O MENSAGEIRO DO DIABO (THE NIGHT OF THE HUNTER)

Este é um filme de 1955, o único dirigido pelo grande ator Charles Laughton (O grande motim, Testemunha de acusação, O corcunda de Notre-Dame), que também ajudou no roteiro e aqui fez um trabalho de mestre, valorizado bem menos do que mereceria. Este é um filme que destoa dos demais, não somente da época, mas de toda a história do cinema, contendo uma atmosfera difícil de definir precisamente, mas que fica entre o assustador e o lírico. As cenas que mais definem esse aspecto são as do barco navegando pelo rio, com as crianças, com a natureza exuberantemente filmada e se manifestando ao redor (os animais, ao longo da margem), em um panorama que é tão encantador e onírico, quanto misterioso e até sinistro. O filme é carregado de sombras, em um preto e branco belíssimo, na fotografia singular de Stanley Cortez e seu desenrolar é permeado justamente pelo contraste citado, em uma permanente oposição entre o claro e o escuro, entre as crianças (e seu mundo de normalidade e sonhos) e o reverendo, este uma criação notável do ator Robert Mitchum, que propositadamente desempenha o personagem de forma caricata e com elementos malignos: um psicopata travestido de pregador e que tanto é malvado, quanto imprevisível em seus atos. O que torna ainda maior o suspense do filme, que se passa em época muito difícil para os americanos, que foi a da pós-depressão de 1929. Os grandes momentos são enaltecidos pela ótima trilha sonora, que ora sugere tons leves, até de comédia, ora pesados, a cada aparição do falso e aterrorizante profeta, em total contraponto. Na verdade, trata-se de uma fábula adulta e esse fato fica evidente quando o “pastor” entrelaça os dedos das duas mãos (cada dedo tatuado com uma letra), simulando uma luta do bem contra o mal: as letras dos dedos da mão esquerda formando a palavra “hate” (ódio) e da direita a palavra “love” (amor). Trabalham no filme Shelley Winters, Peter Graves (o Jim, da série de 1966 Missão impossível) –em pequeno mas importante papel- e com grande atuação Lillian Gish, na época com 62 anos e já consagrada atriz, com uma carreira de setenta e cinco anos de cinema, iniciada em 1912: certamente, aqui foi com justiça homenageada por Laughton, inclusive porque considerada a maior atriz do cinema mudo. Hoje este filme é considerado um dos grandes noir de todos os tempos, mas, seja como for, suas qualidades e originalidade são incontestáveis, bem como sua ousadia e força ao tratar de temas que ainda hoje continuam atuais, mas que certamente eram bastante polêmicos na época, como maternidade e orfandade, casamento e separação, religiosidade real e falsa, poder e ganância e até –spoiler, atenção!- feminicídio. Vítima de muitas e pesadas críticas na década de 50, hoje é tido como uma obra de grandiosa importância artística (e estética, acrescento). 9,0