A AUSENCIA QUE SEREMOS

Filme colombiano de 2020, com um nome diferente (baseado em obra literária de mesmo nome), dirigido pelo premiado espanhol Fernando Trueba (Oscar de Melhor filme estrangeiro em 1994 com Belle Époque) e maravilhosamente bem interpretado pelo também espanhol Javier Cámara (Fale com ela, Truman, Viver é fácil) e um grande elenco, harmoniosamente afinado, apesar de se tratar de homens e mulheres de diversas idades. Essa harmonia é muito importante para o enfoque familiar do filme, a doçura das relações, da união, dos sentimentos, do carinho e do afeto, que sem dúvida tocam o espectador, que a despeito disso já fica prevenido pelo que virá. E são fundamentais esses laços familiares também porque ocupam grande parte do filme. Paradoxalmente, porém, esse aspecto acaba se tornando um excesso e é o motivo pelo qual o filme não acaba sendo o que poderia, em outras palavras, uma obra realmente marcante para o cinema. Porque o aspecto principal do filme deveria ser o de mostrar a família Abad e seu chefe, o professor, médico e idealista Hector (centro das ações e coração da história), no meio do furacão que foram os anos de ditadura e de práticas violentas, discriminatórias, sem sentido e controle, na Colômbia dos anos 70/80, mas enaltecendo com muito mais profundidade os fatos e principalmente os conflutos todos, que ocorreram a partir da cidade enfocada, que é a de Medellín. O protagonista foi um cidadão e um pai exemplar, misto de conservador e ativista, que sempre lutou corajosamente a favor dos direitos humanos e contra aqueles estado de coisas que acabou se instalando, lentamente a partir da década de 60. No entanto, a história se concentra tanto na família, que reserva espaço bem menor do que deveria para mostrar os movimentos políticos e a violência real, perdendo com isso um pouco da dimensão das coias, omitindo muito da crueldade do momento e que efetivamente provocou transformações. Em síntese, faltou ao filme a necessária e fundamental tensão, que certamente deveria contagiar o espectador. Problema provavelmente de roteiro, porque tanto a direção, quanto o elenco e os demais elementos funcionam muito bem, incluindo a própria produção, a fotografia, a trilha sonora etc. E, a despeito do exposto, é um bom filme e considerando apenas a naturalidade do desempenho de todos os membros da família, já se pode deduzir que o diretor fez um belíssimo trabalho. Um bom entretenimento, embora destinado a quem aprecia dramas sérios e densos. Sobre o estranho título do filme (e do livro), na verdade se refere ao começo do soneto Epitáfio (Aquí. Hoy), de Jorge Luis Borges: Ya somos el olvido que seremos. El polvo elemental que nos ignora y que fue el rojo Adán y que es ahora todos los hombres, y que no veremos. Produção Netflix.  8,0