MONSIEUR VERDOUX
Este é um filme de 1947, escrito, produzido e dirigido por Charles Chaplin (além de outras atribuições, como ser o autor da trilha sonora etc), a partir de uma ideia de Orson Welles (que também escreveu um roteiro inicial). Portanto, dois grandes mestres envolvidos. A história se baseia na vida de um criminoso que realmente existiu e praticou os crimes semelhantes aos retratados no filme (no final dos anos 1800), só que tal retrato é feito por Chaplin de uma forma discreta, sutil e elegante naturalmente, mantendo o estilo que sempre o caracterizou. Aliás, esse feitio que tornou famoso o “vagabundo” é justamente o responsável pelo maior conflito que o espectador experimenta, ao contemplar agora, não aquele maravilhoso cômico, mas um dissimulado assassino de mulheres ricas, de quem subtrai as convenientes fortunas. Muito embora aqui se trate de uma história com tons de humor, na verdade de humor negro, há um inevitável choque na comparação, entre Verdoux e o genial comediante de dezenas de obras de décadas anteriores – Chaplin ainda faria Luzes da ribalta em 1952, Um rei em Nova Iorque em 1957 e Condessa de Hong Kong em 1967. Entretanto, não considero que seja essa perplexidade com o Chaplin insólito ou mesmo a mistura de drama de temática forte, humor e leveza de estilo (que se percebe claramente, do velho Chaplin, em algumas cenas) que causam o estranhamento ao espectador. Isso, é claro, contribui, mas sente-se que em seu desenvolvimento o filme apresente altos e baixos, momentos inconsistentes e insatisfatórios, embora predominem os de qualidade. Há aqui ótimos momentos, mas também certas cenas sem qualquer atração ou magnetismo. E de modo claro parece que efetivamente os problemas pessoais enfrentados pelo autor (inclusive com os EUA, por ter sido indiciado pelo macartismo) refletiram fortemente em cenas e diálogos políticos do filme (anticapitalistas) e tornaram boa porção da sua parte final inesperadamente “manca” (família que sai simplesmente de cena e um julgamento menos do que morno, em fatos e argumentos, inclusive no modesto discurso antibélico). No final das contas, o saldo é de fato positivo, mas o filme ficou devendo muito, considerando os dois gênios envolvidos, a despeito de, no dizer de Truffaut, ter exorcizado em parte os fantasmas que assombravam o diretor. Curiosidades: pelo tema, pelo estilo e por quem o criou ter negado o estilo anterior e que o consagrou, o filme foi um fracasso de bilheteria na época, sendo francamente rechaçado por público e crítica – só com o tempo seus méritos foram reconhecidos; é o filme de Mady Correll em que se mostra mais bela e fotogênica; a citação de Verdoux: “Um assassinato faz um vilão, milhões fazem um herói” é retirada de um discurso do bispo abolicionista Beilby Porteus (1731-1808); Chaplin teve que mudar alguns diálogos para que o filme fosse liberado e mesmo assim, para poder estrear, teve que suprimir na época o subtítulo “Uma comédia de assassinatos”; no ano seguinte ao da estreia, os produtores do filme foram processados por um parisiense e bancário também de nome Henri Verdoux. 8,3