AMARCORD
Depois de ver o filme IN SEARCH OF FELLINI (de 2017), fiquei motivado para rever alguns filmes do diretor e comecei por este, que lembro de ter achado chato quando o vi na adolescência. Minha visão agora mudou, mas compreendo porque muitas pessoas acharam ou ainda acham o filme uma chatice: porque não conta propriamente uma história, com começo, meio e fim, e sim é uma colagem de memórias do diretor quando morou na cidade de Rimini (onde nasceu). Trata-se de uma coleção de personagens e fatos, em cenas desconexas, mas que evocam diversas lembranças de infância, as quais incluem também os mais diversos e exóticos personagens – o chamado “surrealismo felliniano”. O título Amarcord é uma referência à tradução fonética da expressão a m’arcord (eu me lembro), usada na região da Emilia-Romagna. Desfilam diante de nós as reuniões de família ao ar livre, o tio louco internado e que acaba sendo “resgatado” por uma freira anã, o barbeiro, o padre desatento à confissão, o gaiteiro cego, o maluco da moto em velocidade, a prostituta, a gorda da tabacaria (inesquecível cena, seguida da febre do garoto “alter-ego” de Fellini), a igreja, o cinema (onde até cachorro entra), as molecagens, o encanto da neve, a majestade do pavão, os poderes do mar (portentosa a cena do navio), os hormônios e a hora de deixar a calça curta, a musa de todos (Gradisca e que na verdade só quer é constituir família) e assim por diante. Enfim, um universo farto e comum a muita gente e absolutamente rico, da época do fascismo e contemplando a vida simples do interior. Os méritos do diretor são inegáveis, inclusive por parecer não ter deixado nada de fora, mas principalmente por ter conseguido harmonizar um numeroso e diversificado elenco de um modo que tudo parece tão natural, que o espectador se vê transportado para aquele mundo na condição de um mero voyeur observando a realidade. Humor, lirismo e poesia são muito bem dosados, as imagens impecavelmente construídas e costuradas e ainda o filme nos brinda com um achado: a música-tema, que se espalha por toda a obra, com variados arranjos e apresentações (composição de Nino Rota e Carlo Savina). O filme – que ganhou o Oscar de Melhor filme estrangeiro em 1973 – termina e nos deixa uma sensação forte de nostalgia, o que não é qualquer obra que provoca. Quem não teve na infância experiências memoráveis? De aventuras, algumas talvez eróticas, secretas, com a morte, com a religião, com o amor…inesquecíveis, enfim? Delas nunca esqueceremos, pois fazem parte de nós. E a elas agregamos agora também as da infância de Federico Fellini. 9,0