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O ATAQUE DOS CÃES (THE POWER OF THE DOG)

O incompetente que deu ao filme o seu título em português certamente não o viu e pensou que havia cães envolvidos no enredo, de modo que só nos resta lamentar, mais uma vez, com pesar o que já vem de muitas e muitas décadas, com gente desvinculada e inepta sendo encarregada de atribuir nome aos filmes segundo supostamente uma visão de bilheteria e não o bom senso, a sensibilidade e a inteligência. Mas, de somenos importância, que fique o fato em segundo plano. Se fôssemos considerar a natureza dos dramas aqui retratados (inclusive íntimos), a violência explícita e implícita, os usos e costumes, poderia o filme ser classificado como um faroeste, embora requintado. Entretanto, trata-se dos anos 20, uma época em que o Velho Oeste já começava a dar lugar a costumes mais civilizados e inclusive aparece no filme um dos primeiros protótipos de automóvel, de modo que o gênero adequado é mesmo o drama. Afinal, o filme é bem mais contemporâneo do que os faroestes clássicos, embora seja ambientado em uma região daquelas típicas, vasta, despojada e isolada, no estado de Montana, o que, por sinal, rende belíssimas imagens ao longo de toda a história, que se baseia em obra literária de Thomas Savage, escrita em 1967. Trata-se, porém, de um filme original, polêmico, com ares de estranheza e com muitas reticências a serem decifradas e que também ficam ao final pairando no ar, que não tornam a obra digerível por todo tipo de público. Há momentos lentos, um pouco entediantes até e um desenvolvimento que parece não levar além dos limites daquele lugar e dos personagens que o habitam. Porém o roteiro guarda algumas surpresas e a espera e a paciência farão com que tudo realmente valha a pena. Elemento vital é a interpretação de Benedict Cumberbatch (já brilhante em The eletrical life of Louis Wain), que tem aqui talvez a mais expressiva interpretação de toda a sua carreira e que possivelmente lhe valerá uma indicação ao Oscar de 2022, não sendo surpresa se for o vencedor. Mas Kirsten Dunst também não fica atrás, com uma performance também memorável, o mesmo se podendo dizer dos personagens de Jesse Plemons e de Kodi Smit-McPhee (vítima do bullying homofóbico), que necessitam de grandes atores para torná-los verossímeis. A diretora, também de primeira linha, é a aclamada neo-zelandesa Jane Campion, que estava inativa há muito tempo e que foi a primeira mulher a ser premiada na categoria de diretor em Cannes, o que ocorreu com sua oscarizada e inesquecível obra O piano (1993). Aqui ela interpreta e desenvolve o roteiro com maestria e sensibilidade, construindo com método e competência um enredo crescente, com ingredientes de suspense e tragédia e que vai se definir perfeitamente na parte final. Da mesma forma, esse mérito se dá com o desenvolvimento da psiquê dos personagens, efetivamente ricos segundo o contexto particular de cada um. Um filme que não é para todo tipo de público, mas quem gostar vai apreciar bastante pelo poder de seu tema e pela força e harmonia de história e personagens. Produção Netflix. 8,8