Um filme que poderia ser incluído no gênero “faroeste latino americano ou sul americano”, mas que na verdade se insere mais como um filme “de arte”. Porque tem pretensões históricas, é lento, mas estranho embora desenvolvido com profundidade e propósitos e só a partir de certo momento passa a despertar sentimentos mais intensos: passa a ser incisivo, violento e mostrar as atrocidades dos colonizadores do início do século 20, na região chilena chamada de Terra do Fogo. Impressiona no filme a rudeza dos personagens, a violência selvagem (e uma ou outra cena mais crua), os vastos locais de uma longa trajetória e visceralmente a trilha sonora que de forma incisiva pontua os momentos de maior emoção. O diretor chileno Felipe Gálvez Haberle apresentou essa chamada viagem ao coração das trevas em Cannes – concorrendo em 2023 ao Un Certain Regarde – sendo sua primeira produção e que ao que consta durou muitos anos até ser finalizada: trata-se da epopeia que envolveu a conquista da Terra do Fogo, na verdade algo que passou a constar como uma ferida aberta da história chilena. Que nos é contada basicamente pela tríade de protagonistas (o guia mestiço, o capataz do fazendeiro e o mercenário), na massacrante colonização: como costuma acontecer, o que ocorreu com os indígenas que viviam na Ilha Dawson é comum a quase todas as conquistas na história da humanidade, sendo submetidos os conquistados à vontade e violência dos conquistadores. Diz o diretor que “existem bonecos (selknam) para colocar no berço do filho, sorvete, chocolate, vinho… Eles os transformam em lembrança do país, sem assumir o genocídio, sem contar a história”, complementando que “Ao mesmo tempo, houve indenizações no Chile para muitos povos indígenas, que as merecem, mas sem o reconhecimento dos selknam como povo, conforme já ocorre na Argentina”. Fatos que ampliam a importância desta obra cinematográfica, estendendo-a para um contexto histórico fundamental. Para públicos especiais, mas um trabalho de fôlego e que vai a fundo na gênese dos fatos que deram origem à Nação chilena e ao que dela foi amputado. 8,8