MANK
Um filme de 2020, em preto e branco (para dar um melhor clima), dirigido por David Fincher, o mesmo de O curioso caso de Benjamin, A rede social, Zodíaco, Garota exemplar, Clube da luta e Seven, entre outros. Não é um filme fácil de se assistir, mas no sentido positivo, ou seja, é cinema de qualidade, com um roteiro excelente e diálogos inteligentes e totalmente conexos com o enredo, com a época e com o personagem, porém não apenas é a biografia de Hermann Mankiewicz (Mank), como também um painel sócio-político e artístico dos idos de 1940, mostrando a intrincada roteirização do filme Cidadão Kane (pelo próprio Mank, figura polêmica e alcoólico contumaz), os meandros do cinema e dos grandes estúdios daquela época -com seus respectivos donos, principalmente Louis B. Mayer, fundador da Metro-Goldwyn-Mayer- e diversas conexões, notadamente com o bilionário e dono de um império jornalístico William Randolph Hearst e sua “protegida” Marion, no filme muitíssimo bem interpretada pela atriz Amanda Seyfried. Exige atenção e prévio conhecimento de certos fatos. Tem cenas fabulosas, mostrando o interior da mansão ostentosa de Hearst, mas também os vastos jardins, onde conviviam, entre outros, girafas e elefantes. Em suma, o filme aborda a vida de Mank, trabalhando no roteiro do filme Cidadão Kane, a pedido de Welles (a princípio sem o crédito de seu nome) e as dificuldades todas envolvidas, inclusive pelo fato de que o filme enfoca na verdade e criticamente o próprio Hearst, para o absoluto horror e repúdio deste. É que Welles recebeu, na época, carta branca da RKO Pictures, para fazer o filme que desejasse0 da maneira que bem lhe aprouvesse, sem necessidade de consulta a ninguém: e por ser o “menino travesso da rádio” (pela transmissão que fez da invasão da Terra, em outubro de 1938, que levou pavor a boa parte da população dos EUA), resolveu levar adiante o projeto de criticar publicamente o império de Hearst com o polêmico filme. Lily Collins também atua muito bem aqui, mas o brilho maior sem dúvidas é do ator Gary Oldman (O sangue de Romeo, Minha amada imortal, Drácula de Bram Stoker, O destino de uma nação), que apresenta uma performance magistral do roteirista temido por sua língua afiada e que era uma cabeça original e pensante em um mundo de certo modo bastante limitado pelas convenções e orçamentos – tendo a missão de roteirizar o filme para Orson Welles em 60 dias. O filme é interessante, muito envolvente, apresenta um olhar original sobre Citizen Kane e faz uma bela radiografia humana, da época e do próprio cinema, mas tem como pressuposto para que possa ser inteiramente degustado ou compreendido o conhecimento do espectador: em suma, aproveitará muito mais o filme ou talvez só gostará dele quem tiver boas e suficientes informações a respeito de Orson Welles, da produção do filme Cidadão Kane, dos estúdios rivais em 1940 e do que também representava para a época a figura icônica de William Hearst. Tem todos os ingredientes para concorrer com chances ao Oscar 2021. 8,9