GLÓRIA FEITA DE SANGUE (PATHS OF GLORY)

Um filmaço, este drama de guerra norte-americano (anti-guerra na verdade), feito em 1957 e dirigido por um dos maiores diretores da história do cinema: Stanley Kubrick, que antes desse filme teve poucos destaques, como o ótimo O grande golpe, de 1956, mas em compensação dirigiu simplesmente Spartacus em 1960, Lolita em 1962, Doutor Fantástico em 1964, 2001 Uma Odisseia no Espaço em 1968, Laranja mecânica em 1971 e O iluminado em 1980, entre vários outros. Alguns consideram este aqui sua obra-prima, porém, debates à parte, o fato é que realmente esta obra não envelheceu, o que somente se com os grandes filmes. Aqui vemos os horrores da Primeira Guerra, focados no conflito de trincheiras entre a França e a Alemanha e a partir de fatos específicos uma crítica contundente ao jogo de interesse dos bastidores. Ou seja, o filme mostra as atrocidades e insanidades nos campos de batalha (ótimas cenas, com uma especial fotografia), mas elege como seu interesse principal as manobras feitas por quem realmente emitia as ordens de ação, movidas pela rigidez dos regulamentos militares, mas também pelo despreparo, ego, vaidade e ambição, os altos escalões colocando seus interesses acima de qualquer sentido de ética, justiça ou humanidade. Em outras palavras, acima da vida dos soldados, havendo uma frase do filme que resume tudo isso: uma execução de vez em quando mantém a disciplina. Mas justamente o fato de o filme expor feridas delicadas e não poupar críticas aos comandos do exército Francês acabou tendo consequências inesperadas e fortíssimas: o filme foi simplesmente banido do território francês durante 15 anos, foi retirado do Festival de Cinema de Berlim e proibido na Suiça para evitar tensões com a França, só foi exibido na Espanha 11 anos após a morte de Franco e nos próprios Estados Unidos foi proibido em todos os estabelecimentos militares. Também como provável efeito disso tudo, não teve indicação a um Oscar sequer (embora indicado no Bafta, onde ganhou A ponte do Rio Kwai) – o que bem poderia, pela alta qualidade de todos os elementos de sua produção, como de seu roteiro (premiado pelos roteiristas de Hollywood) e da intensa interpretação de Kirk Douglas (A montanha dos sete abutres, 20.000 léguas submarinas, Ulisses– antes de 1957 -, além de, entre outros, Spartacus), um dos mais icônicos atores do cinema de todas as gerações e que neste drama representa a reserva moral, a resistência à corrupção e ao poder desenfreado. Mesmo assim, com o tempo o seu inegável valor cinematográfico foi reconhecido pelo público e pela crítica e em 1992 o filme foi tido como “culturalmente, historicamente ou esteticamente significativo” pela Biblioteca do Congresso e selecionado para preservação no Registro Nacional de Filmes dos Estados Unidos, feito reservado aos melhores da história (fonte Wikipédia). Filme que, portanto, vai muito além da  própria guerra e que retrata, até de forma meio caricata (no caso de generais) a miséria humana, inclusive nos personagens neuróticos e fanáticos que aborda, os quais se protegem geralmente sob o manto da rigidez das normas e do patriotismo. Aliás, a frase que define a situação toda é suficiente para tudo resumir, em sua eloquência: “o patriotismo é o último refúgio do canalha” – e vemos que enquanto alguns recebem punições injustas, acontece o grande baile de gala, exclusivo aos oficiais. O elenco é quase todo coeso, com destaque para, além de Douglas, o grande ator Adolphe Menjou, excelente como o General Broulard (repleto de facetas inesperadas). Achei fora do contexto apenas o ator Timothy Carey (soldado Ferol), que é daqueles que choram sem lágrimas, fato para mim inadmissível em situações dramáticas como as que enfrenta o personagem. Isso tudo à parte, um dos fatores de crítica mais alardeados sempre foi o da linguagem do filme, pois não é a francesa ou a inglesa com sotaque e sim o inglês coloquial comum, fato que retiraria a naturalidade e a credibilidade da narrativo. Embora a importância do fato, é um filme de grande importância e conteúdo, talvez o mais contundente já feito dentro do gênero, além de permanecer absolutamente atual em sua mensagem anti-bélica, o que acaba tornando aquelas críticas menos intensas. Por fim, é relevante mencionar outro destaque, já na parte final do filme: a cena altamente significativa e emotiva – apesar de curta – da moça que canta, interpretada por Susanne Christie (que viria a ser depois das filmagens esposa do diretor e mudaria seu nome artístico inclusive), que nos faz engolir em seco. 9,6

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