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OS INCOMPREENDIDOS (LES QUATRE CENTS COUPS)

Houve determinados Movimentos que foram essenciais na história do cinema, como o Expressionismo alemão, o Neo-realismo italiano e nos anos 90 o Dogma dinamarquês. Muitos dos filmes produzidos terão sempre sua importância histórica reconhecida, assim como sua contribuição técnica ou artística para a sétima arte, mas alguns deles são difíceis de ver (inclusive entediantes, como A aventura, de Antonioni, do néo-realismo italiano, que, no entanto, é um dos mais festejados). Mas Os incompreendidos é, ao mesmo tempo, uma obra de grande conteúdo e prazerosa de se ver (embora dolorosa sob determinado ponto de vista) e de grande importância, porque inaugurou oficialmente a conhecida Nouvelle Vague do cinema francês. Apresentado em 1959, foi o primeiro longa-metragem do diretor François Truffaut, considerado um dos mais importantes diretores da história, não apenas do cinema francês, mas de todo o cinema, e que na época tinha apenas 26 anos. A propósito, Truffaut e outros diretores cinéfilos que escreviam para a famosa revista Cahiers du Cinéma (como Jean-Luc Godard, Éric Rohmer, Claude Chabrol e Jacques Rivette) inauguraram esse Movimento, quando resolveram criar uma nova linguagem para o cinema, onde o diretor passava a ser o grande protagonista do processo criativo dos filmes, que passaram a ser povoados de ambientes externos, iluminação natural, planos longos, referências, improvisos, temas existenciais, liberdade plena para a câmera, baixos orçamentos e a ter o protagonismo de personagens tidos como marginais, sendo centrados nas temáticas da própria vida real. A denominação Nouvelle Vague, que significa “nova onda”, foi criada em 1958 pelo jornalista Françoise Giroud. Naquele ano Claude Chabrol dirigiu Nas garras do vício, em 1960 Godard, com base em roteiro de Truffaut, fez o famoso Acossado e dois anos depois Éric Rohmer dirigiu seu primeiro longa: O signo do leão. Outro nome importante da época foi Alain Resnais, de Hiroshima, meu amor, de 1959 e em um período de três anos cerca de 170 cineastas produziriam obras consideradas integrantes desse “Movimento”. O título deste filme faz referência à expressão francesa “Faire les quatre-cent coups”, que significa “fazer muitas travessuras, praticar delitos…” e assim por diante e o filme mostra a vida e as experiências do garoto Antoine Doinel, entre o final de sua infância e o começo da adolescência (amargo retrato), às voltas com a falta de amor materno e com a opressão da própria educação, caseira e da escola autoritária, dos falsos moralismos e métodos fascistas de educar. Esse personagem é inclusive tido como um alter ego de Truffaut, que, entretanto, sempre negou esse fato. Pelo menos parcialmente. O menino foi magnificamente interpretado pelo ator Jean-Pierre Léaud, na época com 14 anos, e que viria a trabalhar com o diretor em mais seis filmes, sendo quatro deles com o mesmo personagem, em diversas fases de sua vida, fato histórico no cinema: Antoine et Colette (1962), Beijos proibidos (1968), Domicílio conjugal (1970) e Amor em fuga (1979). Um filme muito importante, com várias cenas marcantes (como a das crianças vendo o show de fantoches) e com um início e um final memoráveis: o filme começa com um lindíssimo passeio da câmera pela Paris dos anos 50 (e ao longo do filme veremos muitas outras imagens) e termina com uma cena inesperada, mas muita bela visualmente e de amplos significados, sendo algo ao mesmo tempo libertador, arrebatador e que deixa um ponto de interrogação quanto ao futuro. E tanto no início, quanto no final e ao longo de diversos momentos do filme, nos emocionamos e somos acariciados pela aparentemente simples porém maravilhosa e inesquecível música-tema, composta por Jean Constantin. Os pais do menino são interpretados por Claire Maurier e Albert Rémy e  como curiosidade temos uma meteórica aparição no filme de Jeanne Moreau e Jean-Claude Brialy (a jovem senhora procurando seu cão e o sujeito de terno que aparece), dois nomes que à época já eram expoentes no cinema francês. O filme foi um sucesso de público e crítica, não apenas na Europa, mas também nos Estados Unidos, tendo sido inclusive indicado a Melhor filme no Festival de Cannes de 1959, onde Léaud ganhou uma Palma de Ouro honorária e Truffaut acabou ganhando na categoria de Melhor direção. Teve também indicações ao Oscar (roteiro) e ao Bafta (filme e ator revelação). 9,3