O PAGADOR DE PROMESSAS
Filme baseado na obra do grande dramaturgo Dias Gomes (O bem amado, Roque Santeiro etc), escrito e dirigido por Anselmo Duarte (também ator e roteirista) e que apresenta um elenco de nomes que ficaram consagrados no cinema e na TV, destacando-se: Leonardo Villar (ótima performance), Glória Menezes (quase irreconhecível em seu primeiro filme, aos 28 anos, já tendo iniciado na televisão), Dionísio Azevedo, Geraldo Del Rey, Norma Bengell, Othon Bastos e Antonio Pitanga. Em preto e branco e com um contundente roteiro de crítica social, até os dias de hoje permanece com bastante atualidade, porém acabou ficou famoso mesmo pelos prêmios que ganhou (Cartagena, São Francisco…), para os quais foi indicado (Oscar de Melhor filme estrangeiro em 1963), mas principalmente porque foi o único filme brasileiro a ganhar a Palma de Ouro em Cannes, o que ocorreu no mesmo ano da produção, em 1962. E realmente a láurea foi merecida, porque é uma bela e bem construída história, repleta de conteúdo social e político, voltado mais para a instituição da Igreja, mas alfinetando com ênfase também a imprensa, os políticos, a polícia e até mesmo o próprio povo e sua ignorância, com a corrupção servindo de papel de embrulho. A partir de um fato de um homem simples (de uma promessa) e da inflexibilidade da igreja católica para agregar credos diversos dos seus, uma comoção social acaba ocorrendo ao redor das escadarias da Igreja Santa Bárbara (que não é o nome real da que aparece no filme), com um redemoinho incontrolável de fatos que se desdobram em consequências a princípio inimagináveis e que colocam a perigo valores, casamento e até a própria vida, sendo fato que a manipulação não é tarefa difícil quando bem orquestrada e quando encontra vítimas de fácil acesso, ficando transparente que alguém pode ser santo ou demônio, apenas dependendo de quem seja o observador (ou interlocutor): e isso é mostrado de um modo sensível, inteligente e criativo, sem perder o ritmo e explorando com muita energia e felicidade os costumes baianos, sua religiosidade diversificada e dança (capoeira), seu comércio, sua cultura geral, enfim. Importante saber que no sincretismo religioso baiano (fusão de práticas religiosas) Iansã é associada geralmente a Santa Bárbara, que foi morta pelo pai quando se converteu ao cristianismo (após, o pai foi vítima de um raio na cabeça). O filme é bem contundente quando mostra a disseminação da ignorância pela própria Igreja, para defender interesses corporativos, colocando seus propósitos políticos muito acima de quaisquer patamares humanitários (sob a desculpa de praticar a “tolerância cristâ”…). E há uma cena especialmente jocosa, que acontece enquanto a bandinha passa tocando Cisne branco, a canção dos marinheiros. Pelos amplos significados, o final é genial, agregando fatos e sentimentos diversificados, havendo uma estranha sensação (e um vazio) quando a câmera se afasta e vemos de outra perspectiva (mas sem recuperar a esperança) a imagem da incongruência, do desperdício e do desalento. 9,0