A DOCE VIDA (LA DOLCE VITA – 1960)

Este é um dos filmes mais festejados do diferenciado diretor italiano Federico Fellini. Realmente ele criou um estilo original e todo peculiar, onde inclusive costuma inserir temas caros apenas a ele, ou seja, imagens relacionadas com suas memórias e fantasias e que tornam um pouco mais difícil o entendimento de alguns de seus filmes. Neste caso, isso praticamente não acontece, como é a tônica de “Oito e meio”, por exemplo. Aqui, Fellini faz um passeio movimentado, festivo, mas altamente crítico, sobre a Itália na época em que se tornou um importante centro da vida mundana europeia, aliás, o que indica o próprio título do filme, pois, embora carregado de certa ironia, la dolce vita retrata a filosofia (e a situação) de muitos – e que são os enfocados -, de viverem a vida com total liberdade e alguma irresponsabilidade, visando apenas as coisas boas e os momentos especiais da vida, de deleite e prazer, em boa companhia e em alto estilo. Naquela época, a vida cultural italiana estava efervescente, concentrando artistas, intelectuais, atores, atrizes, enfim, uma espécie de globalização como se fosse uma nova Hollywood e o filme critica a alta sociedade romana, exibindo sua radiografia e escancarando sua decadência. O filme ganhou a Palma de Ouro em Cannes e Fellini naquelas alturas já era um diretor respeitado e consagrado, pois anteriormente já havia conquistado o Oscar de “Melhor filme estrangeiro”, tanto em 1954 para “A estrada da vida”, quanto em 1957 para “Noites de Cabíria”. Nesta produção ele extravasa todo o seu peculiar estilo, criatividade, inteligência e originalidade, expondo a vida cultural e social italiana, inclusive quanto ao mito das celebridades, a impressionante instituição dos paparazzi, a cidade repleta com sua vida noturna e movimento, incluindo uma singular coleção de tipos humanos, exóticos, bizarros, libertários, intelectuais, novos-ricos, pobres e milionários, todos vivendo em uma atmosfera que parece cada vez mais irreal e próxima da ociosidade, futilidade e do tédio. O elenco tem excelente desempenho, composto, entre outros, por Marcello Mastroianni, Anita Ekberg, Anouk Aimée, Yvonne Furneaux, Lex Barker (de 1949 a 1953, quando tinha de 30 a 35 anos, foi o Tarzan do cinema, em substituição a Johnny Weismuller que se aposentou). O enredo é, claro, capitaneado pelo excelente Marcello Mastroianni, ator preferido do diretor e frequente em seus filmes, que faz um jornalista de sociedade (ou de fofocas) galanteador e o homem vazio à procura de algo que o preencha e o torne completo e satisfeito. Mas é um mosaico que não se limita ao vazio existencial do protagonista, incluindo variados temas, até mesmo religiosos, não sendo raro misturar o sagrado e o profano: vide a primeira cena e o furor da mídia em torno da aparição da Madona. A extravagância visual é outro fato notório e em parte se realiza na feliz escolha da exuberante atriz Anita Ekberg para fazer Sylvia (uma atriz americana), que protagoniza com Marcello uma das cenas mais icônicas do cinema, dentro da Fontani di Trevi. Na sua parte final, o filme mostra a decadência, representada em uma festa e o comportamento do protagonista, diante da impossibilidade de alterar o destino, de voltar à inocência e isso se comprova na eloquente e a princípio estranha e incômoda cena da praia, quando Marcello (o personagem tem o mesmo nome do ator) simplesmente não consegue ouvir o que a bela e cândida loira – e que antes conheceu  – tenta lhe falar. O filme é constantemente listado entre os melhores da história do cinema e recebeu outros prêmios além da Palma de Ouro, como o “David di Donatello” de “Melhor diretor”. Interessante que na época foi reprovado pela classe artística e pelos políticos de extrema direita, que, pelo que se conta, tacharam-no de imoral e tentaram bani-lo dos cinemas, levando Fellini inclusive à psicanálise (fontes da internet). 9,3

____________