A SOCIEDADE DA NEVE
O drama do avião que caiu nos Andes em 1972 e o inusitado de como vários passageiros sobreviveram durante quase 1 mês e meio em região inóspita e quase inacessível de neve e gelo é conhecido de grande parte das pessoas e já faz parte da história. Entretanto, a partir dos fatos, basicamente apenas dois filmes foram feitos para tentar relatar os acontecimentos e nenhum deles ficou à altura da tragédia: tanto Os sobreviventes dos Andes de 1976, quanto Vivos de 1993, nenhum conseguiu retratar com sobriedade, realidade e senso de equilíbrio os dramas que ocorreram e que acabaram chocando o mundo. Mas este filme finalmente redime essa lacuna e o faz com a maior dignidade, não somente pelo excelente trabalho de reconstituição de fatos (inclusive com atores assemelhados aos personagens reais), mas por evitar qualquer sensacionalismo ou sentimentalismo barato. Baseado no livro de mesmo nome, de Pablo Vierci, esta produção espanhola perturbadora (e que não é para qualquer espectador, pois exige um pouco de estômago) e que encerrou o Festival de Veneza de 2023 faz finalmente justiça aos fatos e os traz de uma maneira visceral porém o mais próximos possível da realidade, de acordo com os relatos colhidos dos próprios sobreviventes e os documentos da época. O diretor espanhol Juan Antonio Bayona (O impossível) consegue contar com maestria e perfeição de detalhes (abordando as situações de ângulos diferentes, inclusive) uma história dramática e difícil, sobre os acontecimentos do voo 571, da Força Aérea Uruguaia, que transportava entre outros passageiros um time de rugby chileno e que caiu nos Andes no ano de 1972, sendo dado como desaparecido. Por questões diversas, o filme alterou alguns fatos da realidade – que se pode pesquisar na internet a respeito -, mas o único aspecto que poderia ter sido mostrado e não foi, por opção artística provavelmente, foi o do sensacionalismo gerado pelo modo como aqueles passageiros conseguiram sobreviver por 72 dias no meio do nada: notadamente porque o fato, vital, foi de início ocultado da imprensa. Mas esse não pode ser considerado um pecado do filme, repleto de virtudes, notadamente o de trazer finalmente para o cinema uma versão digna de eventos tão terríveis, pungentes, angustiantes e trágicos. E com raro perfeccionismo, pois além de um elenco brilhante, todas as cenas são extremamente bem feitas, principalmente a da queda do avião e as da parte final, que trazem intensa emoção e que cinematograficamente são magníficas. Desse modo, qualquer prêmio que o filme ganhe será certamente merecido. Netflix. 8,9