante essa disputa são quase inacreditáveis, incluindo exigências de alteração da sala, do tabuleiro, das câmeras, Fischer não comparecer em uma partida, ligações persuasivas para Fischer, de parte de Henri Kissinger e até do próprio presidente americano, Richard Nixon etc. Sem spoiler, embora os fãs de xadrez conheçam perfeitamente os fatos. O filme é dirigido por Edward Zwick (O último samurai, Lendas da paixão) e o protagonista no difícil papel de Fischer é o ótimo ator Tobey Maguire (O homem aranha). De mais conhecidos, Spassky é interpretado por Liev Schreiber e o Padre Bill (Lombardy) por Peter Sarsgaard, ambos também muito bons. A discussão que deriva do filme é se realmente os fatos relacionados com Fischer e com sua sanidade mental ocorreram realmente ou são fantasiosos (fruto também das polêmicas que se abriram a partir de então), por exemplo, a paranoia de ficar procurando microfones escondidos. Porque há atitudes agressivas, paranóicas, esquizofrênicas e todo o final do filme descreve os problemas como se realmente tivessem começado há muito tempo e explodido durante a disputa do mundial, dali em diante tornando Fischer quase um alienado, o que o destino que seguiu na vida pessoal parece confirmar. Os fãs divergem, bradando pelo exagero do retrato. Embora infindáveis discussões sobre os limites entre doença e temperamento ou estratégia de jogo na Guerra Fria, o fato é que esses fãs, diante das maravilhosas partidas esculpidas por Fischer, tendem a lembrar apenas de sua genialidade e do fato que o xadrez se difundiu no Ocidente na década de 70 graças aos feitos de Bobby, passando, a partir da década de 70, a atrair multidões de adeptos, virando febre nas escolas, nos clubes e nas ruas, inclusive nos EUA e no Brasil. Romantizada ou não, a figura de Fischer merece ser conhecida além do âmbito de seus admiradores e este filme parece ser o mais completo sobre o tema, embora as referidas polêmicas a respeito de alguns fatos, que na verdade somente poderiam ser confirmados (ou negados) por restritas pessoas. Filme de 2014 e que, pelo que consta, tem na Apple TV. 8,7