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ANATOMIA DE UMA QUEDA (ANATOMIE D´UNE CHUTE)

Drama francês do gênero policial-suspense, vencedor da Palma de Ouro em Cannes de 2023. Não é um filme popular, tem um andamento bem ao estilo dos filmes escandinavos (aliás, os fatos se passam nas belíssimas paisagens de neve próximas a Grenoble), lento e típico dos chamados “filmes de arte”, mas com um roteiro extremamente denso e bem construído, trazendo uma história que pouco a pouco vai envolvendo e instigando o espectador, pois ao mesmo tempo em que os fatos são investigados e as intimidades reveladas (inclusive em cenas de tribunal), a narrativa vai se construindo com muito mistério, alastrando as dúvidas e principalmente intensificando a grande questão: houve ou não a ocorrência de um crime? Na verdade, o título do filme se refere à anatomia de um fato específico, mas isso também ocorre em relação a um casamento, com todas as decorrências possíveis, pessoais, profissionais e existenciais.  A direção é extremamente lúcida e sensível da excelente Justine Triet e o elenco é todo ótimo – inclusive o menino, interpretado por Milo Machado Grande -, com destaque para a magistral performance da atriz Sandra Hùller, que apresenta um desempenho que também amplia o mistério em torno da verdade dos fatos, criando uma personagem tão humana, quando fascinante e multifacetada. A história envolve um casal de escritores, ela alemã e ele francês, com um filho que sofreu um grave acidente. E assim acompanhamos dores, ressentimentos, dilemas, culpas, cobranças, traições, um redemoinho de fatos e emoções, com reflexos talvez os menos desejados ou previsíveis. O filme participou do Festival Varilux 2023 e tem uma curiosidade quase inacreditável: o singular cachorro da raça Border Collie que participa em muitas cenas do filme (Messi) venceu o “Palm Dog”, que é uma competição não oficial do Festival de Cannes e que premia atuações animais em filmes. Isso à parte, um belíssimo filme e que parece só alcançar sua placidez na cena final, tão singela, quanto significativa. 9,0

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O PAGADOR DE PROMESSAS

Filme baseado na obra do grande dramaturgo Dias Gomes (O bem amado, Roque Santeiro etc), escrito e dirigido por Anselmo Duarte (também ator e roteirista) e que apresenta um elenco de nomes que ficaram consagrados no cinema e na TV, destacando-se: Leonardo Villar (ótima performance), Glória Menezes (quase irreconhecível em seu primeiro filme, aos 28 anos, já tendo iniciado na televisão), Dionísio Azevedo, Geraldo Del Rey, Norma Bengell, Othon Bastos e Antonio Pitanga. Em preto e branco e com um contundente roteiro de crítica social, até os dias de hoje permanece com bastante atualidade, porém acabou ficou famoso mesmo pelos prêmios que ganhou (Cartagena, São Francisco…), para os quais foi indicado (Oscar de Melhor filme estrangeiro em 1963), mas principalmente porque foi o único filme brasileiro a ganhar a Palma de Ouro em Cannes, o que ocorreu no mesmo ano da produção, em 1962. E realmente a láurea foi merecida, porque é uma bela e bem construída história, repleta de conteúdo social e político, voltado mais para a instituição da Igreja, mas alfinetando com ênfase também a imprensa, os políticos, a polícia e até mesmo o próprio povo e sua ignorância, com a corrupção servindo de papel de embrulho. A partir de um fato de um homem simples (de uma promessa) e da inflexibilidade da igreja católica para agregar credos diversos dos seus, uma comoção social acaba ocorrendo ao redor das escadarias da Igreja Santa Bárbara (que não é o nome real da que aparece no filme), com um redemoinho incontrolável de fatos que se desdobram em consequências a princípio inimagináveis e que colocam a perigo valores, casamento e até a própria vida, sendo fato que a manipulação não é tarefa difícil quando bem orquestrada e quando encontra vítimas de fácil acesso, ficando transparente que alguém pode ser santo ou demônio, apenas dependendo de quem seja o observador (ou interlocutor): e isso é mostrado de um modo sensível, inteligente e criativo, sem perder o ritmo e explorando com muita energia e felicidade os costumes baianos, sua religiosidade diversificada e dança (capoeira), seu comércio, sua cultura geral, enfim. Importante saber que no sincretismo religioso baiano (fusão de práticas religiosas) Iansã é associada geralmente a Santa Bárbara, que foi morta pelo pai quando se converteu ao cristianismo (após, o pai foi vítima de um raio na cabeça). O filme é bem contundente quando mostra a disseminação da ignorância pela própria Igreja, para defender interesses corporativos, colocando seus propósitos políticos muito acima de quaisquer patamares humanitários (sob a desculpa de praticar a “tolerância cristâ”…). E há uma cena especialmente jocosa, que acontece enquanto a bandinha passa tocando Cisne branco, a canção dos marinheiros. Pelos amplos significados, o final é genial, agregando fatos e sentimentos diversificados, havendo uma estranha sensação (e um vazio) quando a câmera se afasta e vemos de outra perspectiva (mas sem recuperar a esperança) a imagem da incongruência, do desperdício e do desalento. 9,0

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AINDA TEMOS O AMANHÃ (C´È ANCORA DOMANI)

Um filme a mais, do Festival do Cinema Italiano no Brasil, 2023. Quem pensar nas temáticas do Neorrealismo Italiano vai identificar este filme, que se passa em 1946 (ano em que os americanos ainda tinham algumas tropas na Itália), em um pós-guerra de renascimento e de muita pobreza. A miséria do povo romano aqui também é mostrada, embora não com tanta ênfase como, por exemplo, em Ladrões de bicicleta, mas com intuito semelhante, embora neste caso o realismo fique bem mais “teatral”, um pouco atenuado pela belíssima fotografia em preto e branco. Mas isso de modo algum desvaloriza este surpreendente e emocionante filme, que em momento algum perde seu propósito e principalmente sua qualidade. Ao contrário, à medida em que vamos acompanhando o roteiro, vamos nos envolvendo com os fatos e com todos os personagens, até que as cenas finais reservam momentos de grande expectativa e emoção e ficamos definitivamente envolvidos e até extasiados com os desdobramentos da história. Excelente a direção de Paola Cortellesi, que também atua, muitíssimo bem, no papel da maravilhosa Délia. Aliás, harmonizando com todos os elementos, o elenco é todo espetacular: Valério Mastandrea (tão bom, que nos deixa permanentemente indignados com seu personagem), Romana Maggiora (bela e forte), Emanuela Fanelli (competente e segura) e outros, inclusive as crianças. Um dos grandes méritos do filme é não transformar a história em drama puro, mas pontificar os instantes sérios com outros de comédia (humor, porém, inteligente, sagaz e irônico), que servem de alívio para a aridez dos temas (a cena do velório é realmente muito engraçada, tanto pela estranha no ambiente, quando nos detalhes da vida real: o mal amado se transformando em santo depois que morre). Os fatos são tão bem retratados, notadamente envolvendo a submissão da mulher, o autoritarismo do marido troglodita e violento, que em muitas cenas sentimos um verdadeiro mal-estar, um desconforto profundo em presenciar coisas tão absurdas (o filme mostra em cores vivas o patriarcado e tangencia outros aspectos relevantes da época, como o salário menor das mulheres mesmo em relação aos homens menos capacitados, a difícil saída para outro rumo que não o de figura decorativa no lar etc). Felizmente – e por bom gosto – a feliz e sensível criatividade substituiu as cenas que seriam mais explícitas da violência doméstica por outros totalmente inusitadas e líricas/nostálgicas (sendo até divertidas), embora não deixem de transmitir a mensagem aguda e correta. São várias lições que se apresentam, até mesmo de que muitas vezes é o opressor quem sofre com sua própria doença, pois o oprimido aprende a ser legitimamente feliz (já que se contenta com que tem e que não raro é o fundamental: filhos, família, um lugar para morar). Há muitos momentos de música, alguns de nostalgia, em um filme que nos transporta por caminhos realistas, mas com a magia da tenacidade simbolizada pela poesia e que na verdade traz alento. A época era de liberdade tolhida e na pessoa da filha se materializa o inconformismo, mas a esperança aparece realmente enclausurada. Um filme inteligente, sensível, que habilmente cria um belo suspense em seus momentos finais, fazendo o espectador passar a torcer pelo destino de personagens determinados, até que tudo culmina em um momento inesperado e que, com a conjugação de imagens, texto e som, nos deixa com real e intensa emoção, passando a constituir certamente a obra-prima da diretora e um dos instantes sublimes do cinema. 9,6

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MAIGRET E A JOVEM MORTA

Georges Simenon foi um escritor belga nascido no início do século 20 (falecido aos 86 anos na Suiça) e extremamente prolífico, sendo autor de mais de 500 romances, novelas, contos etc, inclusive sob vários pseudônimos. E criou um dos detetives mais famosos da literatura: o também belga Inspetor Maigret, que foi imortalizado em 75 novelas e 28 contos. Este filme acompanha um caso do já Comissário Jules Maigret, na França dos anos 30/40 (no estilo pode-se dizer noir), interpretado pelo também imortal Gerard Depardieu, certamente um dos maiores atores franceses de todos os tempos (Corações loucos, A mulher do lado, Vatel, Jean de Florette, 1492, Os miseráveis, Asterix, Cyrano de Bergerac etc etc). Ele parece cansado e melancólico, não caber mais no imenso corpo, o qual acena com um mal súbito a qualquer momento (e faz o personagem também velho e doente)…mas é Depardieu. E por isso carrega o filme com o talento de sempre e imprimindo ao personagem as cores que melhor entende caberem e que se fisicamente soam diferentes dos livros, emocionalmente têm a empatia adequada e evidenciada. O filme, de 2022, tem no começo um crime e junto com as investigações do Comissário e as pistas, que pouco a pouco vão se acumulando, vamos, interessandos, acompanhando os fatos e também tentando montar a solução para o mistério. Há no roteiro e no personagem algumas sutilezas, principalmente no olhar do Comissário sobre o entorno, a Paris mudada quanto aos moradores da miséria atual, nas lembranças da filha em nenhum momento explorada em palavras e até em algumas tiradas interessantes com aquele senso de humor de quem nunca ri, como, por exemplo, quando perguntam se ele tem animais em casa, Maigret responde que “só no meu prato”. Eis o ator enobrecendo o personagem O roteiro não é complexo e com certeza o defeito atribuído ao filme é o seu lento desenvolvimento, seu ritmo que pode se tornar às vezes cansativo. Mas assim por opção do diretor, que decidiu enfatizar as percepções do protagonista em relação às coisas ao seu redor de um modo sensível e incomumente terno, porém com algumas reticências. Esse diretor é o consagrado ator, roteirista, autor de quadrinhos e também cineasta Patrice Leconte (O marido da cabeleireira, Um homem meio esquisito), que optou por um estilo que torna o filme diferente, talvez não sendo de agrado para todos os gostos ou para qualquer momento. Porém é uma visão a ser respeitada e uma viagem que vale a pena, mesclada de sentimentos com história de mistério e suspense policial. Prime Vídeo. 8,4

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O PRÓPRIO ENTERRO (THE BURIAL)

Ah, esses “tradutores de títulos de filmes!! Não poderiam deixar simplesmente o título original “O enterro”, que é o mais apropriado? Têm que tratar o público como idiota e ignorante? Mas deixemos de lado esse pessoal…Este é um drama em tons leves, dirigido pela praticamente desconhecida Maggie Betts, porém com alguns momentos intensos em razão de sua temática (principalmente nos “embates” jurídicos). O roteiro lembra o de diversas produções, portanto não sendo exatamente original. Entretanto, existem alguns diferenciais na história e mesmo nos momentos de tribunal, que nos prendem à história e nos mantêm interessados até o final, quando descobrimos que o enredo se baseia em fatos reais: (atenção: adiante pode ser um “spoiler”) como de costume, com os créditos finais aparecem algumas imagens e o destino das coisas e dos personagens. Esse “spoiler” que não é na verdade um estraga-prazeres na intenção, destina-se apenas a tornar ainda mais saborosa a degustação do filme, antecipando um aspecto que provavelmente já é previamente conhecido de que vai ver o filme. Entretanto, não são somente alguns elementos dessa história algo batida na essência que tornam o filme muito bom: o fato mais relevante é a performance do elenco – e, consequentemente, a direção de atores/atrizes. Tommy Lee Jones faz um papel bem diferente do seu trivial e muito bem (dono de funerárias, eis a razão do título), na verdade pode-se dizer que está impecável. Mas as atrizes que fazem a esposa dele, a esposa do protagonista, alguns advogados, Bill Camp (Loewen) e mesmo um ou outro personagem que participa do filme brevemente, todos formam uma bela harmonia interpretativa. Todavia, ninguém brilha com a intensidade do ator Jamie Foxx, que dá uma aula de interpretação, tendo inclusive grandes chances de ser indicado no Oscar 2024. A atuação dele é realmente memorável. Poderão alguns dizer que ele é “irmão” e, portanto, mais afeito às “lides” afins…para estes, entretanto, recomendo ver outros filmes em que Jamie atua, como “Ray”, “Django livre” e “Colateral”, por exemplo, e comparar os desempenhos, para chegar à conclusão sobre o grande ator de que se trata. Em suma, um filme que vale a pena e que inclusive em alguns momentos pode se tornar imprevisível, acentuando o suspense. Prime Vídeo. 8,8

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O PRIMEIRO DIA DO RESTO DA MINHA VIDA (IL PRIMO GIORNO DELLA MIA VITA)

De Paolo Genovese (Aqui em casa tudo bem), um filme do gênero drama com fantasia (no sentido do fantástico, sobrenatural) e que soa muito estranho no início, mas vai ficando cada vez mais interessante conforme se desenvolve e as explicações aparecem: mas nem todas, pois há fatos que ficarão a cargo da imaginação e sensibilidade de cada um. Mais um filme do Festival Italiano do Cinema no Brasil e que tem seu apoio nos fatos inexplicáveis da vida, naqueles mistérios insondáveis que povoam todos nós como produtos dos sonhos ou da mera imaginação e que são na verdade a origem da fé de cada um, seja na mortalidade, seja na eternidade. Após a estranheza inicial, o filme vai nos deixando mais interessados, mas o roteiro então nos pedirá um mergulho sem amarras ou preconceitos, porque é uma viagem emocional e quase tudo se passa em um nível essencialmente sentimental. A essência do ser humano estará sendo investigada e observada, seus medos, seus fracassos, suas frustrações, os relacionamentos…mas também a empatia, seja diante da vida, seja diante do destino comum da morte. O livre arbítrio! E a questão aqui é de querer embarcar ou não nos voos fantasiosos do roteiro, mas para quem o fizer estarão reservadas muitas emoções. Protagonizado pelo grande Tony Servillo (Il ritorno di Casanova, Il divo, Loro, A grande beleza), o filme tem um elenco bastante coeso, formado por Valerio Mastandrea, Margherita Buy, Sara Serraioco, Gabriele Cristini e Vittoria Puccini. Curiosidade: Tony e Sara também estão no Il ritorno di Casanova. Pode-se dizer que o tema do filme é a busca da felicidade ou a necessidade de mudarmos o nosso foco para percebermos o quanto a temos ao nosso alcance. 8,7

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O RETORNO DE CASANOVA (IL RITORNO DI CASANOVA)

Mais um filme do Festival do Cinema Italiano no Brasil, de 2023, e com inegável valor artístico. Trata-se aqui, porém, de uma obra não convencional, daquelas que geralmente se enquadram na categoria de filmes “de arte”. Porque embora na verdade seja, no fundo, uma história de amor, o modo de contá-la foge dos padrões habituais, com alguma filosofia, muitas cenas oníricas, na verdade tudo moldado ao gosto e estilo do diretor, que fazendo claras referências ao grande Fellini, transmite sua mensagem fazendo um paralelo entre o “criador” e a “criatura” (com muitos e surpreendentes pontos de contato), isto é, entre a vida real do autor e o filme sobre Casanova que ele está produzindo – para talvez concorrer ao Festival de Veneza. Esse diretor, sensível e competente, é Gabriele Salvatore, que parece só se envolver em projetos originais, desde Mediterrâneo, até as produções mais recentes, como Estranhos normais, Volare, Educação siberiana. E a forma é realmente impregnada de originalidade, como as cenas da fantasia em cores e da realidade em branco e preto, os trajes peculiares dos duelistas, os jornalistas e o sabre de esgrima e muitas outras. Mas também virtude do filme é permitir que com o seu desenrolar seja possível compreendê-lo cada vez mais e então saboreá-lo de uma forma mais intensa. E ele fala sobre o tempo, sobre as gerações que se sucedem, até sobre a tecnologia que substitui os costumes e nem sempre é pacífica, mas principalmente trata de conceitos mutáveis ou não, da constatação do amadurecimento e da própria velhice e suas limitações: mas, sobretudo, do que nunca perecerá. E, a respeito dos efeitos do tempo, ninguém melhor para constatá-los do que um lendário sedutor, já sessentão, Giácomo Casanova! E ninguém melhor para ser protagonista deste filme invulgar do que o grande Tony Servillo (A grande beleza, Loro, A mão de Deus, A garota da névoa). Compõem também o elenco as belas Sara Serraioco e Bianca Panconi, Fabrizio Bentivoglio e Natalino Balasso, entre outros. A cena final é de uma elegância e de uma beleza quase indescritível. 9,0

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A ÚLTIMA NOITE DE AMOR (L´ULTIMA NOTTE DI AMORE)

Filme participante do Festival do Cinema Italiano no Brasil de 2023, escrito e dirigido com muita competência pelo italiano Andrea Di Stefano (Último anoitecer). Trata-se de um drama policial, com muita ação e principalmente suspense, enfatizado – e muito – pela forte e palpitante/empolgante trilha sonora. Com envolvimento do crime organizado, a trama é muito bem construída e conduzida, usando inclusive recursos cinematográficos interessantes para ampliar o suspense (na edição e inclusive na repetição de cenas por ângulos diferentes) e criando muitas cenas de uma tensão quase insuportável. O desenvolvimento começa lento, mas vai se acirrando com alguns momentos que são realmente sensacionais, a partir de certo ponto o roteiro deixando tudo efetivamente imprevisível. A parte final é original e até inusitada, mas a derradeira cena do filme deixa inteligentemente um interessantíssimo ponto de interrogação (na verdade, quase de exclamação, se bem se pensar). Alguns poucos estereótipos (em personagens mafiosos) não comprometem, até porque predomina a qualidade, de um pujante exemplo de ótimo filme policial, com as características do cinema italiano, misturando drama, ação, emoção, como decorrência das belas direção e edição, mas também da segura e harmônica atuação do elenco, comandado pelo veterano Pierfrancesco Favino (Nostalgia). O título do filme – felizmente mantido em português –, absolutamente apropriado, é fruto intelectual da sensibilidade. A história se passa em Milão e o filme já acena para a qualidade pela introdução, ao nos brindar com um passeio aéreo sobre a urbanidade da cidade, até, no final dos letreiros, a câmera finalmente se aproximar do seu objeto de interesse. Em síntese, principalmente para os apreciadores do gênero, um filme policial de ótimo nível. 8,9

 

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EM SEGREDO (IN SECRET)

Este é um drama de 2013 que se passa na Paris do século 19 e narra uma história repleta de drama, suspense, com fatos nada incomuns na história da humanidade, mas desdobramentos inesperados. Baseado em texto do consagrado escritor francês Émile Zola, o roteiro é especialmente valorizado pelo clima construído e que inclui a direção (do pouco conhecido Charlie Stratton), a edição, a fotografia e o desempenho do elenco, principalmente da ótima Elizabeth Olsen (a Feiticeira Escarlate dos filmes Marvel) e da maravilhosa Jessica Lange (que à medida em que foi amadurecendo se tornou uma atriz ainda melhor do que já era em sua juventude). Tom Felton também é muito bom na construção de seu personagem, mas Oscar Isaac muitas vezes aparece apenas como satisfatório. O filme é forte, impactante muitas vezes e basicamente destinado aos adultos, tanto pelos momentos sensuais ou eróticos, quanto pelas cenas que se aproximam até do gênero terror, tal a intensidade dos fatos e o destino dramático dos personagens. O desenvolvimento tem ótimo tratamento e o drama e o suspense são bem equilibrados, havendo apenas uma cena marcante e inclusive questionável em termos de qualidade, que é a do barco: a opção de mostrar os fatos posteriormente e em flash back não foi muito feliz e a cena principal careceu de continuidade e até mesmo de um sentido lógico, especialmente quanto ao local do fato: mas é uma cena ruim em meio a tantas outras muito boas e uma atuação memorável de Jessica Lange, que fazem tudo valer a pena. HBO. 8,8

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Z

Este é um filme de 1968/1969, que apesar de não ser agradável para todo tipo de público, é considerado um clássico do cinema político. É, na verdade, um dos grandes filmes desse gênero, feito por quem costuma passar sua própria ideologia para a tela: o diretor grego Constantin Costa-Gavras (Estado de sítio, Desaparecido, O corte). Aliás, no início do filme já se anuncia que “qualquer semelhança com pessoas e eventos reais não é mera coincidência e sim intencional”. Foi indicado a muitos prêmios e ganhou premiações importantes como o Oscar de Melhor filme internacional de 1970 e o Globo de Ouro de Melhor filme estrangeiro, no mesmo ano. Adolescente quando foi exibido no Brasil, lembro da emoção e do choque que causou a mim e aos meus amigos, principalmente nas cenas finais, que são realmente antológicas e permanecem vivas na memória: talvez em muito pela situação do país na época. E o interessante é que este suspense político franco-argelino ainda permanece, em muitos pontos, bastante atual, tendo-se baseado em um fato real ocorrido na Grécia em 1963, com o deputado Grigoris Lambrakis, e na investigação que se sucedeu, na qual muitas circunstâncias foram encobertas pela polícia e pelo exército, envolvidos em vasta rede de corrupção e ilegalidade e no regime de exceção vigente. Aqui, os assuntos criminosos encobertos (e naturalmente ocultados da população) são meio estereotipados, assim como alguns personagens. Mas nesse libelo contra o obscurantismo, o maniqueísmo pode muito bem ser atribuído ao espírito crítico e irônico do diretor, um exagero proposital a favor do próprio menosprezo ao extremismo e à manipulação, inclusive porque os que conspiram muitas vezes são muito mais transparentes em seus crimes do que imaginam e tencionam. O filme tem Irene Papas entre outros, mostra o peculiar charme e empatia do ator Yves Montand (O salário do medo, Adorável pecadora), mas sua virtude maior é a agilidade das cenas, o ritmo profundamente sedutor, notadamente quando começam as investigações com o aparecimento do personagem muitíssimo bem interpretado por Jean-Louis Trintignant, que é um verdadeiro alento e esperança contra o obscurantismo, inclusive revelando em sua conduta uma exemplar imparcialidade, quase incompatível com o contexto dos fatos, mas como deve ter, de fato, um legítimo magistrado. Mas os momentos realmente inspiradores são os da parte final do filme: primeiro, quando os até então poderosos são, com sua coleção eloquentemente ridícula de medalhas, reduzidos à sátira; e depois, nas cenas e registros finais, absolutamente memoráveis e que acentuam o choque e a emoção, notadamente quando revelam o destino dos personagens e o verdadeiro sentido do próprio título do filme. 9,0

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QUESTÃO DE TEMPO (ABOUT TIME)

Este é um filme de 2013 e ao qual assisti em dezembro daquele ano. A resenha que fiz na época, dando-lhe nota 8, foi a seguinte: Comédia romântica com a bela e querida Rachel Mc Adams e o veterano Bill Nighy, que cativa pela simplicidade e pela mensagem que deixa ao findar, utilizando a ficção científica como um mero apoio – embora estratégico – para chegar ao seu ponto vital, o qual é perfeitamente compreendido na parte final do filme, onde ele efetivamente cresce, se agiganta e deixa belas e importantes lições. A direção é de Richard Curtis, o mesmo de Quatro casamentos e um funeral, Um lugar chamado Nothing Hill, Simplesmente amor etc. Hoje vi o filme novamente e com olhos ainda mais generosos. Não sei se mudou minha maneira de ver as coisas, com a maturidade, ou se foi o dia mais inspirado, mas vi no filme atualmente mais qualidades ainda, com algumas que não percebi na época. Porque aparentemente é um filme estilo “comédia romântica leve com toques de drama e fantasia (primordial no enredo)”, porém na realidade é muito mais. O filme tem um conteúdo realmente digno de nota e a partir de certo momento, quando se pensa que vai acabar (e ainda falta mais de meia hora), deriva para rumos absoluta e agradavelmente inesperados e também bastante interessantes, de belíssima textura dramática e apreciável filosofia. Realmente o elenco, que tem, além dos dois citados no texto colado, também uma belíssima Margot Robbie aos 23 anos, Domhnall Gleeson, Tom Hollander e Richard E. Grant, entre outros, bem como o diretor Richad Curtis (que pelo currículo dispensa maiores comentários), têm grande responsabilidade na grandeza do filme, mas o roteiro é especialmente consistente e elevado, contendo diversos subtextos e delicados caminhos principalmente do coração, embora sem perder contato com a realidade. A síntese até poderia ser a de uma proverbial lição de vida e de bem viver. Porque tudo é construído com muita sensibilidade e todos os elementos se conjugam para compor uma linda sinfonia do que é belo e desejável, descortinando muita empatia e emoção, principalmente nas cenas finais. Um dos pequenos tesouros escondidos na Prime. 9,0

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ATRAVÉS DE UM ESPELHO (EM BUSCA DA VERDADE)

Atores e atrizes muitas vezes recorrentes na obra do grande cineasta sueco Ingmar Bergman, Max Von Sydow, Gunnar Björnstrand e Harriet Andersson (acompanhados por Lars Passgärd) brilham neste estudo íntimo e reflexivo tanto dos personagens, quanto da própria filosofia existencial, que investiga os caminhos da própria humanidade diante dos dilemas da existência de Deus e do que o próprio ser humano necessita e significa, nas faces do amor que busca e que reflete. Há muitas mensagens até difíceis de alcançar nesta obra, cujo ápice são seus momentos finais, em que o texto finalmente revela a extensão e profundidade das descobertas e tenta justificar as atitudes dos personagens, que ao longo da história parecem ter suas próprias luzes e sombras. Não é algo fácil de digerir e de apreender na essência integral, mas é um exercício interessante de estilo e a mensagem que fica é sólida e alimenta o espírito. Harriet Andersson, que interpreta alguém com doença mental não explicitada (mas que parece ser a esquizofrenia) e com uma multiplicidade de nuaneces, é o grande destaque do filme, cujo título se refere a passagem da Biblia, que faz referência a uma visão inicial confusa e nublada, mas que depois se descortina e se revela, colocando o ser frente a frente com toda a verdade (a grande descoberta: do amor? De Deus?). O filme, de 1961, apresenta vários questionamentos e sugestões polêmicos, incluisive envolvendo o incesto (ou sutilezas?), além de uma paisagem bela e fascinante, porém limitada, tudo nutrido pelo ótimo roteiro e segura direção e emoldurado pela sempre belíssima fotografia de Sven Sykvist. 8,8

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MORANGOS SILVESTRES

Este é um dos filmes mais afamados e premiados do excelente diretor sueco Ingmar Bergman, produzido em 1957 e no qual estão presentes vários elementos comuns de suas obras, como o roteiro muito bem elaborado e conduzido e que explora questões existenciais, de relacionamentos, de memórias, a costumeira ótima direção –  inclusive de atores/atrizes (muito exigidos em razão dos muitos closes, que são estilo marcante do cineasta) – e a qualidade fotográfica de sempre, neste caso protagonizada por um dos dois mais constantes parceiros do cineasta: Gunnar Fischer. Mas o elenco é conhecido, algumas atrizes e atores sendo recorrentes nas obras do diretor, como Bibi Andersson, Gunnar Björnstrand e Max Von Sidow, este aqui em surpreendente papel minúsculo. Também atuam o veterano Victor Sjöström (que também foi um importante cineasta sueco, inclusive do cinema mudo) e a bela e premiada atriz Ingrid Thulin, que faria com Bergman em 1963 Luz de inverno e em 1972 o aclamado Gritos e sussurros. Pelo que consta, Bergman fez o roteiro quando estava internado em Estocolmo, logo após o lançamento de O sétimo selo, um de seus filmes mais importantes. O tema é simples, mas explorado com muita competência, beleza e sensibilidade: na iminência de receber uma grande honraria ( e no trajeto até a cidade de Lund), o professor de medicina Isak Borg recorda fatos importantes e nostálgicos de sua vida, incluindo sensações e amores da juventude, na qual os morangos simbolizam o retorno àqueles tempos de lirismo, mas também de sentimentos dúbios e sofridos (que rendem muitas imagens oníricas). Este filme, interessante, importante e reflexivo, ganhou o Urso de Ouro (Berlim), o Globo de Ouro como melhor filme estrangeiro e foi indicado ao Oscar de melhor roteiro. 8,8

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MARJORIE PRIME

Esta é uma pequena joia escondida na (plataforma) Prime Vídeo. Um filme de 2017 e que não se destina a todo o público, por ser lento e complexo, mas para quem gosta de algo fora do trivial, denso mas totalmente sensível e coerente, é uma degustação prazerosa: principalmente para os que apreciam filmes de arte com conteúdo (e que nos dão aos poucos a compreensão dos fatos). Um amigo foi muito feliz ao definir com grande precisão: “Se o Bergman fizesse hoje um filme de ficção, seria esse”. E é exatamente isso: o interesse do diretor aqui é semelhante ao que o cineasta sueco tinha em seus filmes, geralmente difíceis: aprofundar os dramas humanos interiores, questionar, mostrar os limites, devassar a memória, a culpa, as dores, explorar os conflitos. O cartaz do filme, aliás, é tão apropriado, quanto contundente. Este filme discute questões filosóficas essenciais e mesmo em ambientes restritos mostra admirável vastidão psicológica, a exemplo de Bergman explorando a competência do elenco com muitos e contundentes diálogos, closes e não facilitando ao espectador a percepção da passagem do tempo, deduzida pelo contexto das imagens e das interações. O diretor americano Michael Almereyda (Hamlet, do ano 2000, com Ethan Hawke) dispôs de um excelente roteiro, baseado em peça de Jordan Harrison – mas tanto aqui, quanto nos filmes de Bergman, o teatro não seria o palco adequado, porque a obra exige formas que apenas o cinema contém. Este é um drama de ficção, que apresenta a tecnologia como tênue e talvez perigoso veículo possível para anestesiar a maior das dores existenciais, sendo chocante também se constatar que tal realidade, que há décadas parecia tão remota, hoje não soa mais assim. O enredo exige atenção para que possamos aos poucos desvendar as lacunas da história, mas quando se chega perto da completude, tudo começa a ficar extremamente sensível, embora não imune de uma ou outra surpresa após meia hora de filme. É daqueles que fazem perdurar após o seu final os sentimentos, fervilhantes e misturados, deixando em sobressalto o coração por mais um bom tempo. E em que toda a complexidade só adquire um sentido real pelo brilho também dos protagonistas: Tim Robins (Um sonho de liberdade) e Jon Hamm (Mad man) – igualmente produtores executivos -, Geena Davis (Thelma e Louise) e Lois Smith (bela e maravilhosa aos 86 anos). Na verdade, tudo indica que somente a maturidade poderia permitir ao elenco atingir a perfeita harmonia com o roteiro e com a direção, para oferecer algo de tal magnitude e originalidade. Não é para todos, mas é um deleite cinematográfico. 9,5

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QUATRO CASAMENTOS E UM FUNERAL

Esta é uma comédia romântica inglesa, produzida em 1994 e bem gostosa de se ver. Também emociona em alguns momentos, inclusive porque conta com uma direção sensível, um roteiro costurado e um elenco bem afinado. Hugh Grant não é exceção, embora em grande parte das cenas não consiga disfarçar sua canastrice. Mas há ótimas presenças, principalmente das duas atrizes: Andie MacDowell, que fala tudo com o olhar e a belíssima (e com aquele elegante e nobre porte) Kristin Scott-Thomas. E apesar do seu tom leve e de na maior parte das cenas divertir, ironicamente o ponto alto do filme, emocionalmente falando, é uma cena séria, justamente a do funeral, de que fala o título (que a todo momento se imagina de quem será): aliás, trata-se de uma cena tão bela e realista, que se destaca mesmo comparada com a de outros filmes do gênero drama. Memorável o momento e o que é ali recitado, em poema de grande significado e magnificamente interpretado pelo ator. O filme é daqueles prazerosos, embora não tenha a virtude do imprevisível e da originalidade. Também atuam, entre outros, John Hannah e Simon Callow e Rowan Atkinson (o Mr. Bean) faz uma ponta muito engraçada. O diretor é o inglês Mike Newell, o mesmo de Donnie Brasco, Príncipe de Pérsia, O sorriso da Mona Lisa e O amor nos tempos do cólera. No filme ouvimos como canção original a agora conhecida Love is all around, que no final dos anos 60 fez grande sucesso na Inglaterra e nos Estados Unidos e que em 2003 seria também tema da deliciosa comédia Simplesmente amor, também com Hugh Grant. 8,6

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APERTEM OS CINTOS QUE O PILOTO SUMIU (AIRPLANE)

Consta que este foi o melhor filme já feito dentro do gênero (comédia satírica, no caso de 1980, dirigido e escrito por Jim Abrahams e pelos irmãos David e Jerry Zucker). De fato é uma comédia muito engraçada, inteligente e bem feita, com mil referências à sétima arte e aos artistas: quanto mais o espectador souber a respeito do cinema e sua história (seus filmes e trilhas sonoras) e de atores, atrizes e diretores, mais aproveitará o enredo e se divertirá. É uma coleção impressionante de tiradas cômicas por minuto e as piadas já começam com o título e a introdução do filme. O título (Airplane 1980) faz referência à famosa série Aeroporto (que iniciou em 1970, com base no livro de mesmo nome de Arthur Hailey, de 1968, e continuou com Aeroporto 75, Aeroporto 77 e Aeroporto 79 – O Concorde); e a introdução, nas nuvens, homenageia o filme Tubarão. Dali em diante são só situações humorísticas que se sucedem e que podem aparentar seriedade (e alguns assim as interpretam, com o ator Leslie Nielsen), mas essa é só uma das formas de apresentar o humor, porque é tudo sátira, tudo uma grande piada. Pelas referências, na verdade o filme é uma paródia de Zero Hour, filme de catástrofe de 1957. O filme tem muito humor non sense e humor negro e algumas cenas de verdadeiro pastelão, estando em várias listas como um dos mais engraçados de todos os tempos. Apesar disso tudo, o fato é que se trata de uma sucessão de piadas faladas e visuais e trocadilhos, durante o filme todo. O lado negativo das coisas, porém, é que tanta comicidade satírica pode cansar um pouco, de modo que algumas pessoas não conseguem achar graça com a mesma disposição e intensidade ao longo de quase 90 minutos de filme, embora outros certamente percam o fôlego e ganhem dor de barriga de tanto rir. Então tudo vai depender de cada espectador, embora seja certo de que há momentos e cenas realmente muito criativas e algumas até hilariantes. Seja como for, é uma diversão garantida, com um elenco estelar: Robert Hays, Julie Hagerty, Peter Graves, Leslie Nielsen, Lloyd Bridges, Robert Stack e a participação especial do astro de basquete Kareem Abdul-Jabbar. 8,7

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A ÚLTIMA VIAGEM DO DEMÉTER

O gênero do filme, da forma como ficou conhecido, não é “de suspense”, nem “de terror”: é “filme de Drácula” – e não há como esconder isso, na medida em que todo o apelo em torno do filme já divulga esse fato, inclusive o coloca em evidência na maioria dos posters. Mas aqui a aparência do vampiro não é a que costumamos ver, como por exemplo na famosa série protagonizada pelo inesquecível Christopher Lee. Ou seja, a forma não é a humana e sim mais de acordo com a concepção do original de Bram Stoker, ficando mais próxima de um vampiro mesmo, como um Nosferatu. Um ser de natureza predatória, do mal, sem qualquer verniz, embora, como se sabe, um morto-vivo. O livro Drácula foi publicado em 1897, quando o irlandês Abraham Stoker já era cinquentão (ele morreria 15 anos depois) e este filme se propõe a narrar os acontecimentos de uma parte do livro, precisamente o diário de bordo da viagem da escuna russa Deméter (nome da deusa da agricultura para os gregos), que transportava 50 caixas de madeira (de variados tamanhos) da Romênia para a Inglaterra. O título do filme já dá spoiler, mas na verdade nas primeiras cenas já ficamos sabendo que o navio chegou em destroços ao seu destino. Então, a história se passa inteiramente nessa viagem, em que a par dos dramas da época (1897), algo terrível se ocultava no navio e se manifestaria apenas quando viessem as sombras do escurecer. A maneira como os acontecimentos são narrados e principalmente todos os efeitos especiais, de som (leia-se qualidade do som e trilha sonora) e imagens (movimentos e ângulos de câmera, névoas) – ótima fotografia incluída -, criam um ótimo clima de muito suspense, com mistério e sustos e vísceras/sangue, típicos desse gênero de filme mas em um ambiente bastante diferente do habitual, o que torna tudo de certa forma bastante original. Para os fãs, imperdível. Para quem apenas aprecia o gênero, um bom divertimento e com momentos bem especiais que recomendam se assistir ao filme sozinho e sem distrações (inclusive de luzes): o que alguns devem considerar um grande desafio. 8,7

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OLHANDO A MORTE DE FRENTE (ROCKY MOUNTAIN)

Um faroeste de 1950, com um título ridículo em português (naquele tempo já havia esses incompetentes), interpretado pelo aclamado Errol Flynn e dirigido por William Keighley. Fato inédito foi o de tanto o ator, quanto o diretor (que já havia dirigido Flynn em vários filmes, inclusive no famoso Robin Hood de 1938) incursionarem no gênero western. Mas é um bom filme, cuja introdução à história também é insólita, com o automóvel parando ao lado da placa, que identifica o local (Rocky Mountain ou Montanha Fantasma) e resume os fatos que serão mostrados: um grupo de 8 soldados confederados (Sul), encarregados de, sob as ordens do General Lee, percorrer a Califórnia em busca de determinado contato, com o objetivo de tentar mudar os destinos da guerra, que àquelas alturas já se encaminhava para o final. A Guerra Civil Americana (ou Guerra da Secessão) terminou no início de abril de 1865 e os fatos narrados pelo filme ocorreram quase no final de março! E, como se sabe, os vencedores foram os Yankees (Norte). E entramos na aventura, que tem diligência, índios, muitos tiros, ação, perseguições/cavalgadas e algum romance no ar. Porém de mais significativo no enredo, mais do que a estratégia utilizada pelo grupo com os índios ou qualquer outro fato, é o realismo da cena no desfiladeiro e a reação, a seguir, do comando da tropa dos soldados do Norte. Algo que pertence aos americanos e à história, mas que não deixa de ser verdadeiramente comovente e significativo. A trilha sonora é do austríaco Max Steiner, autor de centenas de temas para filmes americanos, entre as décadas de 30 e de 60. 8,3

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UM PECADO EM CADA ALMA (THE VIOLENT MAN)

Grandes proprietários gananciosos, sempre protegidos por um bando armado e sem muitos freios, fazendeiros pacíficos que não desejam violência, mas que às vezes têm que se defender e as suas terras (contando com os pistoleiros que trabalham nas fazendas), triângulos e desencontros amorosos, perícia na montaria dos animais, tiroteio, violência, ação e aventura no Velho Oeste. Tudo isso está neste faroeste de 1955, dirigido pelo polonês Rudolph Maté (que fez vários filmes, mas ficou mais famoso como fotógrafo cinematográfico, sendo indicado por isso a vários Oscars inclusive) e interpretado por um trio famosíssimo do cinema: Glenn Ford, Barbara Stanwyck e Edward G. Robinson. Também atua, de conhecido, Brian Keith. Não é um filme memorável, entretanto. O roteiro é batido, porém o elenco é seu ponto forte, principalmente Stanwyck, que com o passar da história vai se tornando cada vez mais poderosa na atuação. Talvez falte mais carisma no “mocinho”, que embora fotografe bem e tenha um currículo de mais de 300 filmes, não é um John Wayne ou um Clint Eastwood. Discordo dos muitos que acharam sua atuação esplêndida. Quando se envolve em conflitos armados, o fato não parece muito natural e é meio apático o comportamento do personagem ao longo do filme: inclusive nos assuntos amorosos, John Parrish não gera empatia. Apesar disso, é um filme movimentado e vale a diversão e a última e surpreendente cena parece redimir o “heroi”, pelo menos em parte. Bom entretenimento, mas muito longe de ser um clássico do gênero. 8,0

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GRAND TURISMO: DE JOGADOR A CORREDOR

Belas imagens e algumas cenas esplendorosas, porém uma coleção de clichês: um roteiro já visto dezenas de vezes antes, linha por linha. Entretanto, mais importante do que a repetição de lugares comuns – embora revestidos de pura tecnologia e plasticidade (e som!) – é do que trata o filme: de um simulador de corridas de carros fabricado pela Playstation e aperfeiçoado até beirar a perfeição (ou seja, a realidade). De tal modo, que a Nissan idealizou colocar os pilotos dos gamers competindo no mundo real, lado a lado com os profissionais integrados às competições de verdade. O roteiro é baseado em fatos que realmente ocorreram e curiosamente o seu próprio protagonista aceitou atuar no filme como dublê, o que ficamos sabendo com os créditos finais, quando também conhecemos a verdadeira fisionomia dos personagens encenados. Um filme, portanto, muito bem feito, com instantes empolgantes e que tem o seu valor, embora de linha mestra já vista muitas vezes e até batida. A diferença é que os efeitos especiais de hoje conseguem qualquer proeza e deixam no pó aqueles de filmes icônicos antigos, como As 24 horas de Le Mans, com Steve McQueen, do longínquo ano de 1971: aqui há uma cena, subitamente paralisada, na qual em meio a uma corrida vemos um carro se decompor por segundos em todas as peças de que é feito, que ficam suspensas no ar, até serem revertidas à integralidade. O diretor é Neill Blomkamp (Distrito 9) e o personagem de David Harbour (engenheiro chefe da equipe) soa indiscutivelmente como o mais interessante e carismático do filme, enquanto o de Orlando Bloom (Danny Moore) é meramente uma caricatura. Enfim, para quem gosta do tema, uma despretensiosa diversão, talvez bem mais significativa aos fâs de games do que aos de corridas e que se bem refletido (o que a velocidade do filme não deixa…) poderá parecer, no fundo, um grande e bem produzido comercial. Cabe observar, por fim, que o título dado em português é tão tolo quanto parecem limitadas a inteligência e a criatividade daqueles que, pensando apenas no faturamento, são encarregados dessa missão. 7,6