CRY MACHO

Como diz a minha ídola Isabela Boscov, mesmo que não seja um dos grandes filmes feitos por Clint Eastwood, qualquer filme dele merece ser visto, por ser ele quem é e pelo respeito que devemos a ele devotar: uma lenda-viva do cinema. E por menos força e originalidade que tenha qualquer história contada por ele, a narratuva vai no mínimo confirmar os valores nobres do ser humano, que ele não permite em suas obras serem esquecidos. De fato, aos 91 anos de idade – que percebemos pelas condições físicas do personagem, as quais infelizmente não conseguimos dissociar das do ator -, Clint já poderia estar há décadas usufruindo de um merecido descanso. Mas não dá trégua e não se deixa abater: continua produzindo e dirigindo filmes e ainda neles atuando, sempre com a velha empatia. E impregnando neles sua visão do mundo e seu estilo pessoal de dirigir: os filmes de Clint têm emoções, momentos de grandeza e a chama viva de humanidade, por mais difíceis que sejam os caminhos a serem percorridos. Este em particular, em parte possui a natureza de um road movie e a grandeza em muitas cenas das boas obras literárias. Embora seja a repetição de coisas já vistas muitas vezes. Começa lindamente com uma balada country do melhor estilo texano, no caso “Find a new home”, cantada pelo ótimo Will Banister, e que tem tudo a ver com o enredo que iremos acompanhar, onde os fatos irão ocorrer lentamente, bem ao estilo de Clint, sempre tentando desfazer, aos poucos que seja, a imagem do heroi infalível de outrora. Nos filmes dele, os afetos se formam com o tempo e por isso solidamente. Este filme tem um roteiro já batido, não há nada de imprevisível ou muito original, mas justamente os sentimentos e a sensibilidade do diretor é que tornam as coisas palpáveis e emocionais, representadas em belas cenas, como a do café da manhã, a do cavalo sendo encilhado, a do belo bolero (Sabor a mi) ao lado da fogueira, a dos dois jovens com reticências pairando no ar, a da dança…Clint sabe tudo sobre cinema e sobre contar uma boa história, conhecendo de cor o caminho das pedras. Esse fato consegue elevar qualquer história, que nas mãos de outro ficaria absolutamente insípida. Não tendo mais nada a provar, aqui o ator que se consagrou desde os westerns do cavaleiro solitário, os policiais de Dirty Harry e sua magnum 44 e os filmes que brilhantemente dirigiu, como, por exemplo, Sobre meninos e lobos, Menina de ouro, Gran Torino, Além da vida e Os imperdoáveis (um dos grandes faroestes da história do cinema), empresta mais uma vez ao espectador um pouco de sua filosofia de vida, pela qual, ao lado das dificuldades, impera o otimismo e o lado bom e generoso dos seres humanos, razão pela qual percebemos na última cena não apenas a fumaça da bondade e da alegria, mas a certeza de que é possível colorir a vida com os tons da beleza e da esperança. 8,0