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MARJORIE PRIME

Esta é uma pequena joia escondida na (plataforma) Prime Vídeo. Um filme de 2017 e que não se destina a todo o público, por ser lento e complexo, mas para quem gosta de algo fora do trivial, denso mas totalmente sensível e coerente, é uma degustação prazerosa: principalmente para os que apreciam filmes de arte com conteúdo (e que nos dão aos poucos a compreensão dos fatos). Um amigo foi muito feliz ao definir com grande precisão: “Se o Bergman fizesse hoje um filme de ficção, seria esse”. E é exatamente isso: o interesse do diretor aqui é semelhante ao que o cineasta sueco tinha em seus filmes, geralmente difíceis: aprofundar os dramas humanos interiores, questionar, mostrar os limites, devassar a memória, a culpa, as dores, explorar os conflitos. O cartaz do filme, aliás, é tão apropriado, quanto contundente. Este filme discute questões filosóficas essenciais e mesmo em ambientes restritos mostra admirável vastidão psicológica, a exemplo de Bergman explorando a competência do elenco com muitos e contundentes diálogos, closes e não facilitando ao espectador a percepção da passagem do tempo, deduzida pelo contexto das imagens e das interações. O diretor americano Michael Almereyda (Hamlet, do ano 2000, com Ethan Hawke) dispôs de um excelente roteiro, baseado em peça de Jordan Harrison – mas tanto aqui, quanto nos filmes de Bergman, o teatro não seria o palco adequado, porque a obra exige formas que apenas o cinema contém. Este é um drama de ficção, que apresenta a tecnologia como tênue e talvez perigoso veículo possível para anestesiar a maior das dores existenciais, sendo chocante também se constatar que tal realidade, que há décadas parecia tão remota, hoje não soa mais assim. O enredo exige atenção para que possamos aos poucos desvendar as lacunas da história, mas quando se chega perto da completude, tudo começa a ficar extremamente sensível, embora não imune de uma ou outra surpresa após meia hora de filme. É daqueles que fazem perdurar após o seu final os sentimentos, fervilhantes e misturados, deixando em sobressalto o coração por mais um bom tempo. E em que toda a complexidade só adquire um sentido real pelo brilho também dos protagonistas: Tim Robins (Um sonho de liberdade) e Jon Hamm (Mad man) – igualmente produtores executivos -, Geena Davis (Thelma e Louise) e Lois Smith (bela e maravilhosa aos 86 anos). Na verdade, tudo indica que somente a maturidade poderia permitir ao elenco atingir a perfeita harmonia com o roteiro e com a direção, para oferecer algo de tal magnitude e originalidade. Não é para todos, mas é um deleite cinematográfico. 9,5