BONECA DE CARNE (BABY DOLL)

Este filme de bela fotografia em preto e branco protagonizou um dos grandes escândalos do cinema, ao ser lançado em 1956. Foi alvo de manifestações indignadas da Liga Católica (da Decência) dos Estados Unidos e até mesmo proibido em várias localidades, por pouco não sendo vedada sua exibição em todo o território americano. A prestigiada Time Magazine inclusive proclamou que se tratava do filme mais sujo já produzido. Talvez o fato de se basear em texto do aclamado e laureado Tennessee Williams (um dos maiores dramaturgos dos EUA) e o de ter sido dirigido pelo famoso Elia Kazan tenham amenizado um pouco o fervor do movimento de protesto, mas a razão principal de tudo foi a sensualidade que permeia todo o filme, advinda da personagem que lhe dá título e do desempenho (memorável) da atriz Carroll Baker (que no mesmo ano atuou em Assim caminha a humanidade). Ela desempenha com maestria um papel difícil e que na maior parte do tempo exala inocência e pureza, mas em alguns momentos desfaz essa impressão nas entrelinhas. Seja como for, o filme gira em torno dela e, portanto, é praticamente dominado por um erotismo nos diálogos e no próprio comportamento da personagem, mesmo que muitas vezes essa sensualidade fique meio velada, justamente pelo aspecto da pureza: de se notar, inclusive, que não há no filme qualquer cena de nudez ou de sexo. Mas a pimenta está todo o tempo no ar! E basta ver o filme hoje em dia, para se imaginar o impacto que causou na época, até porque mesmo atualmente é algo provocante, principalmente pelo clima que apresenta e por aquilo que sugere (notadamente com seus jogos sensuais velados). Nesse sentido, o ator Eli Wallach – que ficaria famoso mais tarde pela atuação em “Três homens em conflito”, filme de Sergio Leone, com Clint Eastwood e Lee Van Cleef -, embora muito elogiado por ser este seu trabalho de estreia no cinema, não teria sido totalmente fiel ao personagem literário, faltando a ele o elemento sedutor. Mesmo assim, a performance do ator já parecia a de um veterano, embora também estranho o seu personagem. Mas tudo aqui é efetivamente meio estranho, desde a casa, o pacto entre o casal, o comportamento dela e também o dele, interpretado pelo esquisito ator Karl Malden (com sua eterna cara de amalucado), que tem, entretanto, consistência, a ponto de ter ganho o Oscar de Coadjuvante pelo filme “Uma rua chamada pecado/Um bonde chamado desejo”, dirigido pelo mesmo diretor deste: o grego-americano Elia Kazan, que antes já havia conquistado seu prestígio e presenteado o cinema com obras como Pânico nas ruas (1950), Viva Zapata (1952), Sindicato de ladrões (1954), e Vidas amargas (1955). Ainda sobre o elenco, embora apareça pouco, desempenha otimamente bem a atriz Mildred Dunnock, no papel da tia meio desmiolada – tanto, que indicada ao Oscar. Em meio a tanta estranheza, a trilha sonora é compatível com a de todos os filmes baseados em textos de Tennessee Williams. Em suma, é um filme que embora hoje em dia soe obviamente diferente de há 70 anos, com alguns vazios e cenas meio bizarras, não dá sinais efetivos de envelhecimento, ao manter viva sua atmosfera de sensualidade e mistério, graças em parte ao roteiro e à direção, mas principalmente à personagem da Baby Doll e à atriz que lhe dá vida – a propósito, comentou-se que estava sendo cogitada para o papel Marilyn Monroe, mas talvez se isso tivesse ocorrido haveria uma inevitável sofisticação na personagem, pecado não cometido por Carroll Baker. O filme foi indicado para os Oscar de Atriz, Atriz coadjuvante, Roteiro e Fotografia, mas nada ganhou (o que não surpreende, pelo escândalo já referido); entretanto, Elia Kazan ganhou o prêmio de Melhor diretor no Globo de Ouro, o que foi realmente um grande feito! 8,9