LADRÕES DE BICICLETA

Um dos Movimentos mais importantes do cinema foi o Neorrealismo italiano, que efervesceu depois do final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e revelou diretores que se empenharam tanto em buscar linguagens novas para a sétima arte, como em contar histórias enfocando a realidade do pós-guerra e do próprio homem, inclusive resultante das tragédias que o país vivenciou. Os temas de cunho social e político passaram a ser narrados em formatos cinematográficos diferentes, filmados com pouquíssimos recursos e mais preocupados realmente em retratar as condições de vida, incluindo a opressão, o desespero e o desencanto, ou seja, a realidade social que acabou rompendo, no mundo da arte, com o glamour da fantasia dos filmes que eram exibidos até então, produzidos nos estúdios americanos e passando uma imagem do falso paraíso hollywoodiano. O primeiro filme considerado neorrealista foi Obsessão, de Luchino Visconti, de 1943, mas o Movimento se tornou conhecido e famoso mesmo com Roma Cidade Aberta, de Roberto Rossellini, de 1946 e que inclusive foi vencedor em Cannes. Esse cineasta, tido como experimentalista, produziu outros dois importantes filmes, que completaram assim a sua conhecida trilogia da guerra: Paisà (1946) e Alemanha Ano Zero (1948). Ao lado dele e de Visconti ( também autor de A terra treme, de 1948, entre vários outros) também foi expoente da época Vittorio de Sica, que, todavia, apresentava um estilo de dirigir mais próximo do tradicional, a despeito de também focar nos dramas das classes mais baixas, vítimas da pobreza e da miséria. E uma década depois e na que se seguiu, ainda havia cineastas com raízes neorrealistas, como Pier Paolo Pasolini, Bernando Bertolucci, Marco Bellocchio (embora com outras influências também, inclusive da Nouvelle Vague francesa – vide resenha de Os incompreendidos) e até mesmo o grande Federico Fellini, o qual, entretanto, imprimiu uma originalidade e estilo peculiares no olhar da condição humana. Este filme, tido por muitos como o mais relevante do neorrealismo italiano (apesar de Roma Cidade Aberta…), triste, tocante e singelo, dirigido por De Sica em 1948/1949, apresenta um painel realista e desolador da Roma degradada fisicamente pela guerra e símbolo de uma Itália enfraquecida, onde os dramas humanos se sucediam e se misturavam, em um mosaico de pobreza e de movimentos às vezes desesperançados, de desemprego e subempregos, em busca da reconstrução. O filme se concentra em uma situação envolvendo uma família, em que pai e filho iniciam uma jornada inesperada e dramática, da qual muitos fatos sociais emergem, inclusive a criminalidade e a corrupção humanas como decorrência da miséria e até a corrupção da própria infância pelos adultos (embora o filme também enfoque a distância entre as classes sociais). A bicicleta, transporte comum do operariado, foi inteligente escolha como o móvel de todo o enredo, conduzido por uma maioria de atores amadores. O título do filme, com a primeira palavra no plural, também é significativo. O roteiro, por sua vez, resplandece na excelente direção de De Sica e na visceral interpretação de pai e filho, protagonizado por Lamberto Maggiorani e Enzo Staiola, respectivamente, em uma relação comovente e com a qual certamente muitos se identificaram e ainda se identificarão nesta obra tida como um clássico, que envolve totalmente o espectador com sua maestria. O filme ganhou um Oscar honorário em 1950 como melhor filme estrangeiro – essa categoria só seria oficial no Oscar em 1957, quando premiou A estrada, de Fellini)-, tendo sido também indicado a melhor roteiro, assim como foi o vencedor de Melhor filme no Globo de Ouro, no Bafta e no Festival de Locarno (não houve no ano de 1950 o Festival de Cannes). 9,3