A MARCA DA MALDADE (TOUCH OF EVIL)

Este filme de 1958 é considerado o último produzido do gênero “noir”. Se assim foi, terá encerrado o ciclo com pleno êxito, porque é uma obra portentosa, de grande força visual e análise de personagem. Na verdade, o grande destaque aqui se chama Orson Welles. Que roteirizou, dirigiu e atuou. Tudo esplendidamente! Conta-se que ele iria apenas atuar no filme, uma vez que havia escrito o roteiro, mas que em razão da interferência (proposital ou não) de Charlton Heston acabou sendo o diretor. E que diretor! As cenas, as tomadas, os ângulos/enquadramentos de câmera (fotografia em belo preto & branco) são notáveis, com todas as características do cinema “noir”, além da perfeita adequação de figurino e trilha sonora (do famoso Henry Mancini). E edição, naturalmente, porque o ritmo é incessante e aliado aos diálogos sequenciais e alguns afiados ou cínicos fazem com que o espectador não desgrude os olhos. Mas também é destaque a atuação de Orson no papel do corrupto porém enigmático capitão da polícia (ambivalente na ação e na lógica moral): impressionante realmente o seu desempenho para um personagem complexo, uma aula de interpretação. A trama toda se passa na fronteira dos EUA com o México, onde ocorre um crime e a partir daí passam a acontecer diversos fatos, quase todos decorrentes das divergências de pensamento e método entre a autoridade mexicana (Charlton Heston, não muito convincente nessa nacionalidade) e a americana, no caso o personagem de Orson, o “xerife” Hank Quinlan, de forte ascendência sobre todos os demais, por sua personalidade e autoridade, embora permanentemente alcoolizado. A esposa de Ramon Vargas (personagem de Heston) é muito bem interpretada por Janet Leigh (que dali a 3 anos brilharia em Psicose), o sargento Menzies por Joseph Calleia e as famosas Zsa Zsa Gabor e Marlene Dietrich (cuja presença é sempre muito marcante) são convidadas de honra, cabendo a esta última, no final do filme, definir o personagem de Welles, com duas frases precisas. Akim Tamiroff está bem como o tio Joe, mas os sobrinhos são caricatos, embora ninguém ganhe nesse quesito do absolutamente ridículo personagem do recepcionista do hotel, que seria perfeitamente (e adequadamente) dispensável ao enredo. Um filme que enfoca temas fortes (como a corrupção policial), violento e que demonstra claramente que a inocência não tem lugar em determinados meios e cenários. Nesse ponto, apesar das boas intenções, o personagem de Charlton Heston deixou um pouco a desejar, mas a falha não é do roteiro e sim do ator, a quem faltou a dramaticidade necessária para brilhar. Talvez a presença intimidadora de Orson tenha contribuído para isso. Aliás, esse talentoso “camaleão” era certamente persona non grata em Hollywood, haja vista que este filme não teve nenhuma indicação para o Oscar de 1959, muito embora fosse um ano de grandes produções. Entretanto, pela sua qualidade, mesmo que não fosse como melhor filme, pelo menos a atuação e direção de Orson teriam valido dois Oscars, no lugar de David Niven (Oscar de Melhor ator por Vidas separadas) e Vincent Minelli (por Gigi), que foram os vencedores. Mas esses fatos acabam se somando à grande história da sétima arte, como os vários filmes do gênero “noir”, que só tiveram o seu reconhecimento muitos anos depois de apresentados. Eis outro exemplo.   8,8