ÁGUAS PROFUNDAS (DEEP WATER)
O diretor Adrian Lyne já deu várias mostras de seu talento para dramas de suspense com pitadas eróticas, como em Atração fatal, Proposta indecente, Nove e meia semanas de amor, Lolita. Aqui ele retorna em boa forma em um suspense psicológico estrelado (e muito bem) por Ben Affleck (Batman, Garota exemplar, O demolidor, Argo) e Ana de Armas (007 sem tempo para morrer, Entre facas e segredos, Blade Runner 2049), que passaram inclusive a se relacionar a partir das filmagens. Este é um filme cujo trunfo é ser tenso e misterioso, apresentando personagens que não agem de forma convencional, sem que, entretanto, tenhamos a resposta para tal conduta. E isso nos mantém reféns do enredo. De um lado uma esposa “totalmente solta” e de outro um marido “aparentemente tolerante” e que diz amá-la do jeito que ela é, em condutas reiteradas e em meio a grupos de amigos que a tudo assistem e comentam. Desde o início o filme é muito bem construído nesses aspectos e no “clima” que vai perdurar até quase o seu final. As farpas trocadas com cinismo agressivo se sucedem e as reticências fascinam e prendem o espectador. Tudo isso com uma marcante trilha sonora e também um ótimo som (ah, a importância do som em um filme !). E há detalhes que chamam a atenção, como o comportamento da filha do casal e a estranheza do protagonista, que ainda mais se acentua na pelo seu hobby de colecionar caracóis. Toda a situação doentia criada e impregnada de ressentimentos traz uma pergunta que persiste: “até onde isso tudo vai, antes de explodir”? Porque a relação autodestrutiva progride, bem como a tensão, que vai aumentando em níveis praticamente insuportáveis. Importante sublinhar que o grande destaque do filme é a atuação de Affleck, que compõe um personagem absolutamente sinistro e impenetrável no que se refere a seus verdadeiros sentimentos e às suas reais intenções. Vendo de fora, temos um casal em crise, formado por uma esposa “promíscua” e um marido “manso”. Mas considerando que o ser humano apaixonado trilha facilmente o caminho do ridículo e do patético e que são estranhos os caminhos do amor e da paixão, há desafios a serem resolvidos (o que naturalmente ocorre até o final) e nesse sentido o interesse permanece e inclusive o nome do filme se mostra perfeito (sendo felizmente reproduzido na íntegra pelo tradutor brasileiro). Apenas alguns detalhes talvez mereçam críticas, como, por exemplo, o da carteira que foi pega descuidadamente de Tony (Finn Wittrock) e a conduta incomumente desesperada de Don (Tracy Letts), ao escrever no celular em situação bem improvável (e que teve uma resolução fácil e pobre). De resto, nada especialmente memorável, mas um bom entretenimento. 8,4