OPPENHEIMER

Como todo cinéfilo sabe, há filmes que têm de ser vistos no cinema, porque por mais que se tenha um bom equipamento e uma boa TV em casa, não dá para comparar experiências, principalmente quando há recursos tecnológicos em jogo. Filmes como Avatar e Gravidade, por exemplo, quem viu na intimidade do lar, por mais que possua um bom home theater, perdeu e muito da emoção e das sensações de imagem & som. Neste caso, trata-se de outro filme que não ver na tela grande privará o espectador de muitas sensações e emoções, tanto relacionadas com os efeitos visuais (a imagem teve, mesmo em preto e branco, tratamento IMAX), como e talvez principalmente com o som: os efeitos sonoros e também a trilha sonora constante e magnífica são absolutamente extraordinários. Efetivamente marcantes. E o som, inclusive, em determinados momentos – como no do teste Trinity em 1945, quando explodiu pela primeira vez a bomba atômica -, chega a ser mesmo assustador, neste filme que é realmente uma experiência cinematográfica fora do comum, porque além de tecnicamente perfeito (inclusive em seus closes), com um roteiro que explora de forma muito competente os conflitos do personagem principal, envolve também um trabalho primoroso de edição, direção e interpretação. O diretor é o também produtor e roteirista britânico Christopher Nolan, de impressionante currículo e que está, aliás, mais do que na hora de ganhar um Oscar e não apenas as dezenas de indicações (de filmes, direção e roteiro) que tem recebido por filmes como Amnésia, Insônia, A origem, Batman cavaleiro das trevas, Interestelar, Dunkirk, entre outros. O ator Cillian Murphy dá uma aula de interpretação no papel do famoso físico nascido em Nova Iorque e que teve papel fundamental no projeto Manhattan, em Los Alamos (e que por ele ficou conhecido como o “pai da bomba atômica”), mas não fica sozinho: em grandes performances, temos várias figuras “carimbadas” no elenco, como Matt Damon, Kenneth Branagh, Emily Blunt, Josh Hartnett, Florence Pugh, Rami Malek, Tom Conti (em uma interpretação sensível e humana de Einsten), Ben Safdie, incluindo pequenas participações do grande Gary Oldman e de Matthew Modine. Contudo, uma performance – para muitos surpreendente – realmente especial (e que pode também valer Oscar) é a do ator Robert Dawney Jr., provavelmente no melhor papel de sua carreira. Este é um filme sem computação gráfica (por escolha do diretor), realmente perturbador e que desperta várias formas de emoção – inclusive abordando en passant a vida pessoal também nada pacata de Oppenheimer . Daqueles que inclusive nos fazem imediatamente pensar em inúmeros Oscars. Todos qualificados. Os diálogos são dinâmicos, como os fatos, inteligentes e muitas vezes complexos, principalmente para quem não está familiarizado com a história ou com os assuntos abordados e que são difíceis por sua natureza. E justamente por isso o filme tem méritos inatacáveis, porque realizar uma produção de 3 horas de duração, com tema e diálogos difíceis e técnicos e conseguir imprimir um ritmo perfeito, tensão e interesse permanentes no espectador e ainda abordando com profundidade situações sensíveis não é para qualquer um. A propósito, o foco mesmo do filme são os dilemas morais e existenciais do personagem principal, embora em torno dele orbitem fatos que efetivamente forjaram a história atual do mundo, que em 1945 sofreu uma transformação poderosa e irreversível e que o filme nos faz sentir que especialmente hoje e cada vez mais aparece como uma sombra, enorme e assustadora, que paira sobre toda a humanidade, com suas ameaças permanentes de destruição definitiva: a esse respeito, o perigo desse mundo novo que apareceu está perfeitamente caracterizado na referida cena da primeira explosão atômica, quando Julius Robert Oppenheimer adquire pela primeira vez a perfeita consciência do que foi criado, em termos do avassalador potencial destrutivo. A partir daí, a politica (já proeminente) e a ética se entrelaçam de maneira contundente em várias cenas, passando o filme a ter outro enfoque, mas também interessantíssimo, nesse particular se destacando o tribunal de inquisição (com grande atuação do ator Jason Clark) e o diálogo entre Oppenheimer e Einstein (que no início não ouvimos). Curiosidade: a história conta que esses dois cientistas tinham bastante afinidade intelectual, mas também além da física, havendo registro inclusive de pelo menos uma partida de xadrez entre eles. Em resumo: trata-se aqui de um filme com todas as qualidades para já ficar na história do cinema, por seu tema, sua construção e o impacto – e a reflexão – que provoca. 9,6