OBSESSÃO (OSSESSIONE)
Apesar de Roma cidade aberta (de Roberto Rosselini, 1945) ter sido premiado em Cannes e ser tido como o precursor do neorrealismo italiano, este filme de 1943 é considerado por muitos como o primeiro filme desse importante movimento cinematográfico, tanto pelo estilo de filmagem e em locações reais, como pelo fato de conter elementos de oposição ideológica ao fascismo, realizado em plena Segunda Guerra. Nesse ponto, apesar de membro do partido comunista (ou em razão desse fato, justamente) teve coragem o diretor estreante Luchino Visconti, que com o tempo ganharia experiência e maturidade e, corrigindo alguns problemas e algumas lacunas da incipiência (que aqui vemos), daria ao mundo grandes obras cinematográficas como Rocco e seus irmãos (1960), O leopardo (1963), Morte em Veneza (1971) e O inocente (1976), se bem que os memoráveis A terra treme e As noites brancas (Leão de Prata em Veneza) são respectivamente de 1948 e 1956. O filme apresenta temas bastante polêmicos para a época e os desenvolve com uma ótima interpretação de Massimo Girotti e Clara Calamai. É inclusive baseado no livro The postman always rings twice, de James M. Cain, que quando foi publicado em 1934 provocou um grande choque no público americano, sendo proibido de circular em muitos locais dos EUA. Os americanos por sinal filmaram duas versões dessa história, com o mesmo nome de “O destino bate em sua porta”: a primeira em 1946, com Lara Turner e John Garfield e a segunda em 1981, com Jessica Lange e Jack Nicholson, fazendo sair faísca da tela. Esta italiana, assim, é efetivamente a primeira versão do livro de Cain, observando o recato da época, mas fazendo jus à obra e deixando reticências sensuais e eróticas bem acentuadas, além de tratar de questões bem interessantes, envolvendo a paixão e o amor, o tédio e a rotina, a decepção e o confronto do amor com a realidade das vivências humanas, a mediocridade e seus tentáculos…Talvez o filme pudesse ser menos longo e é fato que em certos trechos se torna um pouco cansativo, principalmente quando em sua parte final as coisas parece saírem um pouco dos eixos, o protagonista assume atitudes meio estranhas e incoerentes e parece meio perdido (juntamente com o roteiro). Mas, no contexto geral, predomina a boa construção da trama (e do pessimismo) e o desfecho é coerente com o texto e também com a época. 8,6