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PERSONA (QUANDO DUAS MULHERES PECAM)

Os filmes do sueco Ingmar Bergman têm identidade forte, não há como negar: na fase mais famosa do cineasta, principalmente, é fácil identificar quando se trata de um filme dele. Alguns elementos podem ser citados de início: a fotografia, sempre um primor, do seu habitual colaborador Sven Nykvist, a exploração das expressões e emoções humanas por meio de closes, os temas psicológicos complexos. Fora isso, a atuação perfeita do elenco, com duas atrizes sendo bastante recorrentes em suas obras: Liv Ullmann e Bibi Andersson, com quem inclusive foi casado e que trabalham neste filme de maneira irrepreensível. Mas aqui se trata de um filme de arte, ou seja, daquele gênero de filme para determinado tipo de público, que faz pensar, que não é imediatamente compreensível, nem necessariamente compreensível, gerando reflexões e discussões. Este filme de 1966 tem alguns momentos em que desfila muitos símbolos, de significado a ser desvendado e isso desde a sua introdução. É mais fácil interpretá-los como sendo referência da complexidade da mente humana. O título do filme, Persona, já pode suscitar algum debate, embora aqui provavelmente tenha o significado psicológico e ao mesmo tempo seja o nome pelo qual é conhecida aquela máscara do teatro grego, que não permitia se adivinhar a expressão do rosto de quem a vestia. Realmente, os filmes principais de Bergman possuem um quê de teatro, embora o teatro não seja capaz de expressar tudo o que ele consegue com o cinema. Neste filme, inclusive, mostra-se vital o enquadramento das câmeras em relação aos personagens em cena, às vezes um deles em primeiro plano ocultando o outro. Mas a real intenção e a mensagem aprofundada do filme não é tão fácil de extrair, principalmente na parte final, embora se constate de forma clara a qualidade e densidade do roteiro, que aborda o ser humano em sua essência e no uso das máscaras sociais. Interessante a relação da eloquência (e dos segredos confessados) com o silêncio e também quando ocorre o fato que causa uma ruptura da confiança. E navegamos por uma densidade pouco comum no cinema, mas reiterada nos filmes desse diretor, que são desafiadores e alimentam nossa inteligência e nossa alma. Por sinal, o fato de a enfermeira se chamar Alma não parece um acaso. Como também não parece sem intenção o fato de Alma ir mudando ao longo da história (se fundindo na outra?). Já li explicações de que a incomunicabilidade de uma encontrou na outra seu veículo de expressão! Essas noções abstratas e que parecem geniais sobre a criação da realidade, de máscaras que nos ocultem e nos protejam (somos várias “personas”), estão acompanhadas por vários detalhes difíceis de decifrar, sendo também chocante o fato de repentinamente se romper a barreira entre o filme e o espectador que o vê (quebrada a quarta parede !), na cena em que Elisabet tira uma foto olhando diretamente para a câmera e de costas para o desenrolar dos fatos. Neste momento percebemos a profundidade do tema, ao discutir sobre o que é e o que não é realidade e como podemos nos enganar nesse particular ou como são frágeis os conceitos a esse respeito. O único senão, além do fato incômodo de não conseguirmos captar todos os sentidos e talvez o exato conteúdo pretendido, é o título em português, que é lamentável sob todos os aspectos, parecendo o nome de uma das pornochanchadas nacionais dos anos 70 e constituindo neste caso uma afronta abominável e imperdoável a um filme de Ingmar Bergman. 9,2