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A SÍNDROME DO TABULEIRO CINEMATOGRÁFICO – artigo

A SÍNDROME DO TABULEIRO CINEMATOGRÁFICO

(artigo de janeiro de 2024)

Qualquer um que contemple ou manuseie um tabuleiro de xadrez (que é o mesmo do jogo de damas), perceberá ser possível colocá-lo em duas posições diferentes: em uma delas, a casa branca ficará à direita de ambos os jogadores; na outra, a casa preta é que ocupará a posição extrema direita.

Apenas uma delas está correta.

Todos aqueles que começarem a jogar xadrez, aprenderão, desde cedo e como requisito fundamental, que para serem colocadas as peças, primeiro o tabuleiro deve estar posicionado com a casa branca à direita: se o tabuleiro for montado com a casa preta à direita, ocorrerá um absurdo, uma heresia enxadrística, uma afronta ao jogo, a seus princípios e regras e a todos os que o apreciam e exercitam. Erro crasso, como se diz por aí.

Pois bem. Não é de hoje que, mesmo como jogador médio de xadrez, observo no cinema (e até em séries de TV) uma completa desatenção com esse elemento fundamental do jogo/arte/ciência (como alguns o chamam), já tendo flagrado em diversos filmes o tabuleiro montado de forma incorreta. E o pior é que são filmes de gente famosa e acostumada à atenção aos detalhes, ao perfeccionismo, sendo muito estranho e até imperdoável um descuido de tal natureza. É como se retratassem um jogo de futebol, com 12 jogadores para cada lado.

Cito como exemplo de tabuleiro montado de forma incorreta dois filmes conhecidos, mas tem muitos mais (é só pesquisar e prestar atenção):

O SÉTIMO SELO, de 1957, é um dos mais festejados e premiados filmes do grande diretor sueco Ingmar Bergman. Sua história envolve justamente um presumivelmente experiente jogador de xadrez, que desafia a morte para uma partida. Lamentavelmente, o tabuleiro aparece invertido em uma das cenas, o que implica dizer que todas as peças estão colocadas de forma errada e que seria impossível dois jogadores, mesmo iniciantes, sequer começarem a jogar uma partida, com o tabuleiro assim disposto, quanto mais se debruçarem em uma disputa séria e aguerrida;

A DIAGONAL DE FOU, de 1984, de Richard Dembo, é um filme franco-suiço, que ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1985. Sua trama reside na disputa do campeonato mundial de xadrez por dois russos, sendo um deles o detentor do título mundial e o outro um dissidente soviético/exilado, sugerindo tratar-se de uma livre adaptação da verdadeira história protagonizada por Karpov e Korchnoi em 1978. Quando o desafiante está treinando na piscina para a segunda partida, o tabuleiro está montado também de forma invertida, o que obviamente seria impossível – e até jocoso – para um jogador de xadrez daquela estatura.

Esses fatos revelam um total desleixo dos participantes/responsáveis dos filmes – principalmente os diretores – com o xadrez e sua configuração básica, o que se agrava mais ainda pelo fato de que nos dois exemplos o jogo é justamente a base argumentativa.

Sob tal foco, principalmente para os apreciadores de xadrez, mas também para os cinéfilos mais atentos e exigentes, o descaso passa de negligência para erro praticamente indesculpável e que efetivamente retira pelo menos parte do mérito que esses filmes alcançaram. Pelo menos na visão de um apaixonado pelo cinema e pelo xadrez.

Nadal