LES MISERABLES

Não é comum o cinema conseguir pintar a realidade de forma tão realista, tão impactante, mostrando escancarada a roupagem que veste o mundo contemporâneo, de violência e conflitos que parecem sem fim e sem controle, enfocando aqui a França de hoje, que deixou de ser o romântico local dos sonhos para se tornar um campo minado de convivência múltipla, onde a imigração e a pobreza desenfreada precipitaram uma situação sem parâmetros e sem limites, que parece não ter realmente solução, onde a sobrevivência se associa a um total desamparo, a uma infinda falta de afetividade e à violência e às drogas, com a polícia não tendo um papel de cumprir a lei, mas fomentar a desordem, como outra fonte de corrupção e mais de conflitos. Não há como se sair desse furacão (também pela maravilhosa edição/montagem) com uma visão otimista do futuro. E é chocante ver Paris como nos é mostrada, sem o glamour com que fomos acostumados, em meio a um multiculturalismo, onde falta tolerância às diferenças.  O filme é um soco no estômago, tem uma dinâmica impressionante, fruto da maestria da direção, das extraordinárias interpretações e da maravilhosa edição, fotografia e trilha sonora: cinema de alta qualidade, portanto. A tensão domina o filme em toda a sua extensão e se algum fio de esperança surge repentinamente, com a mesma velocidade se desvanece. E talvez a frase conhecida “o ópio do povo” justifique o único momento de perfeita paz e harmonia na história, que é o retratado em sua introdução. O título do filme tem sua razão de ser, referindo-se à França e aos miseráveis de hoje. No final, cai como uma luva a frase retirada de Victor Hugo, extraída de sua imortal obra. Um filme de rara qualidade, superlativo em todos os seus elementos e com uma extraordinária força de mensagem. O diretor se chama Ladj Ly, parisiense de origem africana e é um nome a não ser esquecido. O filme foi o vencedor do Cesar 2020 (Oscar francês) de Melhor Filme, Melhor Montagem e de Ator Revelação (Alexis Manenti) e do Goya (Oscar espanhol) de Melhor Filme Europeu.  9,5