ADIVINHE QUEM VEM PARA O JANTAR?

Há alguns filmes que são importantes dentro de um contexto ou de uma época. Há outros cuja importância se vincula à própria história do cinema (às vezes até a questões técnicas ou tecnológicas). Entretanto, neste blog esses fatores são apenas complementares na avaliação dos filmes, porque a importância maior é dada ao conjunto das mensagens, reflexões, conhecimento e emoções que o filme traz. No caso deste filme, ele tem os dois méritos: a qualidade como obra cinematográfica em si e o contexto histórico em que foi realizado, em 1967, considerando o tema tratado, que é o da discriminação racial. Embora de forma leve, com tons de comédia, o filme trata de frente e seriamente sobre as questões do racismo e nesse sentido os diálogos são realmente primorosos. Sem dúvidas, a década de 60 foi uma das mais importantes da história, com movimentos (liberação sexual, pílula, hippies), revoluções, fatos políticos relevantes, assassinatos, guerras etc e se os conflitos raciais são assunto ainda pulsante na atualidade, imagine-se naquela época e nos EUA! Além disso, o filme é protagonizado por Katharine Hepburn e Spencer Tracy, dupla consagrada em Hollywood e que estrelou diversos filmes anteriores, entre os quais A mulher do dia (quando ambos se conheceram, em 1941), A mulher absoluta e A costela de Adão. Katharine é uma lenda em Hollywood, tendo sido considerada pelo American Film Institute como a maior atriz de todos os tempos. Foi indicada 12 vezes ao Oscar e ganhou 4 vezes (um recorde), a primeira delas em 1934 (Manhã de glória) e a última em 1982 (Num lago dourado), o que demonstra sua longa e exitosa carreira. Spencer Tracy –que faleceu no mesmo ano do filme- não fica muito para trás, em talento e em referências, tendo sido indicado 9 vezes ao Oscar (mesmo número de indicações de Laurence Olivier) e ganhado 2 vezes, em 1938 (Marujo intrépido) e em 1939 (Com os braços abertos). Além da dupla mencionada e do elenco absolutamente coeso adiante nominado, o filme teve como diretor Stanley Kramer, famoso por vários filmes, como O vento será tua herança, Julgamento em Nuremberg, Matar ou morrer, A nau dos insensatos, Deu a louca no mundo e O selvagem. Este filme e foi indicado a 10 Oscar: filme, diretor, ator (Spencer Tracy), atriz (Katharine Hepburn), ator coadjuvante (Cecil Kellaway), atriz coadjuvante (Beah Richards), roteiro original, montagem, trilha sonora e direção de arte. E ganhou os de Melhor Roteiro e de Melhor Atriz. Também estão no filme Roy E. Glenn Senior, Isabell Sanford e com grande destaque Sidnei Poitier, que coincidentemente também trabalhou naquele mesmo ano no filme que acabaria ganhando o Oscar: No calor da noite. Apresentando também uma ótima fotografia (belíssimo colorido realmente), o filme é impecável em todos os sentidos, roteiro, ritmo sem excessos, tendo realmente alcançado uma “leveza com profundidade (na jugular)” que só os grandes diretores e intérpretes conseguem. É um filme muito gostoso de se ver, que causa muitas e variadas emoções e que também faz pensar.  E, para finalizar, um fato também muito importante, que relaciona o filme com a vida real e que talvez seja até uma motivação a mais para vê-lo (uma certa cena quase ao final…). Conforme narra em um texto muito bonito e bem escrito (de 2003) o amigo cinéfilo Clauir Luiz Santos, “Katharine confirmou em uma entrevista o que tudo mundo sabia, ou seja, que manteve um relacionamento amoroso de mais de 30 anos com Spencer Tracy. Disse que ele foi o homem de sua vida e que só não casaram por ele já ser casado e pela sua condição de católico, o que o impedia de se divorciar da esposa. Também afirmou ter sido uma mulher extremamente feliz ao lado dele e que se fosse para fazer tudo de novo, repetiria da mesma forma, sem pestanejar.” Prossegue Clauir, contando ainda que Katharine, falando especificamente sobre este filme, cita um momento das cenas finais (as quais ela disse que simplesmente não conseguiu assistir!), em que Tracy sai do script e improvisa, aparentando falar um texto restrito ao enredo do filme, mas na verdade dirigindo a Katharine todas as palavras, sobre a relação dos dois: “Spencer fala isso olhando sempre para Katharine e quando a câmara gira buscando a expressão dela, vemos um rosto emocionado, em prantos pela declaração do parceiro. É uma cena de arrepiar pela sinceridade de Spencer e pelo olhar de amor marejado de Katharine, o qual explica a sua resignação em suportar ser a outra e a sua abnegação em cuidar da doença e do alcoolismo dele. Dias depois, Spencer morreria na casa de Katharine.”  9,5