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A ÉPOCA DA INOCÊNCIA

Um filme muito acima da média e que para mim só teve um defeito, comentado ao final. Mas suas qualidades são maiores e mais do que evidentes. Porque raras vezes o cinema retratou com tanta sofisticação os costumes e o requinte da alta sociedade nova-iorquina do final do século 19. É um show de roupas, ambientes, acessórios, encontros sociais e principalmente à mesa: a exuberância de pratos, talheres, do próprio cardápio incluindo aves, peixes, dos comensais. Tempo em que Nova York era uma cidade repleta de vazios urbanos, mas em compensação o tradicionalismo imperava de uma forma absolutamente devastadora, tudo com pompa e circunstância. O comportamento social conservador era uma exigência e ao mesmo tempo uma prisão. Pensar diferente da tradição significava ser excluído, mesmo que à boca pequena. Muitos liberais forçaram-se, assim, a viver num faz de conta e parte da sociedade efetivamente vivia e sobrevivia de aparências. Diz a certa altura a condessa: “A verdadeira solidão é viver entre essas pessoas amáveis, que querem que você finja”.  Mesmo assim, a narradora in off (recurso interessante do filme, ainda mais que não se trata de nenhum dos personagens narrando) deixa expresso que toda aquela harmonia muitas vezes estava por um fio. Nessa época e ambiente a trama se desenvolve, tendo a direção de Martin Scorsese o devido cuidado estético para a perfeita e belíssima configuração dos fatos e da época (1870). E fato primordial foi a escolha a dedo dos protagonistas, comandados pelo trio Daniel Day-Lewis, Michelle Pfeiffer e Winona Rider. Os dois primeiros dispensam maiores comentários pela qualidade e talento que possuem e já foi reiteradamente reconhecido, mas Winona aqui talvez alcance o ápice de sua carreira como atriz, desempenhando um papel extremamente difícil pelas sutilezas das aparências e pelo conflito que vivia, entre ação e sentimentos (olhares reveladores quase imperceptíveis). Por essa maravilhosa atuação, foi justamente premiada com o Globo de Ouro de Melhor atriz coadjuvante em 1994. Sobre a personagem, diz/pensa alguém no filme: “Não adianta tentar emancipar uma mulher que não tem a mínima ideia de que não é livre”. Além dos citados, também integram o elenco Richard E. Grant, Geraldine Chaplin, Jonathan Pryce e Robert Sean Leonard. Apesar das interpretações, da direção magistral, inclusive de arte, trilha sonora espetacular (Elmer Berstein), edição etc, o filme ganhou o Oscar apenas de Melhor figurino. Era o ano de A lista de Schindler, Em nome do pai, Filadélfia, O piano, Jurassic Park, O fugitivo, Vestígios do dia, Gilbert Grape-aprendiz de sedutor !!! A parte final do filme é coerente com todo o seu desenrolar e o fecho pode ser uma surpresa, mas de todo modo é realmente especial. O roteiro nos propicia uma tensão crescente (inclusive sexual), um contato incômodo com sentimentos de aprisionamento, de ciúme, de impotência, em certos momentos em níveis quase insuportáveis. Apesar de tudo, entretanto, senti uma queda do filme mais ou menos em sua metade, justamente quando se nota um pequeno problema na montagem (uma ou duas cenas são apressadas demais e destoam do contexto anterior). A partir dessa hora, a própria conduta dos personagens desfaz parte da tensão existente e traz inclusive uma certa perplexidade quanto aos atos do protagonista, que até então não revelara a falha de caráter que viria a mostrar e que de certa maneira não soou como muito verossímil para mim diante do que ele alegou sentir pela amada. De todo modo, são detalhes de uma apreciação subjetiva e que não desmerecem todo o conjunto de qualidades, já enaltecido. 9,0