O PÁSSARO PINTADO
Este não é um filme para muitos, porém quem se aventurar será recompensado, pois apresenta grande qualidade, sendo realmente uma portentosa obra cinematográfica, cinema de primeira. Não é à toa que foi indicado para concorrer na categoria de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar (representando a República Tcheca), apesar de não ter sido selecionado entre os cinco finalistas –lembrando que isso ocorreu no começo deste ano e que este foi o ano de Parasita. Mas o termo usado acima, “se aventurar”, começa pela duração do filme: praticamente três horas, sendo esse o primeiro ponto. O segundo ponto é que é um filme em preto e branco e muita gente não gosta. Mas no caso, essa opção do excelente diretor tcheco VáclavMarhoul acabou se revelando primordial, tanto para retratar os fatos com “clima” de época, como para nos brindar com uma fotografia simplesmente maravilhosa, deslumbrante mesmo. O terceiro fato é que é um filme sobre a guerra, ou seja, um drama de tristezas, miséria, mortes, destruição…São fatos da segunda guerra, testemunhados e vivenciados por um garoto judeu, portanto um gênero específico de filme. O quarto ponto –e que causou muitas polêmicas, inclusive em salas europeias de cinema- é que é um filme extremamente violento, que apresenta cenas fortíssimas (não tão comum na história do cinema), pois se trata de um retrato realista e cruel dos fatos da guerra, mostrando sem nenhum pudor a maldade humana, representada pela própria natureza humana em tempos de guerra, pela ignorância dos camponeses e pelas barbáries praticadas por alemães, cossacos e russos. A primeira cena já é um prenúncio da realidade que será vista dali em diante. E se houvesse um quinto ponto que restringe o tipo de público para este filme seria o relativo à produção eslovaca-ucraniana-tcheca (com sua visão peculiar das coisas) e ao idioma, sendo o primeiro filme do cinema a apresentar um idioma intereslavo. Mas, apesar desses “senões” (que representam empecilhos para muitos), quem se der ao prazer de desfrutar esta obra cinematográfica adaptada de um romance (best seller), certamente não se arrependerá. É cinema de alto nível, a começar pela direção e fotografia e prosseguindo na perfeita harmonia de todos os seus demais ingredientes, inclusive contando com a destacada atuação do garoto judeu de 10 anos interpretado pelo tcheco Petr Kotlár, mas também com atores conhecidos, como o sueco Stellan Skarsgärd, o americano Harvey Keitel, o inglês Julian Sands, o alemão Udo Kier e o canadense Barry Pepper. O título do filme, metafórico, vem do hábito de se pintar as asas de alguns pássaros (um dos personagens coleciona e vende passarinhos) e com isso, indevidamente, acabar fazendo com que eles sejam rejeitados pelo próprio bando. O filme é um desfrute como arte cinematográfica e tão bem feito, que quase nem se percebe a sua longa duração, sendo que as críticas direcionadas a ele se concentraram justamente nas cenas de violência, porém minha opinião é de que o cinema deve também servir de veículo para a plena realidade (que certamente foi ainda muito pior !), escancarada e crua e sem os alívios cômicos (às vezes irritantes) a que os americanos estão tão acostumados em muitas de suas produções. No fim, a conduta do menino é que vai nos dizer exatamente a forma como assimilou tudo o que viu e viveu. O que os fatos causaram na sua vida e no seu modo de ver as coisas e as pessoas. Para sobreviver também é preciso ser mau? A dessensibilização produzida pela contínua violência poderá não ser permanente? Questões que talvez o filme acabe não respondendo e deixe por conta de cada um. 9,0