ACORDAR PARA A VIDA (WAKING LIFE)
Eu tenho a tendência de não gostar de desenhos quando eles reproduzem a realidade, isto é, quando parecem filmes só que não são. Mas este é um tipo de desenho especial (sobreposto a película, com atores reais) e o conselho é “esqueça o desenho e aprecie o texto”. Porque o roteiro é muitíssimo interessante e o formato “desenho” foi escolhido de propósito por Richard Linklater (roteirista e diretor), talvez como forma de passar de uma maneira mais suave as agudas mensagens, além de inteligentes, politizadas e irônicas (Kirkgaard disse por último: varra-me de uma vez): embora essa forma implique um trabalho de grande fôlego (o filme foi feito primeiro com os atores e depois “animado” em computador). Mas os traços do desenho acabam sendo também muito interessantes, assim como a feição e o movimento dos personagens, em uma dinâmica sensivelmente planejada. Tudo muito bem cuidado, inclusive a trilha sonora (com músicas clássicas e até tangos). Cabe, porém, a importante ressalva: seu conteúdo é para adultos e de boa cultura, principalmente os que apreciam filosofia (Platão, Aristóteles, Sartre…) e gostam dos chamados “filmes de arte”. Porque o filme, de 2001 (EUA), a pretexto de contar uma história, de confusão de sonho com realidade (o personagem parece não conseguir deixar de sonhar), na verdade nos faz pensar, pontuando temas, expondo-os e discutindo-os em um nível filosófico, que envolve desde questionamentos mais simples do cotidiano, passando pelas angústias do ser humano, sua condição de presa inclusive do Estado e da sociedade, sua origem, seu destino, as relações, as pontes e muros, a morte… chegando a questões mais complexas, que falam do cérebro, seus limites, do sonho e do poder de dominá-lo (e com isso vivenciar uma nova essência), da mecânica quântica, dos impulsos inclusive elétricos que nos regem, dos dilemas da existência…Uma viagem realmente, às vezes mucho louca, que nos conduz pelo menos à reflexão, a qual talvez tivesse como veículo mais adequado um livro e não um filme-desenho: porque a velocidade do cinema não nos permite apreender totalmente o fantástico roteiro e refletir adequadamente sobre cada frase, sobre cada temática abordada e discutida, não nos permitindo pensar muito. Mas mesmo assim, tudo acaba funcionando satisfatoriamente pela qualidade incontestável da obra. 8,2