TESTAMENTO

Este não é um filme para todo tipo de público, podendo ser enquadrado como filme “de arte”. Tanto pelos temas, quanto – e principalmente – pelo ritmo/andamento e forma de passar a mensagem. É um filme intelectual, pode-se dizer, canadense e produzido em 2023. Na realidade é uma comédia satírica, porém inicia muito lentamente e sem um sentido definido, o que a torna, até certo momento, bem enfadonha. È necessária uma boa progressão para que, finalmente, se comece a entender a que o filme se propõe e se compreenda e identifique seu exato perfil, inclusive o de seus personagens. Sem dúvidas, o brilho maior aqui é do veterano Rémy Girard (O declínio do império americano, Invasões bárbaras, Incêndios), que tem 74 anos e interpreta um idoso de quase essa idade, aposentado e que externa sua filosofia de vida com um cinismo cordial, aparentemente preparado para a solidão da idade, com o envelhecimento e o desaparecimento de amigos e parentes (“meu pai me disse uma vez: não tenho mais ninguém com quem conversar”); mas que, ao mesmo tempo, demonstra sua aceitação apenas relativa (com reservas) do mundo contemporâneo e do que atualmente o cerca, conforme povoado por uma geração que não conhece determinados valores de ética, educação, cultura e que defende de modo excessivo o “politicamente correto” e as chamadas “minorias”, a um ponto que torna às vezes as coisas extremamente injustas ou bizarras, de outro lado permitindo o surgimento de aproveitadores e “revolucionários de ocasião”. Em suma, uma geração que não conhece os princípios da chamada “geração Boomer” (nascidos entre 1946 e 1964), embora tudo acabe girando e evoluindo de modo a unir todos os seres e gerações diante de um mesmo destino de viver e de morrer. O filme critica a sociedade de consumo e tecnológica atual, a burocracia das instituições insensibilizadas e os políticos (“A única arte que os políticos conhecem é o Cirque du Soleil”). Há várias temáticas inseridas em um contexto intelectualizado, mas que a partir de certo momento se torna bastante claro e traz ao espectador a emoção e o entendimento que lhe faltavam para compreender perfeitamente a obra e os intuitos de seu célebre diretor Denys Arcand, cineasta – pensante – canadense e que já nos presenteou com belas obras, como O declínio do império americano e As invasões bárbaras, inclusive com esse último ganhando em 2004 o Oscar de Melhor filme estrangeiro. De ponto negativo mesmo, além do início moroso e estranho, apenas uma cena ridícula e exagerada (desnecessária), mais para pastelão, na solenidade de entrega de prêmios literários. Mas não afeta o equilíbrio do contexto e no final a mensagem é inesperada e benfazeja. 8,5