RASTROS DE ÓDIO (THE SEARCHERS)

Este é um dos faroestes mais famosos de John Wayne (destaque dentro do gênero western) e também do diretor John Ford, sendo considerado um clássico e inclusive integrando diversas listas de melhores filmes da história do cinema. Produzido em 1956, realmente o filme traz muito do Velho Oeste (e de sua selvageria) e sua apresentação é magnífica, porque feito em meio a paisagens majestosas, em época logo após a guerra civil americana (que terminou em 1865), o personagem de Wayne tem elementos psicológicos especiais (não aceitação da derrota dos Confederados, ódio dos índios, senso de justiça e honra x coração…), há muitas cenas com cavalos, índios, crueldade etc. Além disso, a relação entre a primeira e a última maravilhosas cenas deixa uma imagem que os fãs do bom faroeste jamais esquecerão (o filme começa –com sua bela trilha- de dentro da casa para fora, abrindo para uma vastidão espetacular, um cenário que só Monument Valley propicia (e por isso essa região foi palco de inúmeros filmes, inclusive de outros gêneros). Fora isso e mais um pouco, o diretor realmente era superlativo e sua parceria com Wayne sempre rendeu bons frutos. E para a época o filme realmente foi um marco, algo extraordinário e que como tal permanece. O problema é que o filme também tem muitas inconsistências. Os fãs naturalmente fecham os olhos para elas, mas isso não deveria acontecer com os críticos. Entretanto, a tendência humana parece ser a de perpetuar os mitos e as lendas, independentemente de seu merecimento, o que faz com que renasçam e realmente se tornem uma imagem da perfeição. Se bem que na verdade o que importa é o contexto geral de um filme e o que ele nos traz, na minha visão de espectador, as imperfeições de uma obra efetivamente diminuem o seu valor, porque quebram a unidade, causam alguma espécie de dano à harmonia. Desse modo, embora reconheça que as qualidades e o impacto do filme superam seus defeitos, vou apontá-los até para justificar seu conceito final, que seria bem outro se não tivesse essas inconsistências. Primeiramente, é um filme com tons de comédia, com cenas que beiram pastelão, protagonizadas por dois personagens desnecessários e por outro cujo papel beira o ridículo. Mose é uma figura absolutamente dispensável, assim como o soldado novo e atrapalhado que aparece mais no final do filme, filho do comandante da tropa do exército (a intenção aqui parece ser a de criticar o nepotismo, mas mesmo assim…). Por outro lado, Martin (personagem de Jeffrey Hunter) é absolutamente ridículo, uma caricatura, inclusive de homem, parecendo em algumas cenas uma verdadeira “mocinha” e ao longo do filme tendo atitudes totalmente paradoxais. Índio de olhos azuis e índia maquiada também são absurdos que aparecem no filme, sem contar a conduta dessa índia, que, sem explicações, muda radicalmente de um minuto para o outro. Há uma cena que agride o tempo (no sentido de minutos necessários para se fazer determinado percurso) e outra que afronta o bom senso: na primeira, o grupo que persegue os índios está acampado longe deles, mas demoram apenas alguns segundos para se ouvir a troca de tiros, quando um dos integrantes sai do local para confrontar os selvagens (mesmo a cavalo, o fato teria que demorar vários minutos) e na segunda, cinquenta índios perseguem sete ou oito homens, ambos os lados com rifles e cavalos, mas os índios desistem do ataque após alguma troca de tiros, inclusive apresentando dificuldades de atravessar um rio (tem até índio caindo do cavalo), fato totalmente inverossímil. Fora isso, pelos diálogos consta que o local dos fatos é o Texas, porém o Monument Valley –que aparece na maioria das cenas- está localizado nos Estados do Arizona e Utah. E mais: o Monument Valley é conhecido reduto dos Navajos e no filme são outras as tribos de índios mencionadas e envolvidas na história (Comanches, Kiowas). São vários defeitos, portanto, mas que são engolidos pela magnitude do filme (embora eu os considere na avaliação final da obra), inclusive pela sua parte final. Pois, após uma cena fraca e nada convincente de ataque à aldeia dos índios (e mais uma atuação sem sentido prático de Martin), segue-se um momento espetacular, de ação e emoção intensas: uma rápida perseguição e até cavalgada em uma descida, que culminam com a resolução do grande conflito que Ethan manteve durante toda a história: sem saber como tudo acabará, o espectador acompanha tudo com a tensão ao máximo. Minutos após, a cena final fecha, também com muita emoção e significado (podemos dizer até “esplendorosamente”), todo o ciclo, compondo, conforme já foi dito, uma perfeita sintonia, uma harmônica e até inesperada relação sentimental -e cinematográfica- com a primeira cena.  8,5