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DOUTOR JIVAGO

Boris Leonidovitch Pasternak foi um conceituado poeta e escritor russo, nascido em 1890 e perseguido pelo sistema socialista na década de 30 em razão do teor político que implementou em seus livros (de início com outras temáticas), muitos dos quais foram proibidos, incluindo “Doutor Jivago”, que foi traduzido (em italiano e em russo de início) e com isso o escritor pôde concorrer e, afinal, ganhar em 1958 o Prêmio Nobel de Literatura, que acabou recusando quatro dias depois sob ameaça de ser deportado (em razão do tom antissoviético do romance). Historiadores contam que a tradução do livro, em plena Guerra Fria – exigência para concorrer ao Nobel –, foi facilitada pela CIA (supostamente interessada em usar o livro como propaganda anticomunista), por influência do famoso escritor Albert Camus, grande admirador de Pasternak. Tudo isso e o grande sucesso que teve a obra acabaram interessando Carlo Ponti, famoso produtor italiano e que adquiriu os direitos devidos e conseguiu para dirigir o filme David Lean, que vinha de dois fabulosos sucessos no cinema: A ponte do rio Kwai e Lawrence da Arábia. Dizem que o diretor exigiu total liberdade e em todos os sentidos na condução dos trabalhos, tendo inclusive escolhido a atriz Julie Christie para o filme, recusando um pedido de Ponti, que desejava a esposa, Sophia Loren. Spoiler, atenção: o livro de fato não era de fácil adaptação, por sua grandeza e contexto, narrando todo um cenário político que envolveu a Rússia na Revolução de 1917, mas também na Primeira Guerra Mundial e além disso os fatos envolvendo a vida dramática de alguns personagens (em flashbacks inclusive, a partir do começo do filme, que nos situa no final dos anos 40, início dos anos 50) e os dilemas do médico interpretado por Omar Shariff, não só em relação à sua visão do socialismo -que mudou ao longo do tempo -, mas em face do amor entre as duas mulheres (as personagens de Julie e de Geraldine Chaplin). Apesar da qualidade do livro, efetivamente não foi fácil transpor seus pontos principais para o cinema e essa adaptação ocorreu de maneira falha e inconsistente. Apesar dos esforços de todos, inclusive do diretor, apesar da grandiosidade das imagens, dos cuidados da produção, de algumas excelentes interpretações (inclusive de Rod Steiger e Tom Courtenay, o Pasha) e da magnífica trilha sonora (quem não conhece e não acha linda “Tema de Lara”, de Maurice Jarre?), é muito grande a distância entre o que o filme acabou sendo e o que poderia ter sido. Uma verdadeira pena! O material era belíssimo e vastíssimo para se fazer uma obra extraordinária, até mesmo comparável aos grandes épicos e clássicos do cinema, o que tornaria até justa a equiparação que alguns fazem com E o vento levou…Entretanto, isso efetivamente não aconteceu. O filme é vago e impreciso em muitos fatos históricos, inclusive deixando a história confusa quando aborda a Revolução Russa e a Primeira Guerra,  tem muitas lacunas na montagem (repleta de lacunas) e, portanto, deixa de apresentar um contexto harmônico e mesmo prazeroso, pois com isso nos rouba muitas emoções, sem dúvidas. Aliás, com uma história de amor como a que o livro narra, o filme perdeu uma grande oportunidade de desenvolvê-la adequadamente e de propiciar grandes emoções ao espectador, inclusive com o uso mais adequado da trilha sonora, que em muitos momentos parece muito mal ou incorretamente aproveitada. E onde está a empatia entre os amantes? Simplesmente quase nenhuma. Tem, é fato, virtudes e belos momentos, mas é um filme frio como a temperatura que vemos os personagens enfrentarem grande parte do tempo. E instantes como os de antes da revolução ou mais tarde da fuga do trem e do palácio de gelo, entre outros, por melhores que sejam não conseguem redimir as suas várias falhas. A conclusão é de que apenas pela fama e influência do produtor e do diretor (além, é claro, de um elenco famoso) é que conseguiu notoriedade e sua fama se alastrou, criando falsas expectativas em torno dele. É o caso de somente sobreviver a lenda. E as músicas! Mesmo assim, suas qualidades técnicas evidentes o fizeram merecedor dos Oscars que ganhou em 1966, de Melhor trilha sonora, Melhor fotografia em cores, Melhor direção de arte em cores e Melhor figurino em cores, sendo, pelas razões já expostas, incompreensível o Oscar que ganhou na categoria de Melhor roteiro adaptado, um prêmio escancaradamente político e sem qualquer merecimento. Claro que pior seria se tivesse ganho também o Oscar de Melhor filme, roubando o prêmio de A noviça rebelde, de qualidade muitas vezes superior.  7,6