MONSIEUR & MADAME ADELMAN
Um filme francês simplesmente sensacional (tem no Netflix). Uma longa e imprevisível viagem. No tempo e nos corações. Drama com comédia, um ritmo espetacular, roteiro, direção, elenco, edição…Diálogos saborosíssimos, que divertem e inspiram, remetendo à grande literatura, mas enfocando nos encontros e desencontros cotidianos dos relacionamentos…parece vida ou morte, mas sendo as verdades escancaradas, isso é muito bom…e raro…as músicas são especialmente selecionadas e simplesmente maravilhosas. O filme é um achado, uma das obras que passaram batidas em 2017, mas que sem dúvida é imprescindível para quem ama o cinema. Inclusive e principalmente o cinema francês. Neste caso o ótimo cinema francês. O filme é extremamente inteligente, espirituoso, original, divertido e faz rir em muitas passagens. Aliás, fazia tempo que eu não me divertia tanto com essa espécie de humor, refinado. E também bastante negro em muitos momentos! Sem fazer concessão ao politicamente correto. Parece que toda a sagacidade, a ironia, a capacidade criativa se reuniram para fazer o roteiro deste filme. Mas além da diversão temos a vida como ela é. Como seus altos e baixos, sua rotina massacrante, sua submissão às necessidades humanas da renovação, de confirmação do amor fiel, às exigências do ego…Interessante que, diante de um trabalho tão sólido, a gente fica torcendo a partir de certa parte para que a qualidade se mantenha, para que não ocorra uma súbita mudança e o filme se torne enfadonho ou repetitivo. Mas felizmente isso não acontece e o equilíbrio se mantém até o final. E há fatos inesperados até o fim do filme. A própria narrativa é encantadora, na medida em que a realidade que é mostrada difere do que vai sendo narrado. Faz então a gente rir por dentro, analisando o quanto ridículos, sob certo aspectos são os personagens e o quanto ridículos somos todos nós, afinal. Doria Tillier e Nicolas Bedos são grandes intérpretes e inclusive os responsáveis pelo roteiro. Ela inclusive concorreu ao César (Oscar francês) 2018 como melhor atriz, por este filme. A divisão do filme em capítulos é outro ponto de grande criatividade. O cinema francês é desapegado e direto, não tendo qualquer pudor em enfrentar certas questões incômodas (geralmente de natureza sexual) direta e francamente. Ascensão e decadência dos relacionamentos…A música de fundo deixa claro o pitoresco de tudo, o farsesco, o non sense…Magníficos enfoques. O filme depois de muito divertir, começa a incomodar. A degradação causa repulsa, provoca grandes desconfortos. Mas essa é mais uma etapa natural do desenvolvimento do filme. Faz parte do enredo. Mais uma virtude, certamente! Porque é o enredo da vida. As comoventes e difíceis faces e fases do amor! Ou seria da autopreservação? As cenas mais para o desenlace são de uma franqueza imprevisível. Embriagadora. O desabafo do psicólogo é inesperado e espetacular. O filme mostra os limites das relações dos casais e escancara o fato de que sempre existe um desnível, nunca é igual para os dois polos, um sempre vai amar mais, um sempre vai sofrer mais. Chega num ponto em que a humanidade decreta que nada mais há a ser feito. De todo modo, chega a total decrepitude, mas “O sorriso de Sarah foi minha única religião”! Comovente demais! E no final, com mais surpresas, sentimos a emoção das grandes obras! Uma viagem rara. A crítica atribuiu para ele quatro estrelas. Nota alta, mas equivocada. Ele merece mais. 9,8