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TERROR AO VIVO

the-terror-liveEste é um filme coreano de 2013, que se fosse americano faria um sucesso muito grande. Não falo de preconceito, mas do poderio da indústria dos EUA para promover e divulgar filmes. É um drama com suspense, um thriller contemporâneo, econômica (tudo se passa em praticamente duas salas de rádio e televisão, em um grande prédio de Seul) e extremamente bem realizado. Ótimo roteiro, seu ritmo é intenso e às vezes frenético e o suspense – acentuado pela direção, edição e nervosa trilha sonora – mantém todos ligados até o seu final, contendo também cenas surpreendentes. O filme é imprevisível e traz diversas questões, inclusive algumas muito interessantes de natureza social. Incluindo a famosa frase “o governo não negocia com terroristas”. Trata da corrupção, até mesmo dentro da mídia, pela perversa concorrência, da hipocrisia e da arrogância das autoridades, até mesmo dos conhecidos temas da “honra oriental” e “revolta da classe trabalhadora”. Aliás, esse inconformismo com a injustiça, no filme apresenta uma interessante transferência de pessoas. Enfim, algo bem dinâmico, para distrair e também propiciar algumas reflexões, sendo corajoso em suas temáticas a ponto de parecer sugerir que na Coreia do Sul existem também muitas aparências…mas talvez a mensagem seja realmente mais universal e subdividida, mostrando o problema e apontando que ele talvez deva ser tratado de uma maneira mais séria, responsável e até flexível pelas autoridades, sob pena de sério risco de vítimas desnecessárias.  8,5

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O NOVÍSSIMO TESTAMENTO (LE TOUT NOUVEAU TESTAMENT)

the_brand_new_testament_poster_-_p_2015Este filme é algo insólito, estranho. Uma fantasia. Mas na verdade muito inteligente – e tão inteligente, quanto irreverente. Questiona o ser humano, debocha da religião, dos medos, da sociedade e das suas amarras. Filosofa sobre a vida e o destino. Desfila pílulas de criatividade… Isso tudo a partir de um Deus humano, machista, opressor e perverso, residente em Bruxelas e que só opera por meio do computador, tendo o desgosto de ter tido um filho que passou a doutrinar por conta própria, pregando indevidamente o bem. Um texto ácido e repleto de imagens criativas, devaneios poéticos, com música de sonho de fundo (infantil mas com mistério) e narrativa da menina, filha de Deus, que é a protagonista (que sabe qual é a música que cada pessoa tem e também coleciona lágrimas). Recursos típicos do cinema francês. Tudo impregnado de um humor cáustico. Exemplo: a menina diz que é irmã de JC e o velho pergunta: “JC de Jean Claude Van Damme”? Imaginemos o que aconteceria se cada um de nós soubesse o momento preciso de sua morte! O medo dela certamente desapareceria, outras seriam as religiões, os relacionamentos, a maneira de ver o mundo, de agir…E o filme brinca: “os corretores de seguro deixariam de ter utilidade”! E tudo parece, afinal, nos dizer o tempo todo: “liberte-se das suas prisões, de agir como os outros esperam, seja feliz”! Os diálogos do filme têm bastante riqueza e a mudança de cenário e enfoque é uma constante. Quase uma viagem, poeticamente. Um quase non sense permanente. O imprevisível. Os detalhes, os recursos de câmera…(alguns quase teatrais), o visual… Na parte final, algo bem surrealista, mas belo e tocante, enquanto se ouve “Tombe la Neige” (de Salvatore Adamo). Sensacional como as coisas se desencadeiam para chegar ali. Assim como o destino de Deus…E após todos os créditos (demorados), uma cena a mais, fechando “com chave de ouro”. É algo realmente diferente e que se assemelha muito ao estilo de “Amélie Poulin”, ou seja, “muito mais para amar do que para desamar”.  8,5

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UM DIA PERFEITO (A PERFECT DAY)

a-perfect-dayAmbientado em 1995 na região dos Bálcãs, onde já estava deixando de ser tempo de guerra (da Bósnia), mas ainda não era paz e havia fronteiras e grupos meio indefinidos se confrontando, o filme é uma mistura de drama com pitadas de bom humor e ironia, estrelado por Benício Del Toro e Tim Robbins. São eles ativistas voluntários e que diante de um fato insólito e de aparentemente fácil solução, vão acabar enfrentando diversas dificuldades, inclusive originadas pelo estado de guerra e pela perplexidade do que dela advém. As ações são dificultadas não só pelas distâncias, milícias e pelas carências em geral, mas também pela existência de minas subterrâneas, colocadas de uma maneira bastante pitoresca (como engenhosa é a forma de descobrirem o melhor caminho para escapar das minas). O texto é muito inteligente e além de dar um painel dos acontecimentos, mostra ao lado da humanidade a intolerância e a incompreensão, inclusive de língua. Algo diferente e interessante, fugindo das temáticas comuns nesse tipo de filme. O diretor é Fernando León de Aranoa (Segunda-feira ao sol).  7,8

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AN INSPECTOR CALLS

10867482_oriEste é um drama de suspense de 1954, em preto e branco, mas com um roteiro surpreendente. À medida em que os fatos vão ocorrendo, vamos ficando cada vez mais intrigados e com isso presos ao enredo. Lembra os filmes de Hitchcock pela engenhosidade, pelo ritmo e pelo mistério que vai se formando, mérito do ótimo roteiro adaptado (de obra literária). O filme é ambientado em 1912, quando um jantar de família da classe alta é subitamente interrompido e a ação toda poderia se passar em um teatro, pois existe praticamente um cenário único, mas nesse caso apenas poderia haver menção à personagem e não as cenas que o filme apresenta como flash back – privilégio da sétima arte. Chama a atenção a força do conjunto todo (roteiro, fotografia, elenco, direção…), assim como a beleza e o porte de princesa da atriz Eileen Moore. Talvez o problema do filme seja que a partir de certo ponto o roteiro pareça inverossímil, até meio surrealista. Mas aqui o surrealismo está a serviço de algo maior: a discussão sobre a ética e sobre o comportamento humano (o filme até parece sugerir uma ética diferente para a geração mais velha). E a fragilidade do ser humano em admitir e enfrentar seus erros aparece bastante enfatizada na parte final, quando o filme deriva para uma última e inesperada cena, que deixa um ponto de interrogação e margem a saborosos debates. 8,0

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DE CABEÇA ERGUIDA (LA TÊTE HAUTE)

de cabea erguidaA delinquência juvenil é um problema mundial. E de difícil solução, porque geralmente é produto de uma criação infeliz, deficiente, promíscua, violenta etc. O filme enfoca esse tema e mostra tanto as alternativas de tratamento e as dificuldades para a recuperação do delinquente – a fim de bem reintegrá-lo à sociedade -, quanto o sistema adotado na França e que parece o mais perto de obter o desejado êxito. A diretora do filme, Emmanuelle Bercot, inclusive confirmou em entrevistas que investigou com detalhes como funciona a estrutura francesa para reintegrar o delinquente ao meio social, tentando ser absolutamente fiel no que retrata o filme. E, de fato, o que se constata é que para o fim desejado são necessários inúmeros fatores atuando energicamente conjugados (com supervisão intensa e permanente), como um Estado organizado, política, jurídica e institucionalmente e pessoas muito bem preparadas para tratar com a rejeição, a revolta, a violência e o ódio, dando em troca respeito, paciência, humanidade, compaixão e amor. A própria juíza da família, muito bem interpretada por Catherine Deneuve, mostra um misto de energia e instinto maternal. Mas mesmo com os citados ingredientes a tarefa não é fácil e ficamos inseguros quanto ao destino do personagem, sem saber se haverá ou não um final feliz. E aqui reside o ponto vital do filme: o ator Rod Paradot – que a diretora do filme descreve como uma pessoa calma e dócil – compõe um personagem intenso, raivoso, descontrolado, imprevisível, com uma competência tal, que parece um veterano do Cinema, quando a verdade é justamente o contrário: trata-se de um jovem apenas, mas com um talento impressionante. Que cena tão forte quanto bela, a do hospital ! E que cena chocante a dele com a mãe e a supervisora grávida! Ainda próximo ao final do filme torcemos para que as coisas se encaixem. Mas sabendo que, dentro do contexto do filme e da própria sociedade, isso – a despeito de todo o esforço e da estrutura à disposição (simples, porém eficiente) – poderá não acontecer.  7,7

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TRUMBO

trumboEste filme já teve o tema tratado por diversos outros, em épocas distintas. Mas agora, o foco se concentra em um renomado roteirista americano, que foi perseguido pelo Comitê de Atividades Antiamericanas, instituído logo após a Segunda Guerra para fazer uma caça aos comunistas e bani-los dos vários setores produtivos, mirando especialmente no pessoal do Cinema. O período da famigerada Lista Negra incrivelmente durou até 1975 e causou pavor, revolta e muitas injustiças. No caso, o filme mostra os efeitos dos atos do Comitê principalmente envolvendo Dalton Trumbo, que graças à intolerância desenfreada (pelo medo dos americanos de serem contagiados pelo regime comunista, principalmente com o advento da Guerra Fria), teve que criar pseudônimos para continuar assinando seus roteiros cinematográficos. O roteirista integrou o Hollywood Ten, como ficou sendo conhecido o grupo de artistas que se recusaram à submissão perante o comitê, defendendo a liberdade de pensamento com base inclusive na Primeira Emenda da Constituição Americana. Como dito, o tema já foi antes enfrentado, mas aqui existem dois diferenciais: a excelente atuação de Helen Mirren – como a repórter socialite poderosa da época – e principalmente a notável atuação de Bryan Cranston – que concorre ao Oscar de Melhor Ator no dia 28 de fevereiro próximo. Sobre ele, conta-se que após assistir à série Breaking Bad, Sir. Anthony Hopkins (que dispensa comentários), escreveu uma carta ao ator, não apenas cumprimentando-o, mas dizendo que foi a mais perfeita atuação que ele havia presenciado de um colega de profissão. Diane Lane está discreta, mas também perfeita em seu papel. Interessante também neste filme é que deixa transparente o nome de alguns artistas que foram fervorosamente defensores tanto de um lado, quanto de outro. Anticomunista de carteirinha foi John Wayne, por exemplo, ícone do Cinema ianque, assim como Gregory Peck e Ronald Reagan. E a favor da liberdade de pensamento e expressão se posicionaram Edward G. Robinson (perseguido pelo Comitê), o diretor Otto Preminger e o ator Kirk Douglas. No filme Exodus, que Otto dirigiu e em Spartacus que Kirk interpretou consta expressamente o nome de Trumbo como roteirista. Mas isso foi exceção e na realidade Trumbo – que havia assinado com nome falso o roteiro do premiado filme Arenas Sangrentas – apenas décadas depois conseguiu ser reconhecido pela autoria do roteiro e recebeu finalmente seu Oscar. Após o “the end”, vale a pena esperar passarem todos os créditos para ver a rápida mas emocionante entrevista do personagem real, quando fala do Oscar e da filha.  7,8

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O CLUBE (EL CLUB)

306209Este filme chileno concorreu ao Globo de Ouro na categoria de Melhor Filme Estrangeiro. Não é um filme trivial. Sua indicação é para adultos e ainda para aqueles com formação menos conservadora. Porque tem um texto fortíssimo e cru, tratando com realismo de assuntos extremamente incômodos para a Igreja.  O roteiro, tão pungente quanto original, permite que o espectador dê asas à imaginação para elaborar os fatos do passado dos personagens, muitos deles apenas sugeridos e que assumem um grande peso quando se passa a saber quem são aquelas pessoas que vivem no refúgio do litoral chileno (o que justifica o título do filme), com restrições diversas, embora passeiem na praia e apostem em corrida de cães (no galgo que criam e treinam). Há algumas cenas chocantes (não sexuais), mas o forte mesmo é a linguagem do filme, que escancara o que geralmente os demais escondem ou apenas colocam em entrelinhas ou reticências. Participou do 65º Festival de Cinema de Berlim (fevereiro de 2015) e lá foi tido como a obra mais polêmica. Na verdade, sua abordagem e seus efeitos não são apenas um soco no estômago, mas um autêntico rolo compressor. Algo indigesto para a maioria das pessoas, mas para quem gosta de um filme-denúncia forte e que escancara os fatos (como nunca antes foi feito), a opção é extremamente acertada, como a direção de Pablo Larraín, ao enfrentar tão delicado tema.  8,0

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O PRODÍGIO (PAWN SACRIFICE)

pawn_sacrificeA tradução literal do título em inglês obviamente soaria muito mais adequada do que o título em português, porque “Sacrifício de peão” teria tudo a ver com o contexto, baseado em fatos reais. Mas deixemos isso de lado, porque é rito costumeiro…O filme é um drama biográfico enfocando o campeão americano e mundial de xadrez Robert (Bob) Fischer. Mostra sua precocidade de gênio, suas relações interpessoais (difíceis) e sua trajetória rumo ao que ambicionava verdadeiramente: ser campeão mundial, quebrando a hegemonia russa. Tobey Maguire está muito bem no papel, que aborda a chocante dualidade envolvendo o enxadrista: de um lado o gênio idolatrado e que fez história por seu estilo, sua criatividade, seu jogo agressivo, inteligente, tático, fantástico; de outro lado, o sujeito antissocial, mentalmente doente, uma mistura de paranoia, com neurose, psicose etc. Mas também é mérito do filme situar o Embate do Século (o campeão mundial Boris Spassky, muito bem interpretado por Liev Schreiber) dentro de um contexto especial: a Guerra Fria. O match foi acompanhado pelo mundo todo (e gerou milhões de novos aficionados pelo xadrez) e o tabuleiro se transformou, no dizer de um personagem, na terceira guerra mundial (“perdemos China, estamos perdendo Vietnã, precisamos ganhar essa…”). E a disputa foi cercada por diversos incidentes, teoria da conspiração, acusações de espionagem (Fischer procurava sempre escutas nos telefones dos quartos onde se hospedava…), exigências improváveis e até exóticas…e o tempo todo, no início do embate, havia insegurança geral quanto ao comportamento e mesmo ao comparecimento de Fischer, que após perder o primeiro jogo simplesmente não apareceu para jogar o segundo, deixando todos perplexos. Até Henry Kissinger, em nome de Nixon e dos EUA, telefonou para Fischer, a fim de inflamar o patriotismo do enxadrista, que mesmo assim parecia sempre meio aéreo. Tanto, que o filme transparece que os atrasos aos jogos, as exigências fora do comum, tudo estava relacionado com a mente perturbada e não com táticas de jogo ou de guerra, para desconcentrar o adversário. No final, a melancolia pessoal que se seguiu à disputa de 1972 só é superada pelo brilhantismo do jogo de Fischer, fator que acaba sendo o que prepondera na construção do mito.  8,0

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THE GIRL IN THE BOOK

normal_gitb-posterEmily Vancamp (Revenge) protagoniza este drama, que aos poucos vai revelando sua densidade e que apresenta diversos flash back de 15 anos antes. O detalhe é que a atriz que interpreta Alice na adolescência não tem nenhuma semelhança com ela adulta, o que pode confundir o espectador no início. Mas só por alguns minutos, pois depois se percebe facilmente tratar-se da mesma personagem, filha de um escritor e funcionária de uma editora de livros. A chave do filme é o segredo de Alice e que se consegue também intuir, embora também não demore tanto assim para ser revelado. Trata-se de um fato grave, da maior importância social, mas não tão incomum quanto se pensa. E que assim como tantos outros traumas, gera consequências bastante contundentes na vida pessoal da vítima. E é algo difícil de expor, de modo que além de sofrer com as “sequelas”, o sofrimento é maior pelo segredo guardado. Ao mostrar o fato, ficamos chocados, mas o peso maior se dá quando vemos as decorrências psicológicas provocadas e as demais que delas derivam, principalmente a dificuldade que a vítima tem de superar algo tão forte e perturbador. Há também uma mensagem sutil no filme aos pais desatentos…sem a sensibilidade para perceber e ouvir seus filhos. Muito boa Emily Vancamp, mas a atuação do sueco Michael Nyqvist também é bastante convincente (Os homens que não amavam as mulheres, A menina que brincava com fogo, A rainha do castelo de ar...). O filme termina de uma maneira bastante interessante, inclusive mostrando de forma criativa mais um caminho de expiação/redenção.  7,7

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UMA LIÇÃO PARA NÃO ESQUECER (SOMETIMES A GREAT NOTION)

Uma-Lição-Para-Não-Esquecer-1970Ambientado no Estado americano de Oregon (NO) e com maravilhosa fotografia (cores fortes e vívidas em technicolor), este filme de 1970 dirigido por Paul Newman enfoca uma família tradicional de madeireiros que resolve continuar suas atividades e não aderir à greve apoiada pelo sindicato da região, com isso demonstrando estar mais apegada a seus princípios do que aos valores comunitários. É um drama diferente, roteiro bem adaptado, embalado por belas músicas e que inicia e termina com a canção country All his children (a trilha sonora é do famoso Henry Mancini). O elenco é ótimo, inclusive com a bela Lee Remick e o novíssimo Michael Sarrazin, mas quem mais brilha são os dois ícones do cinema, Paul Newman e Henry Fonda. A força que Paul imprime ao seu personagem nos mostra o grande ator que ele foi e ao mesmo tempo nos faz procurar palavras para definir Hank: obsessivo, compulsivo, corajoso, convicto, fanático, insano? Talvez todos os adjetivos se apliquem. Quase no final do filme há uma famosa cena que nos deixa tensos, na verdade absolutamente agoniados. E que é decisiva para o rumo dos fatos, que vão precipitar um final inesperado – embora coerente – e muito belo esteticamente (fora o espírito sarcástico e anárquico retratado na cena).  8,5

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A GRANDE APOSTA (THE BIG SHORT)

The_Big_Short_teaser_posterEste é um filme inteligente, dinâmico, original e muito bem feito (direção, trilha sonora, edição, elenco harmonioso…). Mas o assunto é espinhoso. Porque enfoca o mercado financeiro americano e além de os personagens se moverem em torno de atos difíceis de compreender à primeira vista, os termos utilizados são um enigma para os leigos. Então, apesar do ritmo, o filme pode ser uma chatice para alguns, inclusive porque os diálogos são rápidos. Talvez grande parte do público não o aprecie. Vemos expressões como “bônus de empréstimos”, “subprime ajustável”, “CDOs” etc, sem que de imediato tenhamos o significado, para a perfeita compreensão. Algumas delas são explicadas pelos próprios personagens (inclusive pelo recurso de o personagem se dirigir diretamente ao espectador), outras aparecem escritas na tela, mas nem todas ficam bem claras. Contudo, para quem entende do assunto ou se aventura de peito aberto, o resultado vale a pena, porque o roteiro é muito bom, baseado em fatos reais de uma complexa crise imobiliária que ocorreu nos Estados Unidos e por esse motivo o filme não tem realmente muitos caminhos para ser mais simples: entretanto, há mérito na maneira didática pela qual os fatos são mostrados e esclarecidos, inclusive com muitas referências culturais e recursos de analogia (os jogadores na mesa do cassino explicando as CDOs sintéticas, com o exemplo de apostas e apostas paralelas, nos próprios apostadores…). Na verdade, o escândalo envolveu Bancos, financiamentos imobiliários, seguradoras, operações colaterais (venda de ativos dados em garantia) e as decorrências de investimentos em massa no prejuízo, ou seja, no aumento da dívida hipotecária, em palavras de um personagem: apostar contra a economia americana, o que significa que se a aposta for ganha, isso fará com que pessoas percam casas, empregos, haja um colapso na previdência, nas aposentadorias, pensões…O drama, com muitos momentos de tensão – inclusive porque o mercado não reage quando a inadimplência se acentua, gerando desconfiança nos investidores – é engrandecido pelas atuações naturais de Christian Bale (exótico), Steve Carell, Ryan Gosling, Brad Pitt e outros, com direção de Adam McKay (O homem formiga), concorrendo a 5 Oscar: Filme, Diretor, Ator coadjuvante, Roteiro adaptado e Edição. Na minha opinião, tem chance nos dois últimos, principalmente roteiro adaptado. Mas pela qualidade do filme e importância do assunto (inclusive a denúncia no final), não me espantaria muito se desse zebra e acabasse até mesmo ganhando o Oscar (passando O regresso para trás).  8,0

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O BECO DAS ALMAS PERDIDAS (NIGHTMARE ALLEY)

002fa7e46dac4766fc94de144d3f5cb4_jpg_290x478_upscale_q90Este filme de 1947 é classificado como noir. É um drama com suspense, mas que passa a ter implicações de filme “policial” mais em seu final. Contudo, tem evidentemente o seu lado romântico/passional e também nos brinda com uma belíssima fotografia, que reafirma a beleza do preto e branco, quando a iluminação e as sombras são contrapostas competentemente. O filme tem como atração principal o galã da época Tyrone Power (que também era um ótimo ator e aqui tem uma marcante interpretação) e o diretor é Edmundo Gouling, que também dirigiu O grande hotel, com Joan Crawford e Greta Garbo, assim como O fio da navalha, com o mesmo Tyrone. O roteiro é interessante, às vezes meio inverossímil em alguns aspectos, mas é um filme rico de conteúdo e de enfoques e em sua parte final apresenta algumas boas – e chocantes – surpresas. No conjunto final, apenas o título parece exagerado (embora seja realmente chamativo), sendo uma obra que ainda permanece com boa parte de sua força.  7,7

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CONCUSSION

poster ConcussionNão são novidade filmes que têm por temática “homem x sistema”. Por isso, quem já teve contato com vários exemplos, não vai encontrar grandes novidades por aqui, até porque não são muitos os caminhos que geram diferenças de um filme para o outro, todos eles tendo os mesmos “sintomas”, o mesmo tipo de drama. Que muitas vezes inclui o patriotismo exaltado, o sonho de ser americano etc. Só que quando o produto é bem acabado, seja qual for seu enfoque, torna-se uma boa diversão, porque sempre são interessantes esses embates de Davi contra Golias, que no caso é a Liga Nacional de Futebol, americana. No caso, a temática inclusive é bastante importante e o filme também mostra paralelamente tanto os fatos da organizada e poderosa indústria, quanto a honra da origem étnica do personagem, o que, por outro lado, traz como tema, en passant, a xenofobia. Se esses filmes já possuem seus clichês construídos por décadas, se é certo que o mesmo tipo de roteiro foi explorado quase exaustivamente, também é verdade que os sentimentos humanos que despertam (ainda mais quando a base são fatos reais – envolvendo, neste caso, o médico legista Dr. Bennet Omalu) são ancestrais e inesgotáveis, de modo que há que se reconhecer algum mérito quando provocam nossa indignação, o que ocorre inevitavelmente quando o Poder reage para manter seu status e sobreviver com o menor prejuízo possível, acentuando com isso o drama e gerando forte cheiro de tragédia. Por esse filme Will Smith, que com o tempo se tornou um respeitável ator dramático – dando muita dignidade ao personagem -, foi indicado ao Globo de Ouro 2015, na categoria de Melhor Ator. O discurso final sintetiza praticamente tudo.  7,6

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PRESSÁGIOS DE UM CRIME (SOLACE)

24ac8218ec2db84c29be7b837cf10e26_XLEste filme é uma surpresa. Mas a surpresa maior se dá pela mudança de qualidade que ele experimenta no seu desenrolar. Um thriller que nos traz na primeira hora uma apreciável coleção de clichês, uma coletânea de lugares comuns de diversos filmes, começando com a hesitação protocolar  – expressão que me permito furtar da grande crítica de cinema Isabela Boscov – do personagem em ajudar o FBI, passando por essa ajuda desse “médium” ou “sensitivo”, a detetive mulher, as cenas de perseguição etc. Nada de novo mesmo na busca de um misterioso assassino, sendo manjada até a expressão dos atores, as investidas da polícia e assim por diante. O próprio Anthony Hopkins parece um mero personagem em meio à banalidade, meio desconfortável até. Entretanto, por incrível que pareça, na parte final (pouco mais de meia hora), o filme muda radicalmente. Parece até que foi alterado o roteirista, aumentou o orçamento e a direção passou para outras mãos. O que era banal passa a ter um certo requinte. O enfoque do filme se altera, sendo criado inclusive um mote interessante e um dilema moral apreciável. O ritmo muda, o modo e os efeitos de filmagem, o visual…Belas cenas em câmera lenta ou parada…Acaba se tornando um filme atraente, que empolga e que passa a valer a pena, inclusive até a última cena. O diretor é o brasileiro Afonso Poyart (2 Coelhos), em seu primeiro trabalho em Hollywood e além de Hopkins tem Colin Farrell, que com o tempo se tornou um ótimo ator, e ainda Jeffrey Dean Morgan, que vem crescendo no cinema e na TV (The good wife).  7,6

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A BELA DO BAS-FOND (PARTY GIRL)

a-bela-do-bas-fond_t34557_png_290x478_upscale_q90Este filme americano, exibido em belo technicolor, é de 1958 e “bas-fond” é uma expressão que faz alusão à marginalidade. O diretor foi o famoso – e ótimo – Nicholas Ray, que já havia dirigido Johnny Guitar, No silêncio da noite, Juventude transviada, entre muitos outros. E o par central é interpretado por Robert Taylor e Cyd Charisse. Ele, um galã famoso na época e ela a formosa dançarina do espetacular Cantando na chuva, de 1952 (mas que já dançava no cinema dez anos antes disso). Quando fez este filme, Cyd estava com 37 anos. Mas no auge da beleza, dotada de extrema classe e elegância (embora eu não a considere uma ótima atriz) e dançando como nunca. Aqui protagoniza duas danças maravilhosas, em técnica e sensualidade. A trama envolve mafiosos e a segurança jurídica para seus negócios, representada pelo advogado interpretado por Taylor, bem como o vínculo que passa a existir entre ele – com um defeito físico – e a dançarina interpretada por Cyd. A partir do envolvimento entre os dois, consequências perigosas passam a rondar as relações. Também apresentando Lee J. Cobb e John Ireland, o filme tem também ótimas fotografia e direção de arte, muitos diálogos muito bons, sendo alguns deles bastante afiados. 8,0

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CREED

CPoGdcdUEAImmpHPara os que conheceram Sylvester Stallone nos tempos de Rocky, o lutador, foi uma grande surpresa sua indicação para Melhor Ator Coadjuvante no Globo de Ouro de 10 de janeiro, domingo passado. Mas a surpresa foi ainda maior quando ele foi anunciado como vencedor. E mais: ovacionado por todos os presentes. Ao assistir ao filme, porém, conclui-se que o aplauso não ocorreu apenas por respeito ao tempo de carreira do ator ou por compaixão, mas sim por merecimento. E a surpresa cede vez à admiração. Mas não só ele está desempenhando perfeitamente e sem afetação o seu papel, como o próprio filme tem esse enfoque, mostrando os fatos sem aquela roupagem espalhafatosa de sempre, de um modo bem menos forçado. Lógico que para Hollywood e para um filme de boxe e de Stallone, ainda mais envolvendo a saga Rocky, não é possível deixar de apresentar inúmeros clichês. Mas o que houve aqui foi o acerto no “tom” e na harmonia das coisas. Desde a interpretação de Stallone, passando pelo ótimo Michael B. Jordan e os demais do elenco, nota-se uma naturalidade, uma humanidade maior do que existia na série que iniciou em 1976. E isso faz com que aquilo que não é novo ainda assim permaneça atraente. Ainda mais quando a emoção é assegurada nas aguardadas – e, claro, previsíveis – cenas finais, onde ocorre a grande luta. Aliás, muitíssimo bem filmada, com muita adrenalina. Melhor do que a série “Rocky” no geral, este filme não serviu apenas para um reencontro do ator com o passado que o tornou famoso, mas para o seu aperfeiçoamento, compondo com a experiência e a maturidade não apenas um ótimo personagem, mas também um filme bem acabado e que tem como título o sobrenome do maior adversário de Rocky Balboa (Apolo Creed) 8,0

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A VISITA

l_3567288_5d9583c3A crítica “detonou” com este mais recente filme do M. Night Shyamalan. Mas acho que aí houve um pouco de prevenção e muito rigor na análise dessa obra. Primeiro, porque não dá para comparar qualquer filme dele (ou a grande parte de outros) com O sexto sentido. Acredito que ele nunca mais vai fazer um filme com aquela qualidade. Segundo, porque não há necessidade de comparações: trata-se de um ótimo diretor, que também fez Corpo Fechado e Sinais, que foram muito bons mesmo. E terceiro, porque embora este filme não seja um primor ou tão bom quanto poderia ser (o quanto o ótimo cartaz sugere), não é ruim como se apregoa e tem lá suas qualidades. A direção, como sempre, é elogiável e consegue construir um clima de muito suspense. De terror até. Principalmente psicológico. O espectador fica aflito, tenso, agoniado e isso é mérito. História coerente, original, isso realmente aqui não existe (mas na maior parte dos filmes desse tipo também não). Mas há os elementos do gênero e que estão muito bem coordenados, acrescidos por alguns ingredientes especiais, como o talento do garoto em cantar rap, o recurso de a menina ser uma cineasta amadora etc. Nada muito marcante, mas um bom passatempo para quem aprecia o gênero.  7,6

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O DIABO É A MULHER (THE DEVIL AND MISS JONES)

DevilmissjonesHouve um tempo, em Hollywood, em que dezenas de filmes foram produzidos exaltando o “mundo ideal”. As maravilhas do american way of life. Onde impera a fraternidade, onde a justiça acaba prevalecendo sobre os descaminhos, onde é possível ser feliz e encontrar o respeito, o amor, a tolerância, a generosidade. Frank Capra é um exemplo perfeito nos diversos filmes que fez nas décadas de 30 e 40, encontrando seu auge com A felicidade não se compra, com James Stewart – aliás, este lembra perfeitamente os filmes de Capra. Esses filmes foram feitos inclusive na época da II Guerra, quando por razões óbvias era conveniente e produtivo exaltar o patriotismo e os demais valores humanos desejáveis. No caso, trata-se de uma comédia de 1941, muito agradável, adorável até, de ótima dinâmica, dirigida por Sam Wood (Adeus Mr. Chips, Por quem os sinos dobram, Uma noite na Ópera…) e estrelada por Jean Arthur (Do mundo nada se leva, A mulher faz o homem, Os brutos também amam…), Robert Cummings (Em cada coração um pecado, Disque M para matar…) e Charles Coburn (Original pecado, As noites de Eva, Os homens preferem as loiras…). É uma comédia com importante fundo político (questões capital-trabalho e que seriam futuramente sindicais), sendo que o roteiro e Coburn foram indicados ao Oscar (Melhor Ator Coadjuvante). Ainda hoje é algo delicioso de se ver, sendo um filme que, mesmo tendo momentos que podem ser tidos como “datados” ou mesmo de “pastelão”, certamente faz referência a assuntos sociais relevantes e que, sobretudo, faz muito bem para o coração.  8,4

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A GAROTA DINAMARQUESA

A-Garota-DinamarquesaEste é um filme para adultos. Muito bem cuidado tecnicamente, inclusive fotografia (excelente) e trilha sonora e com um tema bastante incômodo, inclusive porque baseado em fatos reais, que datam da segunda década do século XX e que foram pioneiros para a época. É um filme muito bem feito, mas suas maiores emoções devem-se ao marcante desempenho de Eddie Redmayne, indicado com justiça ao Globo de Ouro de Melhor Ator – e certamente o será ao Oscar (mais um fantasma para Di Caprio). Alícia Vicander também foi indicada ao Globo de Ouro, mas esse fato é bastante questionável, embora a atriz tenha sido elogiada pela maior parte da crítica. Em vários momentos sua interpretação não dá a devida credibilidade à personagem e inclusive, em algumas cenas, parece haver uma total inadequação física com a época. Fora esse assunto, polêmico, é fato que toda a crise de identidade, embora não possa ser dissociada do seu caráter perturbador, é mostrada aqui com a maior delicadeza possível, sendo também apreciável o trabalho do diretor Tom Hooper. Mas é pelo desempenho de Eddie – após o fantástico trabalho anterior, como Stephen Hawking -, que conseguimos ver, durante o tempo todo, o ser humano preponderando e não uma ou outra faceta do personagem. A cena final é muito bonita em seu duplo, poético e significativo sentido: “deixe-o voar”.  7,8

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TÁXI TEERÃ

taxi-teera_t116006_jpg_290x478_upscale_q90Este filme vale mais pelo seu significado (amplo e múltiplo) do que pelo que mostra (embora singulares seu enfoque a suas imagens). Porque é simplesmente um libelo a favor da liberdade, notadamente de expressão, no Irã: o cineasta Jafar Panahi, banido do cinema por muitos anos, filma ele mesmo e vários personagens  (de) dentro de seu táxi (tornou-se taxista para tal fim). Com essa estratégia, descreve os costumes e ao mesmo tempo os absurdos do regime totalitário, principalmente contra a arte em geral, sendo o sistema mais cruel na medida em que ainda tenta “maquiar” a realidade. Essa tática de filmar “escondido” para fazer um falso documentário expressa todo um significado, porque esse famoso e premiado roteirista e diretor, que estudou cinema em Teerã e cometeu o “erro” de apoiar a oposição ao governo, além de ser proibido de filmar, teve vários de seus filmes apreendidos – acusados de obscenos -, após ter sua casa invadida, sendo preso por vários meses (condenado a anos de prisão, inclusive em regime domiciliar, chegando a fazer greve de fome) e foi perseguido e inclusive proibido pelas autoridades iranianas de comparecer ao Festival de Veneza na época. Houve inclusive várias manifestações públicas a favor de Panahi, entre as quais a emocionada da atriz Juliette Binoche em Cannes 2010. Sua coragem em continuar seu manifesto político, desafiando a insanidade e a violência, é admirável e merece destaque! O filme é interessante e, pelo contexto todo, foi premiado com o Urso de Ouro no 65º Festival de Cinema de Berlim (2015), tendo o prêmio sido recebido por sua sobrinha (já que o tio não pôde sair do Irã), a qual inclusive participa dos momentos mais interessantes do filme, revelando, por exemplo, que as crianças que se envolvem com cinema são educadas a fazer filmes “distribuíveis”, ou seja, aqueles que só falam bem do regime e do governo. A conversa com a moça das flores, quase no final, também é bastante reveladora, assim como extremamente pungente é a última cena.  8,0