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A GAROTA DINAMARQUESA

A-Garota-DinamarquesaEste é um filme para adultos. Muito bem cuidado tecnicamente, inclusive fotografia (excelente) e trilha sonora e com um tema bastante incômodo, inclusive porque baseado em fatos reais, que datam da segunda década do século XX e que foram pioneiros para a época. É um filme muito bem feito, mas suas maiores emoções devem-se ao marcante desempenho de Eddie Redmayne, indicado com justiça ao Globo de Ouro de Melhor Ator – e certamente o será ao Oscar (mais um fantasma para Di Caprio). Alícia Vicander também foi indicada ao Globo de Ouro, mas esse fato é bastante questionável, embora a atriz tenha sido elogiada pela maior parte da crítica. Em vários momentos sua interpretação não dá a devida credibilidade à personagem e inclusive, em algumas cenas, parece haver uma total inadequação física com a época. Fora esse assunto, polêmico, é fato que toda a crise de identidade, embora não possa ser dissociada do seu caráter perturbador, é mostrada aqui com a maior delicadeza possível, sendo também apreciável o trabalho do diretor Tom Hooper. Mas é pelo desempenho de Eddie – após o fantástico trabalho anterior, como Stephen Hawking -, que conseguimos ver, durante o tempo todo, o ser humano preponderando e não uma ou outra faceta do personagem. A cena final é muito bonita em seu duplo, poético e significativo sentido: “deixe-o voar”.  7,8

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TÁXI TEERÃ

taxi-teera_t116006_jpg_290x478_upscale_q90Este filme vale mais pelo seu significado (amplo e múltiplo) do que pelo que mostra (embora singulares seu enfoque a suas imagens). Porque é simplesmente um libelo a favor da liberdade, notadamente de expressão, no Irã: o cineasta Jafar Panahi, banido do cinema por muitos anos, filma ele mesmo e vários personagens  (de) dentro de seu táxi (tornou-se taxista para tal fim). Com essa estratégia, descreve os costumes e ao mesmo tempo os absurdos do regime totalitário, principalmente contra a arte em geral, sendo o sistema mais cruel na medida em que ainda tenta “maquiar” a realidade. Essa tática de filmar “escondido” para fazer um falso documentário expressa todo um significado, porque esse famoso e premiado roteirista e diretor, que estudou cinema em Teerã e cometeu o “erro” de apoiar a oposição ao governo, além de ser proibido de filmar, teve vários de seus filmes apreendidos – acusados de obscenos -, após ter sua casa invadida, sendo preso por vários meses (condenado a anos de prisão, inclusive em regime domiciliar, chegando a fazer greve de fome) e foi perseguido e inclusive proibido pelas autoridades iranianas de comparecer ao Festival de Veneza na época. Houve inclusive várias manifestações públicas a favor de Panahi, entre as quais a emocionada da atriz Juliette Binoche em Cannes 2010. Sua coragem em continuar seu manifesto político, desafiando a insanidade e a violência, é admirável e merece destaque! O filme é interessante e, pelo contexto todo, foi premiado com o Urso de Ouro no 65º Festival de Cinema de Berlim (2015), tendo o prêmio sido recebido por sua sobrinha (já que o tio não pôde sair do Irã), a qual inclusive participa dos momentos mais interessantes do filme, revelando, por exemplo, que as crianças que se envolvem com cinema são educadas a fazer filmes “distribuíveis”, ou seja, aqueles que só falam bem do regime e do governo. A conversa com a moça das flores, quase no final, também é bastante reveladora, assim como extremamente pungente é a última cena.  8,0

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AFERIM !

093138.jpg-r_160_240-b_1_D6D6D6-f_jpg-q_x-xxyxxChama a atenção, de início, a bela fotografia em preto e branco. Até porque o filme é de 2015. Mas foi logicamente opção do diretor, para caracterizar melhor o clima da época, pois o filme se passa em 1835, na província histórica da Valáquia (disputada por séculos pelos turcos otomanos, que desejavam dominá-la como já haviam feito com outros territórios e ali encontravam grande resistência). E é, de fato, um filme diferente, bem fora do trivial. Porque é romeno e é uma viagem, nos dois sentidos, já que, primeiro, trata-se de algo inusitado para os nossos tempos e, depois, os dois personagens principais, pai e filho, policiais, percorrem boa parte da área rural do país em busca de um cigano (escravo ou “corvo”) foragido. Esse enredo serve de propósito para mostrar os costumes da época e a movimentação e os conflitos (ódio também) étnicos. A origem de preconceitos, inclusive. Há diálogos bem interessantes, com vários provérbios sendo citados e também onde os personagens discorrem sobre as origens dos ciganos (“negros vindos do Egito”), dos judeus (“bebem o sangue das crianças cristãs”), sobre as invasões e atrocidades russas, inclusive havendo uma interessante definição dos demais povos conhecidos na época, por exemplo, “hebreus leem muito, gregos falam muito, árabes têm muitos dentes, turcos têm muitas esposas, alemães fumam muito, húngaros comem muito, russos bebem muito, ingleses pensam muito, franceses gostam de moda, armênios são preguiçosos, italianos mentem muito, ciganos apanham muito…”. Na verdade, o título do filme é uma interjeição que significa em romeno “Bravo !”, porém no sentido mais irônico. Radu Jude ganhou o Urso de Prata de Melhor Diretor no Festival de Berlim e o filme o Prêmio Cidade de Lisboa de Melhor Longa Metragem, ambos neste ano de 2015.  8,0

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45 ANOS

369061.png-r_160_240-b_1_D6D6D6-f_jpg-q_x-xxyxxCinema de primeira linha. Demonstrando mais uma vez que basta um belo roteiro, nas mãos de um competente diretor e com um ótimo elenco, sendo desnecessárias histórias mirabolantes, efeitos especiais etc. O roteiro é realmente notável, ao apresentar um casal maduro à beira de comemorar 45 anos de casados e sutilmente um fato (insólito, é verdade) que acaba se infiltrando na relação e vai assombrando aos poucos, de forma indefinida, dependendo dos contornos de realidade que passa a assumir. Nesse ponto é que a história necessita de grandes atores. Porque as nuances são diversas e o dia a dia vai sofrer afetações delicadas, variadas nesse profundo estudo da estabilidade das relações…e nesse ponto Tom Courtenay está ótimo e Charlotte Rampling “dá um banho” (para mim, ganharia o Oscar este ano). Tanto, que ambos ganharam os prêmios de interpretação no Festival de Berlim 2015. Também marcante o realismo dentro da simplicidade do cotidiano do casal de meia idade, cercado pelas coisas normais (cachorro, parentes, vizinhos…) e pelas naturais da idade. E assim, com todos os elementos de qualidade à mão, o jovem diretor britânico Andrew Haigh constrói um singular, original e belíssimo filme.  8,8

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ROOM (O QUARTO DE JACK)

room_t98036_jpeg_210x312_crop_upscale_q90Esta produção Canadá-Irlanda é uma viagem. Nada fácil, em muitos momentos realmente dolorosa, mas ainda assim uma viagem. Pois parece que vemos passar uma década, sem que a vivenciemos, apenas sabendo e sentindo. Mérito do roteiro adaptado e da direção de Lenny Abrahamson. Que aos poucos vai apresentando ao espectador o universo que tem sob mira. A câmera no início fechada e pouco reveladora, vai cautelosamente abrindo um panorama, que mesmo assim se revela estranho. Por que o quarto de Jack é seu único mundo? Por que a mãe age daquela maneira? Os fatos não são compreensíveis de imediato e constituem inclusive um bom teste para os nossos pré-conceitos. Porque ao presenciar as cenas iniciais passam pela nossa cabeça definições de crueldade, maldade, patologia. Mas isso porque assim quis o roteiro de forma premeditada, permitindo-nos apenas lentamente o conhecimento da realidade e com isso obtendo o maior efeito possível com a revelação e com os fatos posteriores aos grandes momentos de tensão, que envolverão dificuldades não imaginadas. As surpresas serão um tapa ou um murro, dependendo da sensibilidade de quem vê o filme. De todo modo, é um trabalho muito bem acabado, forjado com extrema perfeição e habilidade, em total harmonia da direção com a atuação, principalmente do pequeno Jacob Tremblay (impressionante para a idade). Mas Brie Larson é ótima, em um papel extremamente difícil, contando o elenco ainda com os sempre talentosos Joan Allen e William H. Macy. Há momentos extremamente marcantes de tensão e emoção, enaltecidos pela ótima trilha sonora: e se a cena com a polícia é extraordinária cinematograficamente falando – inclusive culminando com o abraço que provoca intensa emoção -, a da entrevista seguida pela do banheiro não ficam atrás, ao nos causar, com a emoção, também um profundo impacto. E não são cenas meramente gratuitas, fazendo parte de um contexto muito bem articulado. E que diz muito respeito ao amor e à família…É um filme forte, mas original e que se destaca, inclusive estando incluído entre os cinco que concorrerão ao Globo de Ouro de Melhor Filme no próximo dia 10 de janeiro de 2016. Brie foi indicada para Melhor Atriz. Na minha opinião, só O REGRESSO pode desbancar este filme. 8,7

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ALIANÇA DO CRIME (BLACK MASS)

l_1355683_f416c616O filme não tem nada muito diferente dos demais de gangsters (se tivesse, seria talvez um filmaço), mas a composição do personagem mafioso por Johnny Depp merece destaque. Ele está ótimo, como sempre, embora pareça às vezes meio artificial, com tanta maquiagem e com tanto disfarce (ficou com pouco cabelo, olhos azuis, rosto encovado etc.). É um filme violento e o que tem de mais interessante é mostrar um chefão da máfia fazer um pacto com o FBI, para denunciar outros mafiosos, que na verdade eram seus concorrentes de território. Na verdade, amigos de infância do sul de Boston seguiram destinos diferentes: um, a criminalidade, outro o FBI, outro o senado americano. Mas os três, por um bom tempo, continuaram compartilhando, com as famílias, a mesma mesa. E o personagem interpretado por Depp realmente existiu e o filme é baseado em fatos reais. Além de Depp, os nomes mais conhecidos do elenco são os de Joel Edgerton, Benedict Cumberbatch, Dakota Johnson e Kevin Bacon.  7,6

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DESCOMPENSADA

321687Esta é uma comédia que acaba ficando meio indefinida, misturando gêneros. Tem coisas sérias misturadas com bizarras, com simplesmente engraçadas, com humor negro…na verdade, o humor, picante e irreverente, acaba sendo o veículo para passar as mensagens, algumas até sérias. Essa indefinição, porém, é, ao mesmo tempo, o defeito e a virtude do filme, porque não há dúvida de que, se de um lado desconcerta, de outro é bastante divertido e fora do convencional. E em alguns momentos inteligente e reflexivo, embora a velocidade do humor. A “tônica” do filme já é mostrada na primeira cena, quando o pai reúne as filhas menores para explicar as razões pelas quais está se separando da mãe, dando como exemplo as bonecas das meninas (humor nigérrimo !). A autora do roteiro é a própria intérprete, Amy Schumer, acostumada com o humor anárquico já que é famosa e talentosa comediante americana, conhecida por entrevistas, stand ups e pela série televisiva Inside Amy Schumer. O filme concorre como Melhor Comédia no Globo de Ouro do próximo dia 10 de janeiro e ela como Melhor Atriz Comédia7,6

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NO CORAÇÃO DO MAR

554039Produção americana de 2015, dirigida por Ron Howard (Apolo 13, Uma mente brilhante, O Código Da Vinci, Frost/Nixon, Anjos e demônios, Rush…) e que apresenta os fatos épicos da obra Moby Dick, de Herman Melville (1850). Na verdade, o filme é baseado no best seller de Nathaniel Philbrick, o qual relata minuciosamente aqueles acontecimentos – no caso, os que seriam os verdadeiros, principalmente os posteriores ao ataque da baleia -, envolvendo o navio baleeiro Essex, que segundo consta foi realmente abalroado em 1820, no Pacífico, conforme a narrativa (a milhares de quilômetros ao N/NE da Ilha da Páscoa). É naturalmente um filme com muita ação e aventura,  intensos dramas, fornecendo ao espectador tudo o que é esperado, em termos de qualidade, de um filme atual desse gênero. Os atores principais são Brendan Gleeson (O guarda, The grand seduction…) e Chris Hemsworth (o Thor).  7,8

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CAROL

carol-2015Todd Haynes dirigiu, entre outros, o filme Longe do paraíso (uma audácia, com Julianne Moore). Sendo assim, a temática deste seu novo filme não é surpresa. Nem o tempo em que se passa (pós II Guerra), nem o cuidado visual, sonoro e a rigorosa reconstituição de época. E tudo é valorizado em dobro, desta vez pela atuação de Cate Blanchett – uma das minhas atrizes preferidas – e de Rooney Mara, ambas indicadas ao Globo de Ouro 2015/2016 na categoria de Melhor Atriz. Também há, neste caso, indicações para Diretor e Filme. A temática é realmente ousada para a época, anos 50, e o diretor trata o tema com a sensibilidade, inteligência e sofisticação adequadas, de modo que nos faz sempre ver pessoas e não sexos. A respeito, um personagem a certa altura diz: “não sabemos por que somos atraídos por alguém, apenas sabemos é que somos… é pura física”. Entretanto, ao contrário do …paraíso, aqui não existe o choque pelo repentino despencar do mundo perfeito. Embora de certo modo marginal, é uma história simplesmente sendo contada, sem precipitações e com muita delicadeza. Com poucos desdobramentos surpreendentes (o do motel realmente é imprevisível), o filme tem de sobra harmonia e qualidade, confirmando esse talento do diretor e de seu elenco, principalmente de Cate, que independentemente do papel ao qual se entrega, possui uma elegância inata inquestionável, ao interpretar qualquer personagem. O filme fecha com a mesma sutileza e elegância com que foi conduzido desde o seu início.  7,8

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SPOTLIGHT (SEGREDOS REVELADOS)

spotlight_plano_criticoUm dos grandes calcanhares de Aquiles da Igreja Católica sempre foi o dos padres pedófilos. Virem a público esses casos e haver punição aos criminosos, constitui um fato relativamente recente na história, embora as ocorrências sejam inúmeras e datem de muitas décadas atrás. Os americanos de vez em quando produzem um filme do gênero “investigativo”, no qual a imprensa começa a perseguir a fumaça para tentar achar o fogo, focando em uma questão que acaba ganhando corpo, se intensificando, e se tornando um furo mundial. Watergate foi um desses casos, Kennedy outro e assim por diante. Agora, neste filme, o tema é o dos sacerdotes molestadores de crianças e adolescentes e as investigações do jornal Boston Globe a respeito do assunto, “guardado a sete chaves” pela Igreja. Muito já se leu sobre isso e outros filmes já foram feitos. A novidade agora pode ser meramente o de um produto mais bem acabado e nada mais, incluindo o elenco estelar: Michael Keaton, Rachel Mc Adams, Mark Ruffalo, Stanley Tucci, Liev Schreiber, John Slattery (de Mad Man) etc. Mas no frigir dos ovos, não há grandes novidades (o final como sempre é emocionante e revelador de dados impressionantes) e este filme concorrer ao Globo de Ouro – junto com O Regresso, por exemplo – é uma heresia. Ou pela escassez de filmes bons ou pelos grandes indícios de “política hollywoodiana” no ar….a mesma, por exemplo, que colocou o filme “Perdido em Marte” na categoria comédia e Matt Damon, por decorrência, como concorrente a Melhor Ator em Comédia7,5

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LISTEN TO ME MARLON

listen-to-me-marlonPenso que este documentário sobre Marlon Brando, britânico e feito por Stevan Riley (que também o editou) em 2015, nos dá uma dimensão muito maior sobre ele, sua vida e seus pensamentos, do que qualquer outra obra anterior. Aqui ficamos conhecendo a verdadeira intimidade e os pensamentos não revelados do mito. Porque além de trechos de filmes e muitas fotos, de diversos momentos da vida e da carreira do célebre e polêmico ator (inclusive da infância e juventude), o documentário apresenta o áudio de sua secretária eletrônica e principalmente de preciosos depoimentos e gravações, com pensamentos e impressões de Marlon sobre a vida, sobre os filmes, sobre a tirania dos diretores, sobre o poder do Cinema, sobre o interesse financeiro que predominava sobre tudo, sobre o objetivo que ele tinha na vida, de viver simplesmente, no meio de pessoas simples e para as quais não fosse importante a origem e a profissão de seu vizinho. Entre diversos temas, ficamos sabendo que o elemento de revolta e indomável do temperamento do ator – e que transmitiu de maneira implacável e veemente para seus personagens – teve origem nos traumas de infância, nos maus tratos que sofreu do pai, por quem nutriu um ódio singular, até a morte do mesmo. Contemplamos a marcante beleza física do ator – valorizada pela personalidade difícil e imprevisível -, que se tornou um símbolo sexual, ficamos sabendo que seu pensamento sobre interpretação incluía a entrega total, sendo um dos primeiros a fazer laboratório antes de compor um personagem e, de outro lado, que se engajou em movimentos sociais radicais, com induvidosa coragem, como na defesa dos negros, inclusive ao lado de Martin Luther King, e dos índios, a ponto de recusar o Oscar de Melhor Ator pelo personagem de O poderoso chefão (Don Corleone), não comparecer à cerimônia e mandar em seu lugar uma autêntica índia, que fez um pequeno discurso em nome do ator, protestando contra a maneira como Hollywood mostrava a cultura indígena. Um homem polêmico, corajoso, original, que a partir de certo momento da vida passou a utilizar o cinema apenas como meio para ganhar dinheiro e com isso usufruir as coisas boas da vida (ainda com o sonho do Taiti), pois havia perdido a ilusão com a Indústria Cinematográfica, vendo-a apenas como uma máquina comercial a favor dela mesma e nada mais que isso. Ficamos conhecendo Marlon Brando um pouco melhor. E podemos facilmente admirá-lo um pouco mais. Desta vez não apenas como um soberbo ator, mas como um ser humano decente, que deixou importantes marcas e lições e que, lamentavelmente, acabou tendo, como pai, tragédias maiores das que suportou como filho.  8,8

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MUSTANG (CINCO GRAÇAS)

filmes_11029_cinco2As meninas – as graças do título – são adoráveis, com sua inocência, beleza, traquinagem, sua curiosidade e transformação de meninas-moças…mas os costumes não o são. Naquela vila no norte turco, a tradição e os costumes ainda mantêm a rigidez e impera um patriarcado forte, ao lado da influência e regência da religião. As famílias escolhem os noivos para as filhas e negociam os casamentos, a virgindade deve ser provada pelo sangue no lençol, uma brincadeira simples com meninos pode ser interpretada como lasciva e as meninas são educadas para serem castas, serviçais. Não é difícil que os mais velhos recordem de que certas normas da própria educação brasileira de há 40 ou 50 anos pareciam anacrônicas, absurdas ou no mínimo injustas: os pais eram tratados de “senhor” e “senhora”, os filhos tinham que ter permissão para falar à mesa, as crianças eram castigadas fisicamente (com cintos de couro, varas de marmelo…), homens não usavam certas cores, como cor de rosa e amarelo, e assim por diante. Mas tudo mudou, o mundo evoluiu, modificaram-se os conceitos da educação, a própria ciência acabou provocando uma revolução nos costumes e na maneira de olhar e tratar as crianças e os jovens. Porém, em boa parte da civilização do mundo de hoje tudo estagnou e ainda vigoram leis e práticas que não reconhecem a igualdade entre os sexos, que punem com a morte crimes que para nós não são assim tão graves, que restringem cabalmente a liberdade, inclusive a de expressão, que retiram dos seres humanos, totalmente, sua dignidade. O contato com esse tipo de prisão nos faz mal, ainda mais quando contemplamos a opressão de jovens sensíveis, bonitas, saudáveis e nas quais já se percebe, pela própria influência da modernidade, não só o desejo, mas também a necessidade de respirar a liberdade a plenos pulmões (este filme lembra bastante As virgens suicidas). Nesse ponto, o filme realiza bem o seu objetivo, embora não seja brilhante (embora equilibrado e muitíssimo bem interpretado – a menina mais nova é um show), nem original. Dirigido pela talentosa Deniz Gamze Ergüven, também sua roteirista, foi apresentado em Cannes 2015, na Quinzena dos Realizadores e ganhou em novembro último o Prêmio Lux 2015, oferecido pelo Parlamento Europeu aos filmes que realçam a identidade e a diversidade cultural da Europa. É o representante da França para concorrer ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2016 (co-produção Turca e Alemã).  7,7

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THE HATEFUL EIGHT

The_Hateful_EightSerá que no Brasil vai virar Os 8 abomináveis??? Nesse caso não seria ruim como Os oito odiados, por exemplo.  Ou o título será Oito homens e um destino??? Vamos aguardar…O elenco deste mais recente filme do polêmico e odiado por muitos Quentin Tarantino dispensa comentários, estando a única atriz praticamente irreconhecível em seu papel (excelente!): Samuel L. Jackson, Kurt Russel, Jennifer Jason Leight, Michael Madsen, Tim Roth, Bruce Dern, Channing Tatum, entre outros. E Tarantino sem dúvidas possui muitas qualidades e que fazem com que seus filmes sejam aguardados com muita expectativa. Primeiro, sabe-se que ele é um dos grandes diretores de toda a história do cinema, portanto é o dono e soberano do que escreve e dirige, controlando de forma ampla e com pulso firme todas as engrenagens de suas obras. Garantia de originalidade. Segundo, é um grande fã do próprio Cinema, não perdendo a chance de prestar homenagens, a grandes atores, diretores, filmes etc. No caso, o próprio título do filme parodia um dos maiores westerns da história: The magnificent seven (Sete homens e um destino) e a trilha sonora é simplesmente de Ennio Morricone, 87 anos, um dos “papas” da área, com mais de 500 composições de trilhas de filmes, séries etc.  Interessante também que o filme começa com as paisagens geladas do Estado de Wyoming (norte dos EUA, quase Canadá), local onde foi filmado outro grande filme lançado no final de 2015: O regresso, com Leonardo Di Caprio e dirigido por Alejandro Iñárritu. Terceiro, seus filmes são perfeitos em todos os detalhes e, assim, todos os elementos, técnicos e humanos, formam uma perfeita harmonia. Garantia de qualidade. Quarto, seus roteiros são imprevisíveis. Portanto, é sentar na poltrona e aproveitar, simplesmente saboreando o que vai acontecer, certamente com grandes doses de violência, bizarrice e banhos de sangue, razão de o filme – como os demais recentes – não ser recomendado para menores. A impressão que dá, mesmo, é de que o diretor é realmente quem mais se diverte com os seus filmes, inclusive porque pode subverter a ordem à vontade, colocando seus personagens filosofando sobre justiça (como o carrasco, em certa cena) e armando um grande “circo”, onde vão se misturar personagens improváveis, cada um desempenhando um papel perfeito e coordenado. E, ainda, no caso, com absoluta igualdade de atuação, não havendo mocinhos e bandidos, mas sim algum mistério no ar e que vai tornando a tensão cada vez maior, até porque não se consegue efetivamente adivinhar o que vai acontecer no próximo segundo. Em suma, diversão pura e inteligente. No caso, nada genial e nem superior às obras anteriores (principalmente Bastardos inglórios ou mesmo Django), mas o suficiente para nos dar algo novo e nos tirar do trivial, o que já é bastante.  8,5

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HOMEM IRRACIONAL (IRRATIONAL MAN)

irrational_man_posterAs primeiras marcas de Woody Allen – ainda mais nesta fase de plena maturidade, da última década -, já aparecem nos momentos iniciais do filme, antecipando sua qualidade: a esplêndida fotografia e a acertadíssima trilha sonora. Somos envolvidos, então, com o elenco, que valoriza o ótimo roteiro: Joaquin Phoenix e Emma Stone são excelentes intérpretes, ainda mais quando o texto é enxuto, inteligente, instigante (Parker Posey também é uma bela atriz). De se notar, também, que, como uma espécie de discípulo de Bergman, Woody Allen gosta muito de closes. E com isso revela as mais leves expressões faciais de seus atores, as sutilezas do olhar. E aí percebemos neles a qualidade dramática, o que a dupla de protagonistas neste caso tem de sobra. Ambos são soberbos intérpretes! E o diretor continua perfeccionista em tudo: iniciando com o roteiro e passando pelo elenco e pelos demais elementos da produção, valendo dizer que a edição de seus filmes é também primorosa. E, assim, a trama vai sendo construída, cada vez mais inebriando o espectador em um contexto intelectual, estético, iconoclasta e que discute o que é moral ou não e provoca/questiona permanentemente, inclusive a respeito das chamadas verdades filosóficas (chamando, por exemplo, a filosofia de “mera masturbação verbal”). Isso sem abrir mão do mistério e sem menosprezar a inteligência do espectador. Ao contrário, aguça-a, inclusive porque o desencadeamento dos fatos acrescenta muita tensão e mistério aos momentos finais, que, assim, tornam-se absolutamente saborosos e imprevisíveis. E alguns desses fatos nos fazem pensar na vida e em como situações que nos parecem tão seguras, num piscar de olhos desabam e se desestabilizam radical e surpreendentemente! Discordo radicalmente da crítica, que declarou este filme apenas como mediano. Woody é brilhante e faz aqui mais um filme completo, um trabalho inteiro, no qual não se percebe falha alguma, dependendo apenas do gosto individual para se gostar dele ou não. Inclusive quanto ao seu desfecho. Mas que se trata de uma obra perfeita e acabada, não resta a menor dúvida. O diretor mais uma vez deixa claros os motivos pelos quais já conquistou o posto de um dos grandes gênios da história do cinema.  9,0

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LABIRINTO DE MENTIRAS

91+UnjawLaL._SL1500_Um filme alemão, escolhido para representar o país no Oscar de 2016. Trata-se de um filme sério, muito bem feito, sobre a temática de Auschwitz (na verdade, sobre os efeitos da guerra e não sobre a guerra em si), assunto bastante caro para a Alemanha. No caso, seguindo o filme, mais de dez anos após a Segunda Guerra Mundial e a maior parte do povo alemão – principalmente os jovens – desconhecia totalmente os fatos envolvendo os campos de concentração comandados pelos nazistas e as centenas de milhares de mortes que ali ocorreram. E os que conheciam os fatos se calavam. O ponto de partida do filme é a constatação, pela promotoria de Frankfurt, de criminosos nazistas vivendo uma vida anônima e normal, sem que tivessem sido julgados pelos crimes de guerra, quer pela prescrição, quer pelo próprio – e vergonhoso – desejo dos próprios alemães, de esquecerem tamanha barbárie. Daí em diante seguem-se investigações e diversos dramas, todos eles deixando claro que o assunto sempre foi muito doloroso e possui feições de extrema delicadeza para toda a população alemã. Mas seria justo com as vítimas e com as famílias das vítimas que o silêncio e o esquecimento fossem os vencedores nessa questão?  7,7

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TUDO EM FAMÍLIA (THE FAMILY STONE)

tudoemfamilia2006Quando é que um encontro familiar de Natal (daqueles típicos – e deliciosos – americanos) rende muitas risadas e diversão, mas ao mesmo tempo também – e na maior parte do filme –, já a partir de seu início, começa a fazer pensar e nos desperta muitos sentimentos, muita emoção verdadeira? Resposta: quando um filme tem um bom roteiro, uma direção ágil e inteligente e um elenco espetacular e harmonioso. É o caso desta comédia de 2006, que reúne nomes famosos do cinema, todos ótimos: Diane Keaton, Craig T. Nelson, Sarah Jessica-Parker, Rachel McAdams, Claire Danes, Dermot Mulroney, Luke Wilson etc. Reunião de pais e filho(a)s na casa paterna, no Natal, alguns filhos vindo de longe para se reunirem com a família. Cada qual seguiu seu destino, pensa de um jeito, tem suas qualidades e defeitos, mas as raízes são comuns e todos fazem questão de manter. Mas isso tem um preço, porque os conflitos são inevitáveis. Notadamente quando a família têm que aceitar pessoas novas e difíceis nessa integração. E a partir de certo ponto, como sempre, algumas roupas sujas começam a ser lavadas. Mas há esperança para esses conflitos: que sejam tratados da forma mais amorosa possível. E essa é a mensagem que o filme parece deixar clara: a de que duas coisas são essenciais, quais sejam, deixar sempre falar o coração (e não as amarras sociais) e principalmente ter a família sempre como o foco mais importante, o fator vital. Não porque seja tradição, mas pela simples razão de que – a vida assim ensina -, parodiando frase do filme, “tudo o que temos somos nós (a família)”. Filme ideal para divertir, emocionar e fazer pensar nesta época de Natal 2015.  8,0

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BROOKLYN

brooklynPara começar, muito apropriado o título do filme – havendo uma tênue esperança de que seja mantido quando chegar ao Brasil -, porque o famoso bairro americano representa o rompimento com a tradição (ou com a obrigação), o grito de liberdade, a esperança de uma nova vida e de um futuro melhor. O drama se passa basicamente na Irlanda, no ano de 1952, e enfoca a história de uma jovem, muito bem interpretada por Saoirse Ronan (Desejo e reparação, Um olhar do paraíso, Hanna…). Às vezes nossa vida segue por caminhos não programados ou que não esperávamos seguir. Ocorre que se os fatos acontecerem de uma maneira forçada, ou soarem falsos, o dilema se resolverá mais facilmente, nos momentos de lucidez. O problema de encontrar a resposta certa é quando tudo acontece naturalmente e aparece um segundo caminho que também nos parece bom (talvez melhor do que o dos sonhos) e confunde tudo…Aí o dilema fica sério, porque será só uma opção a ser escolhida. Essa acaba sendo a questão primordial do filme e que, como tudo nesta produção caprichada, tem um tratamento bastante delicado. E interessante também é que o espectador fica em dúvida sobre que destino a personagem, enfim, escolherá. O filme, produção irlandesa-canadense, foi exibido no festival de Sundance de 2015.  7,8

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PERDIDO EM MARTE (THE MARTIAN)

111.mdO que chama a atenção, em primeiro lugar, é que o título (em português, naturalmente…) já revela de antemão que alguém vai ficar perdido no chamado “planeta vermelho” (em razão da coloração de sua superfície). E não é difícil adivinhar quem, porque os fatos acontecem nos primeiros minutos: simplesmente o personagem de Matt Damon, que é deixado para trás pelos seus colegas astronautas. E fica-se pensando: como é que eles vão conseguir fazer um roteiro atraente, por quase duas horas, sem nos fazer mergulhar no tédio??? Mas os americanos fazem e podem. Até porque o roteiro é baseado em obra literária (Andy Weir). E assim, com tecnologia de ponta (som, imagem, efeitos…), somos conduzidos por uma história interessante, de sobrevivência e planos e tentativas de resgate, a mais de 50 milhões de quilômetros da Terra. O diretor é o aclamado Ridley Scott (Blade Runner etc. etc. etc.) – que volta aos bons tempos – e o elenco é ótimo, também com Jessica Chastain, Jeff Daniels, entre outros. O filme tem momentos de drama, muito suspense e, para variar, dezenas de clichês do cinema americano e do povo americano, mas que aqui aborrecem pouco, porque o suspense é muito bom, a trama se desenvolve de maneira atraente e no final o filme tem realmente momentos de grande emoção, que afogam os clichês pela maestria que o cinema americano tem, para manusear sentimentos e elementos humanos e criar tanto paredes quanto pontes, na tentativa de resolver os problemas e chegar a um final feliz, que todos esperam, embora sempre com uma ponta de dúvida. Dessa maneira, a feliz união de roteiro, diretor, elenco e tecnologia (inclusive acompanhada do rigor científico, com a consultoria da própria NASA), nos dá um ótimo entretenimento e que emocionará a todos certamente, mesmo os que não são fãs de ficção científica. 8,0

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SETE DIAS NO INFERNO

tenis_142_gente_08_free_mediumUma comédia totalmente irreverente e anárquica (adequada, portanto, para adultos), que contempla o mundo do tênis, especificamente o torneio de Wimbleton e mais especificamente dois consagrados rivais, interpretados por Adam Samberg (Brooklyn Nine-Nine) e Kit Harrigton (Game of thrones), ótimos! Basta dizer que o diretor é Jake Szymanski, do Saturday Night Live. O filme é muito engraçado e imita aqueles documentários americanos, que contam a história, mostrando a vida dos personagens, intercalando as cenas com o depoimento de parentes e amigos, neste caso interpretados por personagens do mundo real, como David Copperfield, Serena Williams, Chris Evert, John McEnroe, os quais certamente se divertiram muito participando dessa zombaria…Diversão bizarra, mas garantida para quem tem o espírito certo. Produzido pela HBO.  7,8

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O REGRESSO (THE REVENANT)

456-film-page-largeO cenário é o das vastas florestas frias e desertos gelados, ornamentados pelos rios com corredeiras, lembrando paisagens canadenses. Na verdade, a ação se passa quase na fronteira do Canadá, na região do norte dos EUA, Estados de Montana, Wyoming e Idaho. A época é a do clássico faroeste (1822), mas aqui não se trata de mocinhos e bandidos propriamente. Todos estão empenhados na luta pela sobrevivência: é o homem em estado bruto, imerso na natureza selvagem (formosa inimiga), predador em grupos mas na verdade na luta solitária contra os humores do tempo, a cobiça dos próprios companheiros e os ataques dos animais e dos pele-vermelhas. Este longa metragem é diferenciado pelas imagens, mas também e principalmente pela forma mais crua e realista de contar a história, o que se mostra coerente com o tema, com a época e com a natureza hostil, enfim, com a brutalidade de um tempo em que matar ainda era fácil, as peles valiam muito dinheiro e os rifles eram alimentados com a pólvora pelo cano, desferindo um tiro por vez. As locações são primorosas e a fotografia nos brinda com cenas maravilhosas da natureza, pontificando diversos momentos memoráveis (do rio com correnteza, dos gnus, da perseguição dos índios, do cavalo morto, da luta sob a neve…), mas pelo menos um deles é antológico: a cena da ursa é algo nunca antes visto no cinema, simplesmente sensacional e aterrorizante! E pela atuação marcante, talvez venha finalmente o Oscar que Leonardo Di Caprio tanto persegue. O que ficaria longe de ser injusto, pois ele está realmente estupendo. O diretor (e co-roteirista) é o não menos famoso e competente, Alejandro González Iñárritu (Birdman) e atua também no filme Tom Hardy (Child 44, Mad Max…). Um filme que pode ser tido como épico – com todos os elementos de um clássico – e tranquilamente enquadrado na categoria de “filmaço”. 9,0