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NADA DE NOVO NO FRONT (ALL QUIET ON THE WESTERN FRONT)

Erich Maria Remarque, escritor alemão, narrou no livro que o notabilizou, de forma pungente, crua e realista, os horrores da Primeira Guerra Mundial. O livro, um clássico pacifista, foi publicado a primeira vez em 1928, portanto 10 anos após o final da guerra (1914-1918), e seu título dimensiona com uma ironia mórbida o absurdo das grandes guerras: e Remarque o escreveu com a autoridade de quem participou dessa Guerra, vivenciou o horror e sentiu os traumas, inclusive por ter sido ferido em três ocasiões. O título do livro foi mantido por aqueles que o adaptaram para o cinema, sendo o mais aclamado e famoso até hoje o filme de 1930, dirigido por Lewis Milestone e que ganhou o Oscar daquele ano nas categorias de Filme e também Diretor (o prêmio começou a ser dado em 1929). No entanto, esta produção de 2022, Netflix, dirigida por Edward Berger, veio para fazer história e se integrar às grandes obras da sétima arte. Não só porque é uma adaptação direta do livro, mas porque apresenta a visão alemã dos fatos e principalmente porque faz tudo isso de uma forma espetacular e tecnicamente perfeita: ambientação/reconstituição da época, fotografia sem cores quentes, trilha sonora musical mas também com notas graves, marcantes, indigestas mas evocativas do perigo, direção e edição perfeitas, movimentos de câmera, som, cenários e direção de arte, tudo de alta qualidade. A realidade das trincheiras é visceral na tela, brutal, cruel, violenta, impactante, impregnada da lama permanente (também em sentido metafórico), do medo incansável e da morte rondando a todo instante, tirando o sono, disfarçando a fome, podendo-se até sentir o cheiro de podridão e pólvora, do sangue que brota de todo lado, em tons ferruginosos. E Felix Kammerer, com uma atuação notável, complementa a harmonia e apresenta um desempenho à altura da obra: desde o momento em que aparece, com colegas da mesma precoce idade, com entusiasmo patriota ao se engajar ao exército alemão, como resultado da propaganda romantizada da guerra, até os instantes que o transformam completamente, quando se vê defronte a realidade, da agonia do monstro, em meio a algo de que não se tinha escapatória possível e onde a única saída era sobreviver e fazer o necessário para que isso ocorresse, longe de quaisquer conceitos éticos ou de um mínimo de humanidade. Um filme incômodo, perturbador, mas necessário para a reflexão sobre as guerras e especialmente sobre o que foi essa desumana guerra no início do século XX, onde morreram mais de 13 milhões de pessoas, ficaram feridas ou mutiladas mais de 20 milhões e onde se utilizaram métodos até então nunca vistos para combater o inimigo: produtos químicos, lança-chamas, tanques de guerra. Fora a infestação de piolhos e ratos, causadores de diversas doenças, das lesões de pele causadas por bactérias (febre das trincheiras), tifo, peste, entre outras causas incapacitantes. Precursora da Segunda Guerra, conforme se intui. E, longe da frente das batalhas, naturalmente são mostrados os oficiais com sua majestosa e confortável postura, à distância dessa terra de ninguém que é o front (que permite poucos avanços embora em muito tempo), prosseguindo em suas vidas e mordomias normais. O único “problema” do filme é que muitos já foram feitos sobre esse tema e ultimamente houve também uma superprodução abordando a Primeira Guerra com rara maestria: “1917”. Entretanto, mesmo assim, este é único em seu ritmo, peso e abordagem, em sua profundidade realista, constituindo uma realização marcante e soberba e que fatalmente será merecedora de muitos prêmios, inclusive com reais possibilidades de ganhar não só o Oscar de Melhor filme estrangeiro, mas, conforme o caso, também o de Melhor Filme do ano de 2022. Não é para todos os gostos, nem para todos os momentos, mas é inegavelmente uma obra de fôlego inesgotável. 9,7