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VIDAS PASSADAS (PAST LIVES)

Este é daqueles filmes que após terminar (com uma bonita música na parte final dos créditos) nos deixa por algum tempo com diversas sensações. Misturadas ou até meio confusas. De nostalgia e de realidade. Porque é disso que trata: do amor e do primeiro amor, da vida, do tempo, das escolhas e dos laços afetivos importantes, que nos acompanham por toda a vida e ganham inúmeros significados, dependendo do coração, mas também da razão. Não é um filme comum e seu diferencial se dá no bom sentido: no da qualidade e da delicadeza. Tem um ótimo roteiro, uma bela, segura e sensível direção de Celine Song – na verdade impressionante para uma diretora iniciante – e excelentes interpretações de Greta Lee (americana, 40 anos) e Teo Yoo (sul-coreano,42 anos), embora o ator John Magaro (First cow) – americano e também quarentão – igualmente desempenhe muito bem o seu difícil papel. Na verdade, é um cinema diferenciado, quase se enquadrando naquela categoria de filmes de arte, em razão de seu tema e de seu andamento. Mas é uma belíssima obra, a ser degustada com muita atenção, mas também com sentimentos e que tem, com muito mérito, chamado a atenção nos festivais por onde tem passado, como os de Sundance 2023 e Veneza 2023. 9,1

9,1

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BLOW UP – DEPOIS DAQUELE BEIJO

Este filme de 1966, uma espécie de drama com elementos policiais, ganhou o Grand Prix em Cannes em 1967. Além disso, foi indicado ao Oscar nas categorias de melhor diretor e melhor roteiro, ao Globo de Ouro como melhor filme estrangeiro e ao Bafta como melhor filme britânico, melhor direção de arte e melhor fotografia. Apesar disso tudo, é filme mais para críticos e no todo um puro tédio, porque quase nada acontece, nada se resolve e nada se questiona, a não ser aquilo que miraculosamente os críticos conseguem extrair das entrelinhas e da fama do diretor. Mas fica o seu valor histórico para o cinema de contracultura e sua importância para os movimentos cinematográficos da época, além disso apresentando jovens atrizes que ganhariam fama no cinema, como Vanessa Redgrave, Sarah Miles e Jane Birkin. A trama tem algum interesse e vai sendo até bem conduzida – até resultar em nada -, tendo no centro dos acontecimentos o personagem de David Hemmings, que é um fotógrafo meio excêntrico e que acaba sem querer registrando algo bastante interessante. Mas com o tempo e o avançar do roteiro, percebe-se que o filme é tão estranho quanto o diretor Michelangelo Antonioni e que nada de muito interessante ou atraente vai acontecer, além de algumas boas e esparsas cenas ao longo da história (há algumas inclusive bem ousadas para a época), vindo a decepção pelo que poderia ter sido.  7,5

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O ASSALTO AO TREM PAGADOR

DEDE

Este filme de 1962 (baseado em fatos reais ocorridos dois anos antes) é tido por muitos como um clássico nacional e, de fato, apesar de ter sido produzido há mais de 60 anos ainda guarda na trama alguns traços de atualidade e para a época foi realmente algo inovador. Está na lista da Associação Brasileira de Críticos de Cinema, como um dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos e ganhou diversos prêmios, tendo representado o Brasil em importantes festivais do exterior, como o de Veneza e o de Lisboa. O assalto do título acontece nos primeiros minutos e a partir daí os dramas se desenrolam na vida dos assaltantes, que seguem um plano meticuloso, de fuga e de ocultação do crime. É um filme dinâmico e mostra em algumas cenas imagens nostálgicas e muito interessantes do Rio de Janeiro do início da década de 60. Como é uma obra policial, naturalmente tem muitas cenas violentas e de tiros, que para a época foram tidas como muito bem realizadas. Mas na verdade, revisto hoje, não é um filme perfeito, tem algumas falhas de roteiro e cenas mal feitas (o final é impactante, mas algo duvidoso em termos de coerência), tendo de certo modo sido superestimado, embora como produção nacional efetivamente se destaque, principalmente considerando a época em que foi realizado. O elenco tem muita gente que ficaria famosa no cinema e na TV: Reginaldo Faria, Jorge Dória, Grande Otelo, Ruth de Souza, Luíza Maranhão, Átila Iório, Eliezer Gomes, Dirce Migliaccio e Wilson Grey, entre outros. A direção foi de Roberto Farias, que alguns anos depois dirigiria os filmes de Roberto Carlos (iniciando com Roberto Carlos em ritmo de aventura, em 1968) e vinte anos depois o polêmico Pra frente Brasil. Curiosamente no ano seguinte à produção deste filme, ocorreu um evento parecido, conhecido também como assalto ao trem pagador, só que ocorrido entre a Escócia e a Inglaterra, tendo como protagonista o famoso Ronald Biggs, que fugiu da prisão e acabou morando por mais de 30 anos no Rio de Janeiro. 8,5

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A MILHÕES DE QUILÔMETROS (A MILLION MILES AWAY)

Um filme lançado em 2023 e que surpreende pelo roteiro e pela forma, graças ao mérito da excelente direção da mexicana Alejandra Marquez Abella, praticamente uma novata na sétima arte. A produção é associada, México e Estados Unidos, mas toda a história e a cultura têm raízes mexicanas, sendo parte do elenco americano e obviamente vinculadas aos EUA todas as questões envolvendo as conquistas especiais, Nasa etc. O que o filme mostra é a vida dura e sofrida dos trabalhadores rurais e suas famílias no México e a existência de um sonho arrojado por parte de um menino (com papel importante da professora no estímulo à busca pelo sonho realizado). A história nos faz conviver o tempo todo com esses fatores, que envolvem de modo central as famílias e o sentido de união e de fidelidade a essa fundamental instituição. Mas tudo é mostrado, ao mesmo tempo, com cores reais, mas também com leveza e emoção também pela excelência das interpretações, que fazem com que os fatos pareçam absolutamente naturais, tudo harmonizado com a direção (e edição), que sabe inclusive muito bem condensar o passar do tempo, sem parecer faltar qualquer elemento de uma perfeita continuidade e de um adequado desenvolvimento. Trata-se de vidas reais, emoções humanas e não há como deixar de se emocionar com ideais sendo perseguidos à custa de muito suor, abnegação e persistência. O roteiro é simples, não tendo nada extraordinário, contudo a maneira de serem os fatos expostos é muito bem vinda. E apesar de o que vermos na tela seja mais ou menos o que desde o início é esperado, ainda assim desejamos ver exatamente o que aparece e que ocorre sem qualquer tipo de chantagem emocional ou pieguice: tudo nos vem de uma forma muito bonita, legítima e sensível. Um filme para todas as idades, para as famílias assistirem e retirarem dele no mínimo bons exemplos a serem seguidos, em diversos sentidos. Baseado em história real, apresenta uma bela performance de Michael Peña (americano), mas a atuação de Rosa Salazar (americana) é maravilhosa e de grande destaque. 9,2

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SUSPEITO X (JAANE JAAN)

O cinema indiano experimentando o gênero policial. E se dá bem. Não é um filme memorável, mas tem bons momentos, alguns instantes criativos e inspirados e um roteiro bem alinhado, assim como as performances, a direção e os demais elementos de um bom cinema. É um filme que se torna investigativo, trazendo algum suspense e mistério sobre como se desenrolarão os fatos e onde culminarão. Os personagens têm lá seus mistérios, o professor é sem dúvidas um personagem sinistro e repleto de reticências, Maya enigmática quanto a ser altruísta ou aproveitadora, o próprio Inspetor meio dúbio. Tudo isso enriquece o filme, que é baseado no romance japonês The devotion of suspect X, escrito em 2005 por Keigo Higashino e se passa na cidade indiana de Kalimpong. Ocorre que há alguns altos e baixos e se fica às vezes com a impressão de que o aspecto psicológico dos personagens careceu de algum desenvolvimento. Seja como for, um bom divertimento em trama policial e uma clara evolução do cinema indiano, a despeito de claramente seguir os passos do cinema ocidental. Neflix. 8,3

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CURTINDO A VIDA ADOIDADO (FERRIS BUELLER´S DAY OFF)

Esta comédia adolescente de 1986 é considerada um clássico da década. Dirigida por John Hughes (Esqueceram de mim, Clube dos cinco, A garota Rosa Shocking, Gatinhas e gatões), foi também roteirizada por ele em menos de uma semana e, segundo consta, com o papel de protagonista desde logo definido e dirigido a Matthew Broderick, que interpretou maravilhosamente bem o papel de Ferris. Esse ator, que, por sinal, casou com a atriz Sarah Jessica Parker em 1987, fez na época vários filmes, como Projeto secreto Macacos, Curtindo a vida adoidado, Metido em encrencas, mas depois de alguns anos e um ou outro filme sumiu, retornando apenas recentemente, já sessentão, em algumas produções, como na comédia Que horas eu te pego, com Jennifer Lawrence. Mas em “Curtindo…”, junto com ele, o elenco vai todo muito bem e o roteiro flui fácil e divertido, com muitas cenas memoráveis e diversas referências pop (vide o quarto de Ferris), sendo a culminante a do desfile de rua, na interpretação/dublagem da música Twist and Shout, inclusive com a participação de parte do público de não atores. A história é até meio bobinha, mas o roteiro é muito bem construído e temperado: adolescente anárquico com ascendência sobre o grupo finge estar doente para matar aula e daí seguem-se as aventuras em Chicago: A vida passa muito depressa e se você não parar e olhar em volta de vez em quando, pode acabar perdendo”, diz o protagonista a certa altura. E essa é a essencia do filme. Integram o elenco Mia Sara (na verdade a única que era legitimamente adolescente), Jennifer Grey (que no ano seguinte estrelaria Dirty dancing), Alan Ruck, Charlie Sheen (em rápida mas marcante aparição) e o engraçadíssimo – mesmo sem querer – Jeffrey Jones, que é cômico por expressão e natureza e aqui protagoniza, no papel do diretor do colégio Ed Rooney, cenas antológicas com um cão feroz (ele atuou em Os fantasmas se divertem e fez o rei José II em Amadeus). A trilha sonora é ótima e a cada cena não é difícil os adolescentes (notadamente os da época) se identificarem com os personagens ou as situações. Divertido, interessante e com vários momentos que serão lembrados, como o da cena no restaurante, o do guardador de carros e o da mesma Ferrari 250 GT Spyder na garagem do pai (na verdade uma réplica). Isso sem contar os inúmeros momentos envolvendo o já citado diretor, inclusive nos créditos finais. 8,8

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CIDADE DE DEUS

Uma obra magistral, provavelmente o melhor filme nacional de todos os tempos, fato confirmado pelo público e crítica que o aclama permanentemente e pelos prêmios e indicações que recebeu, nas mais diversas categorias, principalmente nas de filme, direção, roteiro, edição, direção de arte, som e fotografia (Globo de Ouro, Havana, Cartagena etc); ganhou o Bafta na categoria de montagem e o WGA Awards, americano, na de melhor roteiro. Foi indicado ao Oscar de 2004 nas categorias de Roteiro adaptado, Fotografia, Montagem e Direção, mas era o ano de O senhor dos aneis. Entretanto, houve uma polêmica no ano anterior, quando o filme deveria ter sido escolhido para representar o Brasil na categoria de Filme estrangeiro: ocorreu um boicote de parte conservadora dos votantes e o filme deixou de ser indicado. Consta que alguns até se retiraram da sala, em protesto pelas cenas fortes e de violência, razão pela qual os americanos tentaram reparar a injustiça nominando o filme no ano seguinte. Pelo que consta, este é o segundo filme estrangeiro fora do eixo de Hollywood mais visto no mundo todo, perdendo apenas para Os intocáveis e O fabuloso destino de Amélie Poulain (franceses). Mas é um filme realmente de extraordinária realização: envolvente, emocionante, inteligente, dinâmico, com imagens de grandes efeitos, belos e artísticos enquadramentos de câmeras, um ritmo intenso e um trabalho perfeito de direção, edição e interpretação, além de ótimos som e fotografia. A consecução desse trabalho de alta qualidade certamente exigiu grande esforço, muito talento e sensibilidade e técnica, em suma, um belo fôlego, embora não seja recomendável para todo tipo de público, justamente em razão de sua violência, compatível com o realismo do tema (a cena com os moleques é uma das mais chocantes do cinema e pouquíssimo digestiva para muitas pessoas, incluídos os já referidos membros da Academia do Oscar). O filme retrata com maestria e arte os dramas das drogas e da miséria, em outras palavras, o mundo da criminalidade em uma comunidade da Zona Oeste carioca, que tem o mesmo nome do filme. Ali reina a rivalidade entre gangues e os chefões que comandam o tráfico, o que gera uma violência desmedida que a qualquer momento pode se manifestar e tensão contínua, em um meio perigoso pela própria natureza, onde as crianças desde cedo já andam armadas e com princípios bem diversos dos ideais infantis ou adolescentes. O filme é adrenalina pura e nos prende na cadeira do início ao fim, tendo um desenvolvimento bem coordenado e que não apresenta excessos no belo roteiro que contém sua visceral mensagem. Forte, empolgante, marcante, inclusive em sua excelente trilha sonora, com músicas de Seu Jorge, que inclusive atua muitíssimo bem (como Mané Galinha), Cartola, Raul Seixas, Tim Maia, Candeia, Luiz Melodia, entre outros e também músicas internacionais de variados ritmos, com destaque para os embalos fortes de “Dance across the floor” (Harry Wayne Casey e Ronald Finchs) e “Kung fu fighting” (Carl Douglas). Quanto ao elenco, é de nível elevado, sem exceção, incluindo os jovens e crianças, mas sendo destaques entre os adultos Alexandre Rodrigues (Buscapé), Leandro Firmino (Zé Pequeno), Matheus Nachtergaele (Sandro Cenoura) e Alice Braga (Angélica). O roteiro é adaptado do livro homônimo escrito em 1997 por Paulo Lins. A direção, de Fernando Meireles, assessorado por Kátia Lund. Até o título do filme e seu cartaz não merecem qualquer crítica, assim como a criativa cena da galinha, que inicia o filme e dá cores ao seu desfecho. Enfim, uma obra perfeita e com lugar definitivo na história do cinema. 10,0

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HIROSHIMA MEU AMOR (HIROSHIMA MON AMOUR)

Este não é um filme convencional. É inclusive estranho em muitos momentos e as ações dos personagens não contribuem nada para desfazer essa impressão inicial, assim como a trilha sonora. Mas, desde o início, sente-se a firmeza da direção, a performance segura dos protagonistas e a força do texto da dramaturga francesa Marguerite Duras, no qual se baseou o roteiro. Portanto, já se sabe que existe qualidade e que a estranheza é proposital e meramente questão de mensagem e/ou de estilo. Mas o que está envolvido não deixa de ser complexo e desafiar o espectador para pouco a pouco desvendar os sentimentos que emergem da tela. E eles então vão aparecendo com maior clareza, embora as palavras ainda contenham muitos códigos e mistérios. Certamente por conta da riqueza do texto e de um roteiro bem elaborado, embora tudo gire de forma indefinida e com muitas dúvidas e hesitações. Como o nome indica, o drama se passa na Hiroshima e na pós guerra, na verdade 14 anos depois da explosão da bomba A, portanto em 1959. Eji Okada é um ator muito bom, mas quem realmente se destaca é Emmanuelle Riva, que foi indicada ao Bafta por este filme e se manteve uma grande atriz ao longo de toda a sua carreira, com muitos prêmios e indicações, não sendo à toa que 53 anos depois deste filme ganhou o Bafta, Oscar britânico, aos 85 anos, pelo desempenho em Amour. O diretor é o francês Alan Resnais, que dirigiu mais de 50 filmes e foi considerado o decano da Nouvelle Vague. O premiado diretor (Noite e neblina, O ano passado em Marienbad, Amores parisienses, Medos privados em lugares públicos) – que morreu em Paris aos 91 anos, em 2014 –, em suma, aqui seguiu um caminho levemente intelectual para mostrar emoções humanas e como os sentimentos podem se modificar a ponto de transformar algo que nasceu para ser efêmero. O filme foi indicado ao Oscar 1961 (Melhor roteiro original) e à Palma de Ouro (Melhor filme) e algumas de suas imagens, provavelmente colhidas de reportagens de cinema ou TV, são talvez as mais chocantes e dolorosas mostradas pelo cinema e relacionadas com as vítimas sobreviventes da bomba atômica. 8,8

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O SIGNO DO LEÃO (LE SIGNE DU LION)

Este filme em preto e branco pertence ao Nouvelle Vague, tendo sido produzido por Claude Chabrol e dirigido por Eric Rohmer, também francês (participa dele Jean-Luc Godard). Foi filmado em 1959 e lançado em 1962. O protagonista é o ator Jess Hahn, um músico que aparentemente está prestes a ficar rico com uma herança inesperada. Já de início testemunhamos a grande vilã do filme e que nos acompanhará, infelizmente, da primeira à última cena: a trilha sonora. Se é que se pode chamar assim essa “tortura chinesa”. Não é difícil imaginar o tormento que representa uma trilha sonora sem uma melodia definida, sem uma sequência harmônica e lógica, mas composta, sim, por sons desvinculados em sequência, como se fosse um ensaio de aluno principiante de violino. Podemos chamar isso de trilha abstrata, psicodélica, mas no curso do filme acaba virando um teste para os nervos e para a sanidade. Aliás, muitos movimentos de cinema utilizaram esse estilo de fundo musical psicótico, talvez para combinar com a mente de seu idealizador. A verdade é que isso faz parte de certos momentos do cinema libertador, que buscava uma linguagem nova, quebrar paradigmas, romper o padrão e a estranheza era uma das formas de se atingir esse objetivo. Mas, deve-se dizer, aqui a trilha até combina com a história, pois ela não tem um bom desenvolvimento, o personagem é despido de empatia, nada interessante acontece praticamente durante o filme todo e quase todas as cenas são vazias e sem qualquer atração. A única virtude do filme é explorar uma Paris de uma forma a que não estamos acostumados, mostrando a cidade em seus aspectos de sujeira, pobreza, mendicância, o seu lado negro, pode-se dizer assim. Nesse aspecto, o filme de roteiro bobinho se mostra até interessante, na medida em que explora a situação do personagem de uma forma detida, minuciosa, exaustiva, concentrando-se em cada etapa da vida de quem nada tem – ou melhor, não está acostumado a ser pobre – e deve sobreviver na cidade grande, em meio a um mundo de miséria. Vemos passo a passo essa transformação, que é aqui mostrada de um modo pouco visto no cinema pela exploração dos detalhes. Fora isso e no geral, um filme “estilo de arte” e digerível apenas por aqueles que gostam de “filmes cabeça”. 7,5

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CAVALOS SELVAGENS (CABALLOS SALVAJES

Não confundir, porque este filme de 1995 tem o mesmo nome de outro, de 2015, com Robert Duvall e James Franco. Este aqui é argentino e tem uma história completamente diferente da do homônimo. Inclusive sendo classificado no gênero comédia. E, claro, que a homonímia é só em português, porque o título original do outro é em inglês: “Wild horses”. Este é uma comédia dramática, leve e que conta uma história de inusitada iniciativa pessoal e de direitos reivindicados, embora não exatamente de forma democrática. Não é um roteiro de grande originalidade ou criatividade, mas mesmo assim é bem escrito e tem seu interesse. E o que começa meio no gênero drama policial, vira uma espécie de road movie, com momentos de leveza e outros com temas político-sociais relevantes. Emociona e traz reflexão e naturalmente forte oposição ao sistema, embora também mostre os engessamentos e as grandes dificuldades de se romper as amarras. Mas o fato é que o lado positivo do filme é o que acaba sobressaindo, com belos momentos de triunfo e lições de coragem e bem viver, mesmo que a vitória renda instantes provisórios, embora imprevisíveis. E com o brilho do ator Hector Alterio (A história oficial, El nido, O filho da noiva, Alén,luz de luna), no papel de José. Também mostra competência e carisma, principalmente a partir da metade do filme, o ator Leonardo Sbaraglia, bastante conhecido em filmes como Relatos selvagens, Neve negra, No fim do túnel e As viúvas das quintas-feiras. Também boa a atuação de Cecilia Dopazo. O diretor é Marcelo Piñeyro (As viúvas das quintas-feiras) e o filme foi selecionado para representar a Argentina no Oscar de 1996. 8,5

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UMA CIDADE CONTRA O XERIFE (SUPPORT YOUR LOCAL SHERIFF)

Não foram muitas as comédias dentro do estilo faroeste no cinema (embora o tom de muitos westerns se assemelhe), sendo as mais famosas as da série Trinity e Banzé no Oeste. Mas esta, de 1969, é uma das divertidas e das mais leves, sendo ótima para ver em família, com pipoca e guaraná e para descontrair e dar algumas risadas. O elenco é enorme (figurantes), tem nomes conhecidos como Walter Brennan (mais de 200 filmes no cinema e na TV, três Oscar de Ator Coadjuvante), Bruce Dern (Amargo regresso, Nebraska), Dick Peabody (que fez o “Little John/Baixinho” da série Combate de 1962), mas o comando da ação é mesmo do galã James Garner, que aqui faz o personagem Jason McCullough. Garner, boa pinta e com uma altura que a câmera disfarça bem (1,91m), tem completa afinidade com o tom cômico do filme e sua performance nos diálogos e movimentos é perfeita. O ator tem o timming certo e já havia se notabilizado dentro do gênero na série de TV Maverick, que durou cinco temporadas a partir de 1957. O filme é movimentado, com um belo colorido e tem a história de sempre: a busca pelo progresso e por se instaurar a lei e a ordem. Aqui estão os bandidos para tumultuar, os políticos interesseiros, a casa das meninas, a multidão sem rosto e seu caráter duvidoso, algum pastelão, algum romance e assim tudo se passa em um clima bastante típico dos filmes da Sessão da Tarde. Despretensioso e divertido. Apesar disso, não há como não notar um erro tremendo e que não necessitava ocorrer: são 13 bandidos, morrem 2 e ainda ficam 13…a conta não fechou ! 8,0

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VIVER (LIVING)

Este filme britânico de 2022 é uma pequena joia do cinema e pertence ao acervo da plataforma HBO. Não é fácil contar uma história e manter absolutamente equilibrados e em total harmonia todos os elementos do filme, do começo ao fim. E aqui isso acontece. O elenco é todo coeso, sendo comandado por Bill Nighy (Bafta de coadjuvante por Simplesmente amor e também ator de teatro), em atuação absolutamente inspirada e que de forma justa lhe valeu uma indicação ao Oscar de Melhor ator. Mas fora isso, a fotografia é excelente, a edição perfeita e a trilha sonora e a direção caminham de mãos dadas e de forma virtuosa o tempo todo. O diretor, o sul africano Oliver Hermanos, conduz tudo com rara e cuidadosa competência e com muita sensibilidade. A delicadeza da trilha sonora e sua atenta precisão também chamam a atenção e contribuem para o brilho de cada instante (de se notar a mudança de enfoque na parte última do filme) – Hermanos também dirigiu “O rio sem fim, o primeiro filme sul-africano a ser indicado ao Leão de Ouro, em 2015. E mais: apesar das possibilidades, a história, repleta de emoções contidas, bem ao estilo do recato britânico (com o qual convivemos ao longo do drama), jamais desliza para o piegas. Nos dá emoção, em doses suficientes e até generosas em certos momentos, mas com total controle da direção. O roteiro foi escrito com base na obra “Ikiru”, de Akira Kuosawa, e nos traz algo com muita beleza e profundidade e algumas cenas marcantes, como, por exemplo, a do homem cantando ao lado do pianista e a do homem cantando no parquinho, a conversa no restaurante, o diálogo dos quatro homens no trem e a conversa com o guarda. E à harmonia de tudo soma-se a lição que fica para a vida de todos nós, bastando refletir a respeito e desejar colocar em prática o ditado que ensina que as ações valem mais que as palavras. 9,5

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QUASE 18 (THE EDGE OF SEVENTEEN

Na aparência um filme bobinho, como muitos produzidos e envolvendo adolescentes. Aqui, uma jovem deslocada no seu tempo e espaço e que tem consciência de que não se encontra, não se identifica com o mundo ao redor e que tem muitos gostos e necessidades que não se ajustam à sua família e à sua vida escolar. Uma estranha no ninho e que está à procura de sua identidade. Mas a direção do filme, a trilha, o ritmo, a leveza, a juventude e principalmente a atriz Hailee Steinfield (20 anos na época) fazem com que o filme seja um bom entretenimento e de certa forma uma lição de vida e um encontro com o mundo real e com as coisas boas que ele proporciona, tudo sendo uma questão de escolha do rumo a seguir. O filme traz algo otimista e uma mensagem jovem e definitiva, para aqueles que vagam sem saber para onde ir e sem entender que para se seguir viagem não se precisa de segurança, mas apenas de coragem e de assumir sua real natureza independentemente dos outros. Há cenas muito boas e belos diálogos, principalmente entre a jovem, que dá um banho de interpretação, e seu professor, que é mais um belo personagem do tão polêmico quanto competente ator Woody Harrelson. É só na aparência que essa comédia romântica é tolinha, porque na verdade tudo retrata com  talento um período difícil e os momentos amargos e complicados da adolescência e as emoções que envolvem a complexa integração das pessoas em seu meio. Muito bem produzido e dirigido por Kelly Fremon Craig, tem também a presença da noviça Haley Lu Richardson, que recentemente estrelou Amor à primeira vista e da veterana Kyra Sedgwick. Despretensioso, mas interessante. 8,7

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FALE COMIGO (TALK TO ME)

Este é um filme de terror australiano, produzido em 2022 e que tem sido a sensação do momento, tendo participado inclusive do famoso Festival Sundance (2023). Não é muito meu gênero, mas tenho que reconhecer que para os apreciadores é algo realmente imperdível. A direção e a trilha sonora são espetaculares, assim como a montagem, a fotografia; e o elenco jovem se sai muitíssimo bem, havendo momentos de interpretação intensa e marcante de alguns atores e atrizese cenas memoráveis, inclusive de violência que poucas vezes vi no cinema. Por esse motivo, é recomendável para fãs do gênero, mas também para quem têm estômago forte. A trama não é complexa, podendo a história ser tida até como simples: definida exatamente como tem feito a mídia, como uma jornada macabra de alguns jovens, às voltas com a invocação de espíritos. Mas aqui, em clima de tensão permanente, surgem vários contextos possíveis de análise em torno de um certo realismo incomum aos filmes de terror e da densidade de alguns personagens, principalmente da protagonista Mia. O roteiro, além disso, conclui o filme de um modo absolutamente coerente e também assustador, embora possa ser misterioso para alguns (que não entenderam o final). O elenco harmônico e de jovens talentosos (além da ótima presença de Miranda Otto no papel da mãe, mas não estereotipada!) é formado por Sophie Wilde (Mia), Joe Bird, Alexandra Jensen, Zoe Terakes, Otis Dhanji e Ari McCarthy, entre outros. Os diretores são Danny e Michael Philippou, irmãos gêmeos australianos e que estreiam (magnificamente) em longas metragens. Como referido no início, para quem gosta do gênero é um filme indispensável, tendo elementos até para virar um clássico. Para os que não apreciam tanto o terror, porém, mesmo assim vale a pena dar uma olhada, por suas qualidades cinematográficas. 9,0

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AMOR À PRIMEIRA VISTA (LOVE AT THE FIRST SIGHT)

Uma comédia romântica parecida com tantas outras, mas com alguns diferenciais e que a colocam em destaque: as interpretações, alguma criatividade do roteiro e na forma de contar a história, a atriz protagonista que é uma graça e gera empatia imediata (Haley Lu Richardson, de Columbus e The edge of seventeen) e a delicadeza da direção e da abordagem dos fatos. Tudo transcorre em um clima meio mágico, texto enxuto e tudo de um modo absolutamente agradável. Um frescor em termos de comédias do gênero, que nos entretém e nos envolve durante todo o tempo, sensibilizando e gerando emoções, algumas já esperadas, mas sempre gostosas de se ter. Aliás, como o cartaz do filme já antecipa, dando spoiler, ele traz tudo o que se gosta de ver – naturalmente às vezes de um modo não tão fácil – de um jeito leve e cativante. Ben Hardy também vai bem e as aparições da narradora interpretada pela modelo e apresentadora britânica Jameela Jamil são bastante interessantes e trazem as pitadas de magia, introduzindo os fatos de uma forma simpática e atraente. Lançamento Netflix. 8,6

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ROMA CIDADE ABERTA (ROMA, CITTÀ APERTA)

Este é um filme considerado clássico na história do cinema porque oficialmente foi o que, em 1945, introduziu o neorrealismo italiano, muito embora muitos tenham atribuído essa origem ao filmeObsessãode Visconti, realizado dois anos antes e outros defendam que esse “movimento” já tinha representantes na década de 30. Seja como for, este foi o filme que acabou ganhando maior destaque e inclusive alguns prêmios, inclusive em Cannes e concorrido no Oscar 1947 na categoria de Roteiro adaptado. Dirigido por Roberto Rosselini, é uma obra que embora não tenha tanta atualidade e tenha envelhecido um pouco com o tempo, ainda guarda, quase 90 anos depois, alguns elementos poderosos, principalmente por retratar os horrores da Ocupação Nazista em Roma enquanto ainda não havia terminado a Segunda Guerra: o filme retrata a opressão do regime nazista (que se arvorava como uma “raça superior”) e o terror imposto no ano de 1944, sendo que desde o ano anterior Roma havia sido declarada “Aberta” para evitar os bombardeios aéreos. Curiosamente, mas por motivos facilmente dedutíveis, no início do filme é ele anunciado como uma obra de ficção e que qualquer semelhança com a realidade seria mera coincidência (fato naturalmente risível hoje em dia). Além da denúncia que traz, o filme tem como qualidades que ainda perduram parte de sua narrativa, algumas cenas específicas (a mulher sendo baleada, de tortura…) e a maior parte das interpretações, principalmente as de Aldo Fabrizi (o sacerdote), Marcelo Pagliero (líder da resistência) e Anna Magnani (Pina). 8,5

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ELA (HER)

Este é um filme que trata da evolução tecnológica e dos sentimentos, mostrando a solidão do mundo atual, que mais se acentua com o passar do tempo e a progressiva incomunicabilidade entre as pessoas. De se destacar que com os bens de consumo sendo providenciados ou facilitados por máquinas, cada vez mais o homem se isola e vai interagindo com a inteligência artificial. Vemos aqui a relação do homem com a tecnologia cada vez mais surpreendente e de certo modo aterradora. E acabamos também sendo envolvidos em uma relação inusitada de afeto. Porém, à medida em que o filme avança, a estranheza inicial gera compreensão e até simpatia pelo comportamento do protagonista, maravilhosamente interpretado pelo grande Joaquin Phoenix: o que era estranho dá lugar a uma aceitação e até a um sentimento enigmático, de perplexidade e ternura. E os limites do que não parecia possível se flexibilizam e vem o espanto e até o terror, por se imaginar o estado de coisas e se antever as respostas ou o futuro sabidamente impossível. De um outro ângulo, porém, o filme parece também dizer que o amor que reside no próprio ser (que ama) é o que basta; que esse amor o habita desde sempre e não necessita de manifestações sob forma específica ou convencional. O que faz lembrar do trecho de um poema de Álvaro Augusto Cunha Rocha: “...mas deixe, amigo, que em seu leito de petúnias a doce amada pense que teu amor vem dela, dela precisamente, e não de muito antes”. Também atua no filme a ótima Amy Adams e a voz de Samantha é de Scarlett Johansson. Um filme psicológico dirigido por Spike Jonze (Quero ser John Malkovich), que teve 5 indicações ao Oscar 2014 (inclusive de Melhor filme), tendo ganho o de Melhor roteiro original, de autoria do próprio Jonze. O mesmo prêmio foi ganho por ele no Globo de Ouro, no mesmo ano. Por fim, a derradeira cena dá o recado final e tanto nesse sentido, quanto no da própria imagem que exibe, é belíssima e transbordante de significados. 9,3

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UM FIM DE SEMANA PROLONGADO (LONG WEEKEND)

Este filme pode ser definido como “uma grata surpresa” ou, em suma, algo muito gostoso e interessante de ser assistido e por isso não merece ficar esquecido entre tantos outros na plataforma da Prime. Surpreende agradavelmente, tanto pelo equilíbrio de seus elementos, quanto pela riqueza do texto, muito bem escrito e encadeado, guiado pelo realismo e pela honestidade das palavras e dos princípios. E além do ótimo roteiro, apresenta também desempenhos destacados (e fundamentais) de Finn Wittrock e Zöe Chao, sendo dirigido com sensibilidade e competência por Stephen Basilone, que também atua (de forma igualmente ótima). A história é prazerosa e tudo funciona harmonicamente, desde o início nos cativando e fazendo nosso interesse aumentar a todo instante, principalmente a partir de certo acontecimento, que desperta de vez nossa curiosidade e atenção. O referido fato – aqui não revelado (não spoiler) – amplia as dimensões iniciais do filme, que parecia confinado entre o drama e o romance, porém pode não ser bem aceito por parte do público. Entretanto, seja como for, não se pode negar ser uma história forjada com inteligência, afeto, respeito ao espectador e que desperta em muitas cenas uma legítima felicidade além de outros bons sentimentos, provocando também reflexão e algum enternecimento com sua mensagem, sobre a alegria de viver e os limites aprisionadores do tempo.  9,0

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PERSONA (QUANDO DUAS MULHERES PECAM)

Os filmes do sueco Ingmar Bergman têm identidade forte, não há como negar: na fase mais famosa do cineasta, principalmente, é fácil identificar quando se trata de um filme dele. Alguns elementos podem ser citados de início: a fotografia, sempre um primor, do seu habitual colaborador Sven Nykvist, a exploração das expressões e emoções humanas por meio de closes, os temas psicológicos complexos. Fora isso, a atuação perfeita do elenco, com duas atrizes sendo bastante recorrentes em suas obras: Liv Ullmann e Bibi Andersson, com quem inclusive foi casado e que trabalham neste filme de maneira irrepreensível. Mas aqui se trata de um filme de arte, ou seja, daquele gênero de filme para determinado tipo de público, que faz pensar, que não é imediatamente compreensível, nem necessariamente compreensível, gerando reflexões e discussões. Este filme de 1966 tem alguns momentos em que desfila muitos símbolos, de significado a ser desvendado e isso desde a sua introdução. É mais fácil interpretá-los como sendo referência da complexidade da mente humana. O título do filme, Persona, já pode suscitar algum debate, embora aqui provavelmente tenha o significado psicológico e ao mesmo tempo seja o nome pelo qual é conhecida aquela máscara do teatro grego, que não permitia se adivinhar a expressão do rosto de quem a vestia. Realmente, os filmes principais de Bergman possuem um quê de teatro, embora o teatro não seja capaz de expressar tudo o que ele consegue com o cinema. Neste filme, inclusive, mostra-se vital o enquadramento das câmeras em relação aos personagens em cena, às vezes um deles em primeiro plano ocultando o outro. Mas a real intenção e a mensagem aprofundada do filme não é tão fácil de extrair, principalmente na parte final, embora se constate de forma clara a qualidade e densidade do roteiro, que aborda o ser humano em sua essência e no uso das máscaras sociais. Interessante a relação da eloquência (e dos segredos confessados) com o silêncio e também quando ocorre o fato que causa uma ruptura da confiança. E navegamos por uma densidade pouco comum no cinema, mas reiterada nos filmes desse diretor, que são desafiadores e alimentam nossa inteligência e nossa alma. Por sinal, o fato de a enfermeira se chamar Alma não parece um acaso. Como também não parece sem intenção o fato de Alma ir mudando ao longo da história (se fundindo na outra?). Já li explicações de que a incomunicabilidade de uma encontrou na outra seu veículo de expressão! Essas noções abstratas e que parecem geniais sobre a criação da realidade, de máscaras que nos ocultem e nos protejam (somos várias “personas”), estão acompanhadas por vários detalhes difíceis de decifrar, sendo também chocante o fato de repentinamente se romper a barreira entre o filme e o espectador que o vê (quebrada a quarta parede !), na cena em que Elisabet tira uma foto olhando diretamente para a câmera e de costas para o desenrolar dos fatos. Neste momento percebemos a profundidade do tema, ao discutir sobre o que é e o que não é realidade e como podemos nos enganar nesse particular ou como são frágeis os conceitos a esse respeito. O único senão, além do fato incômodo de não conseguirmos captar todos os sentidos e talvez o exato conteúdo pretendido, é o título em português, que é lamentável sob todos os aspectos, parecendo o nome de uma das pornochanchadas nacionais dos anos 70 e constituindo neste caso uma afronta abominável e imperdoável a um filme de Ingmar Bergman. 9,2

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OBSESSÃO (OSSESSIONE)

Apesar de Roma cidade aberta (de Roberto Rosselini, 1945) ter sido premiado em Cannes e ser tido como o precursor do neorrealismo italiano, este filme de 1943 é considerado por muitos como o primeiro filme desse importante movimento cinematográfico, tanto pelo estilo de filmagem e em locações reais, como pelo fato de conter elementos de oposição ideológica ao fascismo, realizado em plena Segunda Guerra. Nesse ponto, apesar de membro do partido comunista (ou em razão desse fato, justamente) teve coragem o diretor estreante Luchino Visconti, que com o tempo ganharia experiência e maturidade e, corrigindo alguns problemas e algumas lacunas da incipiência (que aqui vemos), daria ao mundo grandes obras cinematográficas como Rocco e seus irmãos (1960), O leopardo (1963), Morte em Veneza (1971) e O inocente (1976), se bem que os memoráveis A terra treme e As noites brancas (Leão de Prata em Veneza) são respectivamente de 1948 e 1956. O filme apresenta temas bastante polêmicos para a época e os desenvolve com uma ótima interpretação de Massimo Girotti e Clara Calamai. É inclusive baseado no livro The postman always rings twice, de James M. Cain, que quando foi publicado em 1934 provocou um grande choque no público americano, sendo proibido de circular em muitos locais dos EUA. Os americanos por sinal filmaram duas versões dessa história, com o mesmo nome de “O destino bate em sua porta”: a primeira em 1946, com Lara Turner e John Garfield e a segunda em 1981, com Jessica Lange e Jack Nicholson, fazendo sair faísca da tela. Esta italiana, assim, é efetivamente a primeira versão do livro de Cain, observando o recato da época, mas fazendo jus à obra e deixando reticências sensuais e eróticas bem acentuadas, além de tratar de questões bem interessantes, envolvendo a paixão e o amor, o tédio e a rotina, a decepção e o confronto do amor com a realidade das vivências humanas, a mediocridade e seus tentáculos…Talvez o filme pudesse ser menos longo e é fato que em certos trechos se torna um pouco cansativo, principalmente quando em sua parte final as coisas parece saírem um pouco dos eixos, o protagonista assume atitudes meio estranhas e incoerentes e parece meio perdido (juntamente com o roteiro). Mas, no contexto geral, predomina a boa construção da trama (e do pessimismo) e o desfecho é coerente com o texto e também com a época. 8,6