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VONTADE INDÔMITA (THE FOUNTAINHEAD – “A nascente”)

Muitos filmes já foram vistos em que alguém ousa se rebelar contra o sistema, contra a vontade da maioria, desafiando uma época, uma comunidade ou a ordem geral, como se adotasse na prática uma das máximas de Nélson Rodrigues: Toda unanimidade é burra. Mas que não o faz por rebeldia e sim por convicção. Entretanto, a originalidade aqui, deste filme e 1949, é que essa contestação à ordem constituída vem de um arquiteto, extremamente talentoso e inovador, interpretado por Gary Cooper (um dos mais famosos galãs do cinema, então com 48 anos): ele faz projetos arrojados para a época, recusando-se a comungar do gosto popular, que é pelo padrão comum e já consagrado pela tradição. Ou seja: um arquiteto talentoso e criativo contra os costumes da época. Só que não se submeter aos conceitos da maioria naturalmente terá o seu preço, que é sempre o do novo e da ousadia! E esse é o tema do filme, que mostra também a utilidade e o poder da mídia para construir e destruir, ainda mais por meio de suas intensas campanhas. Grandes pressões (a do desemprego e da falta de dinheiro é poderosa!) e acompanhamos a conduta de Howard Roark (que, dizem, personificou a vida real de Frank Lloyd Wright), torcendo para que ele não deixe de ser fiel à famosa frase do presidente americano Theodore Roosevelt: É muito melhor arriscar coisas grandiosas, alcançar triunfos e glórias, mesmo expondo-se a derrota, do que formar fila com os pobres de espírito que nem gozam muito nem sofrem muito, porque vivem nessa penumbra cinzenta que não conhece vitória nem derrota”. Em meio a tudo isso há fortes vislumbres de um romance, porém dificultado pelas circunstâncias e pela própria filosofia de vida da forte personagem feminina Dominique Francon (interpretada por Patrícia Neal), também um espírito livre e uma cabeça pensante. O filme apresenta excelentes diálogos (os irônicos e de duplo sentido são espetaculares) e frases, como “Eu quero destruir, para não ser parte de um mundo em que a beleza, a genialidade e a grandeza não têm chance”. “Eles o odeiam porque sabem que não podem dominá-lo ou corrompê-lo. Eles não te deixarão sobreviver”. “Os homens que movem o mundo são aqueles que pensam com seus próprios cérebros”! Não se trata só de admirar o arrojo, a beleza, a criatividade, mas a persistência na defesa dos ideais, concepção tão antiga quanto importante e imortal e o filme defende tanto a liberdade de expressão, quanto a liberdade na concepção artística. A esse respeito, porém, conta-se que este filme não apenas teve grande influência na vocação de muitos americanos para  seguir a arquitetura, como também influenciou jovens para o lado negativo, que seria o anarquismo e o rompimento de regras imutáveis da profissão (um desvirtuamento, enfim). De todo modo, um filme com um rico roteiro, muitíssimo bem dirigido por King Vidor (Duelo ao sol, Guerra e paz…), com uma das melhores interpretações da carreira de Gary Cooper e que nos propicia diversas emoções: mais ou menos em sua metade, embalados pela intensa trilha sonora,  ficamos com o peito cheio de sentimentos e emoções intensas, algo parecido com o que sentíamos quando crianças, ao ver, nos westerns clássicos, a chegada da cavalaria para socorrer as caravanas cercadas pelos apaches! E é também daqueles filmes que tem as chamadas “cenas de tribunal”, que são sempre especiais. Nesse particular, o discurso de encerramento pelo réu é realmente digno de nota. Um trecho: “O homem não pode sobreviver, exceto através de sua mente. Ele vem à Terra desarmado. Seu cérebro é sua única arma, mas a mente é um atributo do indivíduo. Não existe cérebro coletivo. O homem que pensa, deve pensar e agir por si mesmo. A mente racional não pode trabalhar sob nenhuma forma de coação. Não pode ser subordinada às necessidades, opiniões, ou desejos de outros. Não é um objeto de sacrifício. O criador se mantém firme em seu próprio julgamento. O parasita segue as opiniões dos outros. O criador pensa, o parasita copia. O criador produz, o parasita saqueia. O interesse do criador é a conquista da natureza. O interesse do parasita é a conquista dos homens…” . O filme encerra com uma cena emocionante e plena de significado. Seja como for, afinal, enaltecer a ideologia e objetivar ver a virtude triunfar num mundo conturbado como o de hoje é um prazer inenarrável para o espírito!  9,4