AMORES DIVIDIDOS (EVE´S BAYOU)

O início e o final deste filme de 1997 são absolutamente memoráveis. Impressionantes. No começo, a personagem conta sua ascendência, os motivos de ali morar e os fatos que marcaram a sua vida, notadamente a partir de seus 10 anos, quando algo muito grave ocorreu. No final do filme, narração em off é simplesmente maravilhoso o texto: “Assim como outros antes de mim, eu tenho o dom da visão. Mas a verdade muda de cor, dependendo da luz. E o amanhã pode ser mais claro do que o hoje. Memória é a seleção de imagens, algumas enganosas, outras impressas indelevelmente no cérebro. Cada imagem é como um fio, cada fio tecido junto para criar uma tapeçaria de uma textura intrincada. E a tapeçaria conta uma história, e a história é nosso passado”. Eis o mistério do filme, que enfoca exclusivamente o universo de uma família negra dos anos 60, na Lousiana (o que implica todo o contexto geográfico e místico do sul dos EUA – isso atraindo uma bela e típica trilha sonora !), sob a ótica da menina protagonista. O “bayou” do título, segundo a Wikipédia, é um termo geográfico que no sul dos Estados Unidos (especialmente em Luisiana) serve para designar uma massa de água formada por antigos braços e meandros de rios como o rio Mississippi. Os bayous formam uma rede navegável de milhares de quilómetros. Nos bayous, uma corrente muito lenta, apenas levemente percetível, flui para o mar durante a maré baixa e para cima na maré alta. Um bayou está geralmente infestado de mosquitos e outros insetos voadores. O filme, produzido e interpretado pelo notável Samuel L.Jackson, tem um competente e coeso elenco e foi escrito e conduzido por Kasi Lemmons, americana, em sua estreia no cinema (posteriormente dirigiu e atuou em O mistério de Candyman). É um drama familiar complexo, que aborda diversas temáticas, como tristeza, raiva, mágoas, amor, culpa, perda, memória, crescimento etc, com sensibilidade e apoiando-se no misticismo local e em reticências propositais e muito ricas em significados, inclusive nos assuntos de clarividência. Obra sensível, que equilibra muito bem suspense e drama e que tem apenas algumas inconsistências em seu desenvolvimento, o que, por vezes, impede a plenitude de sua harmonia. 9,0