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OPERAÇÃO RED SPARROW

Um filmaço de espionagem, ação, suspense e mistério, com a maravilhosa Jennifer Lawrence (atriz que desempenha bem qualquer papel) e que apresenta uma trama totalmente imprevisível, com um ritmo incessante. O roteiro é muito bem costurado, de modo que até o final o espectador não sabe o que vai acontecer e algumas vezes será surpreendido. O início do filme já é muito interessante, apresentando grandiosas cenas paralelas e que mais tarde alcançarão a devida conexão. Algumas questões estranhas aos usuais filmes do gênero são abordadas (relativas ao termo “Sparrow”), mas não é apenas esse fator que diferencia este filme dos demais envolvendo o tema (Rússia, CIA etc): grande diferencial é o da violência e o filme contém cenas realmente fortes e realistas que recomendam sua visão apenas por pessoas mais maduras/adultas, tanto que nos EUA a sua classificação, em razão de cenas de tortura, conteúdo e linguagem sexual, é a denominada “R’, que só permite que seja visto por maiores de idade. Interessante que este thriller de espionagem teve notas baixas da crítica, mas as razões desse fato para mim só podem se prender a um perfeccionismo incompatível com o que se vê na tela e a ideia do diretor, que por sinal é o mesmo de Jogos vorazes, Francis Lawrence. Também atuam no filme os ótimos Jeremy Irons, Joel Edgerton e Matthias Schoenaerts, além de Mary- Louise Parker e Charlotte Rampling.  9,2

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A ESTUDANTE E O SENHOR HENRI

Daqueles filmes franceses simples e singelos, que vão devagarinho conquistando território. Filme de relacionamentos, mas não necessariamente de casais. E à medida em que o filme vai se desenvolvendo em nós, também acontece o mesmo com os bons sentimentos que desperta. Os franceses parecem ter o dom do desapego das coisas materiais e com isso concentram sua energia no curso da vida e na busca das coisas que valem a pena, em síntese, da felicidade. E, de repente, sintetizam tudo com algumas palavras e alguns gestos ou olhares. E vendo um filme assim, compreendemos como é simples aquilo que tendemos complicar, como são tênues os limites da liberdade diante do que a sociedade ou até mesmo nossos pais nos impõem. E mais uma lição: é possível tornar um relacionamento rico com a simples generosidade, com o mero sair dos limites de seu próprio ego e tentar se colocar no lugar do outro, o que a filosofia oriental chama de compaixão. E até mesmo os clichês assumem grande importância quando feitos com o coração. Mesmo o final dramático acaba não causando qualquer quebra, pois até parece que os franceses não sabem fazer diferente…e tudo acaba tendo o seu valor. Claude Brasseur é um ator hoje com 80 anos, mas é muito bom e possui um extenso e importante currículo de filmes. E faz aqui um ótimo personagem. É dele a frase que fica, embalada pela linda música ao piano: “A vida não se resume a se fracassar ou a se ter sucesso…é outra coisa”.  8,0

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MEDO PROFUNDO (47 METERS DOWN)

Este é um filme do gênero suspense-aventura, enquadrado na categoria de filmes “B” (baixo custo), mas que apresenta o que promete: muito suspense e tensão, um bom desenvolvimento e, afinal, um desfecho interessante (felizmente). De conhecido no elenco apenas Matthew Modine, um ator razoavelmente famoso, mas que não se tornou elite. Os fatos são mais ou menos previsíveis, mas a história vai se desenrolando sem forçar muito e apresenta ótimas descargas de adrenalina em razão da angústia vivida pelas personagens (e que o cartaz do filme explicita), duas irmãs em passeio pelo México e que resolvem fazer um programa mais radical, o que torna a visão prazerosa. Há cenas realmente claustrofóbicas e até meio desesperadoras para o espectador e o fato é que o filme põe à prova em vários momentos a verossimilhança dos fatos, por envolverem o tema do mergulho e seus aspectos técnicos, principalmente vinculados aos detalhes do mergulho e dos efeitos da subida e da descida lenta ou rápida, sobre o mergulhador e seu organismo. Na verdade, o nitrogênio corresponde a quase 80% do ar e quando a pressão é grande acaba se acumulando nos tecidos e no sangue. Por esse motivo, se a subida a partir de uma grande profundidade for rápida demais, poderão se formar bolhas na corrente sanguínea ou nos tecidos, que poderão acarretar sérias lesões ou até a morte. Então, as “paradas de descompressão” são necessárias, geralmente a cada 10m de subida. De outro lado, o mesmo nitrogênio mencionado pode causar a chamada “narcose”, que é uma espécie de “embriaguez” que o mergulhador sofre e que por ela pode ficar totalmente desorientado (quanto maior a profundidade e pressão, maior a narcose). Esses fatos são importantes para a perfeita compreensão do enredo. A produção é tríplice: americana, do Reino Unido e da República Dominicana e o filme já rendeu nas bilheterias mais de 50 milhões de dólares, ou seja, mais de 5 vezes de seu orçamento. Uma boa diversão.  7,8

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CAMINHANDO NAS NUVENS

Com o Keanu Reeves dos bons – e joviais – tempos, um filme de 1995 bastante prazeroso de ser visto (ou revisto nas várias reprises que passam por aí). Simples, leve e bonito, repleto de boas e tocantes emoções, o filme tem uma belíssima fotografia, uma ótima trilha sonora (Maurice Jarre) e é muito bem produzido, interpretado e dirigido (por Alfonso Arau). Temos o prazer de acompanhar a bela e singela história (às vezes comédia, outras vezes romance, mas também com inesperados dramas…), com um elenco afinado e as marcantes atuações de Anthony Quinn e Giancarlo Giannini, dois ícones do cinema, fatos que elevam a qualidade do filme e compensam com sobras a relativa previsibilidade do enredo. Embora seja certo que muitas vezes o espectador necessita justamente de fatos previsíveis, desde que elevem seu espírito. O que aqui é o caso. E como faz bem de vez em quando nos afastamos do mundo real e nos aproximarmos do ideal ! Quanto vale, por exemplo, uma cena como a do amassamento (pisa) das uvas??? Maravilhosa! Como outras do filme, que também contém interessantes passagens nos diálogos (“As mulheres são as criaturas do coração”). Um filme que vai certamente agradar as pessoas sensíveis. 9,0

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A GAROTA DA NÉVOA (LA RAGAZZA NELLA NEBBIA)

Dentro do gênero (filme policial, com suspense, investigação de desaparecimento/assassinato…), um filme de alto nível e que sem sombra de dúvidas se destaca, com roteiro de primeira linha. Para quem gosta de thrillers policiais, um filmaço italiano, protagonizado pelo carismático Toni Servillo (que interpreta o agente Vogel) e com a presença sempre forte de Jean Reno, entre outros. Já de início ficamos sabendo do desaparecimento de uma garota, em um povoado localizado em isolado vale montanhoso, local de frio e neve (e o ambiente amplia o espectro da história). A partir daí, com a chegada da polícia e depois da imprensa, vamos acompanhando passo a passo os fatos (o impacto midiático) e as investigações. Uma das grandes questões do filme é a vaidade (“o maior pecado do diabo”), bem como os singulares métodos de trabalho do inspetor – cuja personalidade já é atípica -, confrontado inclusive por um caso famoso no qual teria usado todas as armas possíveis para levar um suspeito ao tribunal. O que parecia querer reprisar, fazendo com que a certa altura lhe dissesse uma repórter sobre o investigado e a própria mídia com veredito antecipado: “ninguém quer saber se você é ou não inocente…”. Interessante acompanharmos os fatos como detetives, sem nada sabermos além do que a própria polícia sabe e irmos passo a passo tentando construir as respostas e desvendar o mistério. Um filme estilo “investigativo” e que apresenta algumas surpresas e importantes e até inesperadas reviravoltas – inclusive a partir do aparecimento em cena da sempre excelente Greta Scacchi (que quando jovem foi musa). O filme foi indicado para quatro prêmios “David Di Donatello” 2018:  Melhor novo diretor, Melhor roteiro, Melhor design de produção e Melhor edição. E realmente tem todas essas qualidades, inclusive ótima fotografia, sendo seu diretor o próprio roteirista Donato Carrisi, que inclusive escreveu o filme a partir de um dos livros policiais de sua autoria! Filmado na região Trentina e também de Carezza, é um filme muito bem acabado e que envolve intensamente o espectador da primeira à última cena. Em sua parte final apresenta um toque bizarro, quando uma conhecida e belíssima música brasileira serve de fundo para uma cena sinistra e ao mesmo tempo triste: ouvir a linda voz de Beth Carvalho nunca foi tão terrível e impactante!  9,2

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MORROWBONE (EL SECRETO DE MARROWBONE)

Este é um filme de suspense e terror que tem mais qualidades do que defeitos, apresentando um clima muito interessante (atmosfera) e muitas cenas/sequências de grande tensão (e até arrepios). Ótima fotografia, interesse permanente, algumas surpresas. Apresenta uma ou outra subtrama equivocada e alguns temas batidos (clichês), alguns de seus desdobramentos são previsíveis, mas o que predomina é a tensão, a expectativa, o desconhecido, enfim, o conjunto de elementos favoráveis (ambiente, personagens, design de produção, trilha, atores jovens e promissores), tornando o filme um passatempo muito bom e dentro do gênero algo realmente elogiável para um primeiro trabalho como diretor do roteirista Sérgio G. Sánchez (de O orfanato).  7,8

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OSCAR 2018 – resultados

OSCAR 2018

 

 

  1. Melhor Filme

A Forma da Água

 

  1. Melhor Direção

A Forma da Água – Guillermo del Toro

 

  1. Melhor Atriz

Frances McDormand – Três Anúncios Para um Crime

 

  1. Melhor Ator

Gary Oldman – O Destino de Uma Nação

 

  1. Melhor Ator Coadjuvante

Sam Rockwell – Três Anúncios Para um Crime

 

  1. Melhor Atriz Coadjuvante

Allison Janney – I, Tonya

 

  1. Melhor Roteiro Original

Corra!

 

  1. Melhor Roteiro Adaptado

Me Chame Pelo Seu Nome

 

  1. Melhor Animação

Viva – A Vida é uma Festa

 

  1. Melhor Filme Estrangeiro

Uma Mulher Fantástica (Chile)

 

  1. Melhor Canção Original

“Remember Me” – Viva – A Vida é uma Festa – Kristen Anderson-Lopez e

 

  1. Melhor Fotografia

Blade Runner 2049 – Roger Deakins

 

  1. Melhor Figurino

Trama Fantasma

 

  1. Melhor Maquiagem e Cabelo

O Destino de Uma Nação

 

  1. Melhor Mixagem de Som

Dunkirk

 

  1. Melhor Edição de Som

Dunkirk

 

  1. Melhores Efeitos Visuais

Blade Runner 2049

 

  1. Melhor Design de Produção

A Forma da Água

 

  1. Melhor Montagem

Dunkirk

 

  1. Melhor Trilha Sonora Original

A Forma da Água – Alexandre Desplat

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MUDBOUND – LÁGRIMAS SOBRE O MISSISSIPI

O“Mississipi” do sub-título se refere ao vergonhoso e devastador racismo que predominou por muito tempo no sul dos EUA. No caso deste filme (logo disponível na Neflix), na época da segunda guerra mundial e a história focaliza basicamente a convivência e os dramas de duas famílias que compartilham espaços vizinhos em uma fazenda: só que uma é de brancos e a outra é de negros. A narrativa in off é bastante utilizada, sendo feita não por um, mas por vários personagens, o que imprime ao filme um caráter maior de verossimilhança. Mas as cenas efetivamente demonstram realismo e o filme tem passagens marcantes, algumas realmente fortes e chocantes, notadamente em sua parte final. Ótimo roteiro (indicado ao Oscar 2018 de Melhor roteiro adaptado) e fotografia, igualmente a direção de Dee Rees, que confirma a cada vez maior participação das diretoras mulheres, com clara demonstração de competência e talento. O filme é enxuto, os conflitos raciais e o ódio decorrente já são conhecidos mas sempre impressionam (como ver nos ônibus os pequenos espaços na parte de trás, destinados aos negros e a atuação da Ku Klux Klan) e o elenco também é ótimo: sou fã de Carey Mulligan. Achei exagerada, porém, a indicação da atriz Mary J. Blige para concorrer a Melhor atriz coadjuvante: ela trabalha bem, claro, mas nada notável e que merecesse a indicação, exceto a velha política americana do politicamente correto! A música também foi indicada e curiosamente composta pela mesma Mary J. Blige (será que reside aí a razão da indicação a coadjuvante???), porém só toca nos créditos finais, o que é reincidente no cinema americano. Sobre o desfecho do filme, talvez seja o único ponto a merecer alguma restrição, mas acho que depende de cada um e da mensagem que, afinal, a diretora pretendeu deixar no ar após mostrar tanta luta e sofrimento.  8,8

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DOENTES DE AMOR

Esta é uma comédia dramática que até certo momento mostra fatos não muito diferentes dos que costumamos ver nos filmes do gênero, não apresentando grandes novidades, embora desde o primeiro momento deixe claras as suas virtudes como produção caprichada em todos os seus ingredientes. Entretanto, de um ponto em diante, o filme aprofunda questões e sua dinâmica se torna mais abrangente e complexa, então se afastando do trivial. Mérito do ótimo roteiro, do qual é co-autor Kumail Nanjiani (da série Silicon Valley), o ator principal do filme: roteiro que inclusive está concorrendo ao Oscar (Melhor roteiro original), o que não é muito comum para comédias. Além do roteiro e da direção (Michael Showalter), todo o elenco é muito bom (Holly Hunter, Zoe Kazan, Ray Romano…) e o filme vai amadurecendo, confirmando a necessidade da primeira parte (mais banal) para dar consistência à segunda. De todo modo, afinal, toda a história se harmoniza muito bem e com o mérito da verdade e da simplicidade. As emoções surgem de forma natural e a leveza bem mesclada com os conflitos sociais que são abordados faz com que seja um programa bastante prazeroso. 8,7

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AMARCORD

Depois de ver o filme IN SEARCH OF FELLINI (de 2017), fiquei motivado para rever alguns filmes do diretor e comecei por este, que lembro de ter achado chato quando o vi na adolescência. Minha visão agora mudou, mas compreendo porque muitas pessoas acharam ou ainda acham o filme uma chatice: porque não conta propriamente uma história, com começo, meio e fim, e sim é uma colagem de memórias do diretor quando morou na cidade de Rimini (onde nasceu). Trata-se de uma coleção de personagens e fatos, em cenas desconexas, mas que evocam diversas lembranças de infância, as quais incluem também os mais diversos e exóticos personagens – o chamado “surrealismo felliniano”. O título Amarcord é uma referência à tradução fonética da expressão a m’arcord (eu me lembro), usada na região da Emilia-Romagna. Desfilam diante de nós as reuniões de família ao ar livre, o tio louco internado e que acaba sendo “resgatado” por uma freira anã, o barbeiro, o padre desatento à confissão, o gaiteiro cego, o maluco da moto em velocidade, a prostituta, a gorda da tabacaria (inesquecível cena, seguida da febre do garoto “alter-ego” de Fellini), a igreja, o cinema (onde até cachorro entra), as molecagens, o encanto da neve, a majestade do pavão, os poderes do mar (portentosa a cena do navio), os hormônios e a hora de deixar a calça curta, a musa de todos (Gradisca e que na verdade só quer é constituir família) e assim por diante. Enfim, um universo farto e comum a muita gente e absolutamente rico, da época do fascismo e contemplando a vida simples do interior. Os méritos do diretor são inegáveis, inclusive por parecer não ter deixado nada de fora, mas principalmente por ter conseguido harmonizar um numeroso e diversificado elenco de um modo que tudo parece tão natural, que o espectador se vê transportado para aquele mundo na condição de um mero voyeur observando a realidade. Humor, lirismo e poesia são muito bem dosados, as imagens impecavelmente construídas e costuradas e ainda o filme nos brinda com um achado: a música-tema, que se espalha por toda a obra, com variados arranjos e apresentações (composição de Nino Rota e Carlo Savina). O filme – que ganhou o Oscar de Melhor filme estrangeiro em 1973 – termina e nos deixa uma sensação forte de nostalgia, o que não é qualquer obra que provoca. Quem não teve na infância experiências memoráveis? De aventuras, algumas talvez eróticas, secretas, com a morte, com a religião, com o amor…inesquecíveis, enfim? Delas nunca esqueceremos, pois fazem parte de nós. E a elas agregamos agora também as da infância de Federico Fellini. 9,0

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A MORTE DE STALIN

Um jeito criativo e diferente de contar um capítulo da história russa, envolvendo particularidades e humores do Partido etc, basicamente concentrado no estado de coisas reinante no governo Stalin e o caos que se seguiu à sua morte em razão das aspirações e conspirações/estratégias políticas. O nome do filme já relaciona os fatos e a época (meados do século 20), tratando-se naturalmente de evento histórico de grande significado e repercussão. E é uma maneira diferente de contar os fatos, porque o filme não é simplesmente um drama histórico, mas uma sátira política, apresentando momentos alternados: ora permeados de seriedade (até com algumas cenas incômodas), ora de humor negro. Tem altos e baixos, mas predomina a qualidade e a diversão (com alguma cultura histórica), ótimo ritmo e direção de Armando Iannucci, que teve ao seu dispor um elenco absolutamente coeso, com destaque para Steve Buscemi, Jeffrey Tambor e o excelente Simon Russell Beale. Na última cena, quando Khrushchev assiste a um espetáculo, recebe um sutil e extremamente significativo olhar de alguém da fila de cima: nada mais, nada menos que Leonid Brezhnev.  8,0

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KIM NOVAK NUNCA NADOU AQUI

O título deste filme sueco faz referência ao mito do cinema, que pela beleza é associada com a nova professora da escola e que se transforma em musa dos alunos. O tipo de narrativa não é novo. Mas é eficiente. O personagem já adulto contando a história de seus tempos de adolescente no início dos anos 60, época em que ele (Erik) e um amigo novo (Edmund) vão passar as férias de verão em uma casa no campo, junto com o irmão do primeiro (Henry). A narração pelo próprio personagem que vivenciou os fatos cria ao mesmo tempo um distanciamento e uma intimidade muito interessantes. E o filme é muito bem feito, desperta a curiosidade, tem um ótimo andamento, dinamismo, interpretações muito boas e naturais, direção segura e sem deslizes. É uma história dos tempos de pré-juventude, que envolve aventuras, descobertas (entre elas o sexo, claro) e mais para o final – ótimo – um caso policial. Que também instiga e traz um mistério a ser desvendado. Não tem aquelas abordagens de rito de passagem típicas do cinema americano (com trilha comovente, imagens de fim de tarde etc.) e sim a linguagem própria do cinema nórdico, mas mesmo assim – e às vezes por isso mesmo – é um filme muito agradável de se assistir, com ótimos momentos e que pode evocar muitas lembranças, afinal, quem não as tem dessa idade, tão terrível e maravilhosa ao mesmo tempo?!  8,7

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LOU ANDREAS-SALOMÉ

Como é bom conhecer histórias de “espíritos livres”, de “livres pensadores”, pessoas que desde cedo possuem a tendência (e depois a firme resolução) de romper com as regras vigentes. E pensar com sua própria cabeça sendo mulher no século 19 era um grande feito. Esse drama biográfico alemão (co-produção Suiça), dirigido pela alemã Cordula Kablitz-Post, conta justamente a história de Louise Von Salomé, que desde criança já tinha ideias à frente de seu tempo e idade e que mais tarde escandalizou a sociedade, por ser uma intelectual em época na qual a mulher era estimulada a ficar longe dos livros e também pelo seu modo de vida liberal e em razão dos relacionamentos que acabou mantendo, inclusive com alguns ilustríssimos personagens. Ela nasceu em São Petersburgo em 1861 e foi também filósofa, poeta, romancista e psicanalista, tendo sido uma das primeiras mulheres da história a publicar escritos a respeito da sexualidade feminina. Por conta de seu relacionamento com Freud (que o filme explora pouco), acabou sendo uma das poucas mulheres aceitas no Círculo Psicanalítico de Viena. Porém, foi longo o caminho de resolução do conflito liberdade/independência versus intimidade/sexualidade, o que as memórias que resolveu escrever aos 72 anos deixam também claro. O redator e quem a auxiliou nesse projeto foi o filólogo Ernst Pfeiffer, que consta ter sido um dos que também teria ficado encantado com a personalidade ousada e liberta da filósofa. Outros vínculos importantes envolveram Paul Rée, Friedrich Nietzsche e Rainer Maria Rilke, todos sendo retratados no filme como absolutamente hipnotizados, mesmo por alguém que desprezava qualquer relacionamento estável e convencional (desde sempre a ideia de Lou era de jamais casar ou ter filhos). Esse ponto talvez seja um dos falhos do filme, assim como dar ênfase em demasia ao lado amoroso, em detrimento dos aspectos das contribuições científicas da personagem. Entretanto, parece que a vida dela foi efetivamente uma simbiose, na qual os relacionamentos tiverem destaque realmente expressivo, pois em meio a uma sociedade conservadora…De todo modo, as virtudes do filme são muito maiores que os defeitos, mostrando um contexto importante da história, uma personagem de biografia pouco explorada (e que muito merece ser!) e as diversas camadas culturais europeias por onde transitou e onde deixou sua influência pessoal e profissional, junto com elas um painel de importantes transformações sociais, inserido o confronto entre filosofia e religião, o totalitarismo emergente (queima de livros repudiados pelo nazismo) etc. E o filme apresenta ainda uma forma muito original de mostrar as diversas localidades europeias, inserindo os personagens (em movimento) em fotografias e belíssimos cartões-postais de época (São Petersburgo, Roma, Berlim, Zurich…). 8,5

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HAPPY END

Este é um filme francês (co-produção Alemanha-Áustria) que participou de vários festivais, incluindo Cannes 2017, com Isabelle Huppert (que é a Meryl francesa – mais ou menos) e Jean-Louis Trintignant, entre outros e que pode ser definido como um drama hermético e incluído na categoria “filmes de arte”, ou seja, aquela que agrada mais a públicos especiais. Na verdade, usando uma expressão popular, em muitos momentos o filme é absolutamente pedante, cansativo. Primeiro, porque demoramos a nos adaptar com os vários personagens e definir quem é quem, além de também termos que nos acostumar com a morbidez que acompanha boa parte da trama (visão pessoal do cineasta). E segundo e principalmente, porque há cenas com uma duração excessiva, como, por exemplo, a cena do karaokê…essa é uma característica do cinema francês que o torna aborrecido às vezes, embora o diretor seja Michael Haneke e saiba o que faz (A fita branca, A professora de piano, Amor) – apesar de ter realizado obras quase indigeríveis, como Caché. Entretanto, à medida em que a história vai transcorrendo e a familiaridade com os personagens aumenta, o filme cresce. Também porque alguns segredos vão emergindo e com impacto somos levados a conhecer fatos do subterrâneo de alguns personagens e a maldade maior acaba vindo de onde nunca esperaríamos. O filme então acaba se justificando e também a sua densidade. De todo modo, é daquelas obras que permitem diversas interpretações, justamente pela ironia que orbita em torno do drama e a inteligência por trás de sua realização. A  última cena, inclusive, seria até bastante cômica, se não fosse absolutamente trágica.  7,8

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ROMAN J. ISRAEL, ESQUIRE

Um papel diferente e difícil na carreira do grande Denzel Washington, que por ele foi indicado ao recente Globo de Ouro. O filme trata de questões envolvendo a advocacia na grande metrópole, mostra como funciona o voluntariado, mas seu ponto central é o grande confronto entre ética e realidade. O idealismo tem condições de sobrevivência no mundo selvagem e capitalista em que vivemos? O Dr. Israel por certo teve condições de exercitar sua inocência e seus propósitos puros e humanitários enquanto foi apenas uma sombra em um famoso escritório de advocacia. Mas conseguirá manter essa postura no papel de protagonista? Que poderosos obstáculos enfrentará! Várias possibilidades de escolha aparecem, demonstrando que o homem é a soma de suas opções. Mas se tomado o caminho errado insuspeitáveis perigos poderão surgir (e aqui se trata de um direcionamento que o filme toma a partir de certo ponto de sua parte final e que imprime outra dimensão ao personagem e à própria história, que passam a ficar mais vinculados ao crime e ao suspense que o permeia). O personagem é complexo e nos deixa desconcertados em muitos momentos, parecendo às vezes um visionário, outras vezes alguém com limitações mentais, outras ainda um total alienado, “fora da casinha” como se diz popularmente. O enredo esclarecerá melhor essas facetas, mas mesmo assim a mensagem tangencia o respeito às diferenças, principalmente quando alguém não convencional acaba deixando marcantes alguns de seus exemplos. Também atua no filme Colin Farrell.  8,2

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MOLLY´S GAME (A GRANDE JOGADA)

Este é um filme com muito ritmo. Diálogos rápidos, afiados, precisos, envolvendo jogos de pôquer, altas apostas, elites, multimilionários, FBI, atividades ilícitas, investigações, violência, dramas…e a atuação espetacular de Jessica Chastain, indicada ao Globo de Ouro por este papel. Idris Elba também é um grande ator e tem uma performance segura, mas ela é uma força da natureza. O filme é baseado nas memórias de Molly Bloom, que foi uma grande esquiadora e que parou de competir em razão de um acidente e que depois de virar garçonete teve uma ideia genial para subir na vida, seguindo um caminho insólito até ganhar o apelido de “a princesa do pôquer”. Kevin Costner, quem diria, faz o pai da protagonista. E na parte final do filme vemos um dilema ético a ser enfrentado. E que, afinal, acaba sendo o ponto vital do filme e que definiu tanto o destino da personagem, quanto o de diversas pessoas que a ela confiavam seus segredos, na certeza da incolumidade e do anonimato. A escolha da protagonista parece meio romanceada, feita em nome da dignidade, da honra, enfim, dos valores que são caros a todos mas na prática não parece tão comumente defendidos…mas, ao que consta, na realidade os fatos ocorreram exatamente como o filme mostra e em sua parte final referencia a vida real. Ótima diversão.  8,7

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BAFTA (Oscar britânico) – RESULTADOS (18/2/18)

Vencedores (em negrito):

Melhor Filme

  • Três Anúncios Para um Crime – vencedor
  • Me Chame Pelo Seu Nome
  • O Destino de uma Nação
  • Dunkirk
  • A Forma da Água

Melhor Filme Britânico

  • O Destino de uma Nação
  • A Morte de Stalin
  • Reino de Deus
  • Três Anúncios Para um Crime — vencedor
  • Lady Macbeth
  • Paddington 2

Melhor Diretor

  • Denis Villeneuve – Blade Runner 2049
  • Luca Guadagnino – Me Chame Pelo Seu Nome
  • Guillermo del Toro – A Forma da Água – vencedor
  • Christopher Nolan – Dunkirk
  • Martin McDonagh – Três Anúncios Para um Crime

Melhor Atriz

  • Annette Bening – Film Stars Don’t Die in Liverpool
  • Margot Robbie – Eu, Tonya
  • Frances McDormand – Três Anúncios Para um Crime – vencedora
  • Sally Hawkins – A Forma da Água
  • Saoirse Ronan – Lady Bird

Melhor Ator

  • Daniel Day-Lewis – Trama Fantasma
  • Gary oldman – O Destino de Uma Nação – vencedor
  • Daniel Kaluuya – Corra!
  • Jamie Bell – Film Stars Don’t Die in Liverpool
  • Timothée Chalamet — Me Chame Pelo Seu Nome

Melhor Atriz Coadjuvante

  • Allison Janney – Eu, Tonya – vencedora
  • Kristin Scott Thomas – O Destino de uma Nação
  • Laurie Metcalf – Lady Bird
  • Lesley Manville – Trama Fantasma
  • Octavia Spencer – A Forma da Água

Melhor Ator Coadjuvante

  • Christopher Plummer – Todo o Dinheiro do Mundo
  • Hugh Grant – Paddington 2
  • Sam Rockwell – Três Anúncios Para um Crime – vencedor
  • Willem Dafoe – Projeto Flórida
  • Woody Harrelson – Três Anúncios Para um Crime

Melhor Filme em Língua Estrangeira

  • Elle
  • First They Killed My Father [Primeiro Eles Mataram Meu Pai]
  • Sem Amor
  • A Criada – vencedor
  • O Apartamento

Melhor Documentário

  • Eu Não Sou Seu Negro – vencedor
  • Cidade de Fantasmas
  • Ícaro
  • Jane
  • Uma Verdade Mais Inconveniente

Melhor Fotografia

  • O Destino de uma Nação – Bruno Delbonnel
  • Dunkirk – Hoyte van Hoytema
  • Blade Runner 2049 – Roger Deakins – vencedor
  • A Forma da Água – Dan Laustsen
  • Três Anúncios Para um Crime – Ben Davis

Melhor Maquiagem e Cabelo

  • Blade Runner 2049 – Donald Mowat, Kerry Warn
  • O Destino de uma Nação – David Malinowski, Ivana Primorac, Lucy Sibbick, Kazuhiro Tsuji – vencedor
  • Eu, Tonya Deborah La Mia Denaver, Adruitha Lee
  • Victoria & Abdul – Daniel Phillips
  • Extraordinário – Naomi Bakstad, Robert A. Pandini, Arjen Tuiten

Melhor Edição

  • Baby Driver – Jonathan Amos, Paul Machliss – vencedores
  • Blade Runner 2049 – Joe Walker
  • Dunkirk – Lee Smith
  • A Forma da Água – Sidney Wolinsky
  • Três Anúncios Para um Crime – Jon Gregory

Melhor Design de Produção

  • A Bela e a Fera – Sarah Greenwood, Katie Spencer
  • A Forma da Água – Paul Austerberry, Jeff Melvin, Shane Vieau – vencedores
  • Blade Runner 2049 – Dennis Gassner, Alessandra Querzola
  • O Destino de uma Nação – Sarah Greenwood, Katie Spencer
  • Dunkirk – Nathan Crowley, Gary Fettis

Melhores Efeitos Visuais

  • Dunkirk
  • A Forma da Água
  • Star Wars: Os Últimos Jedi
  • Blade Runner 2049 – vencedor
  • Planeta dos Macacos: A Guerra

Melhor Trilha Sonora Original

  • Blade Runner 2049 – Benjamin Wallfisch, Hans Zimmer
  • O Destino de uma Nação – Dario Marianelli
  • A Forma da Água – Alexandre Desplat – vencedor
  • Dunkirk – Hans Zimmer
  • Trama Fantasma – Jonny Greenwood

Melhor Animação

  • Com Amor, Van Gogh – Dorota Kobiela, Hugh Welchman, Ivan Mactaggart
  • Coco – Lee Unkrich, Darla K. Anderson – vencedor
  • Minha Vida de Abobrinha – Claude Barras, Max Karli

Melhor Som

  • Dunkirk – Richard King, Gregg Landaker, Gary A. Rizzo, Mark Weingarten
  • Baby Driver – Tim Cavagin, Mary H. Ellis, Julian Slater
  • Blade Runner 2049 – Ron Bartlett, Doug Hemphill, Mark Mangini, Mac Ruth, Theo Green
  • A Forma da Água – Christian Cooke, Glen Gauthier, Nathan Robitaille, Brad Zoern
  • Star Wars: Os Últimos Jedi – Ren Klyce, David Parker, Michael Semanick, Stuart Wilson, Matthew Wood

 

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IN SEARCH OF FELLINI (EM BUSCA DE FELLINI)

No início o filme já dá a dica, com um pensamento de Fellini: “Realismo é uma palavra ruim. Não vejo nenhum limite entre o imaginário e o real”. Assim é grande parte dos filmes fellinianos, misturando sonhos com realidade, transformando o cinema em um grande exercício do sentir mais do que do pensar. Este filme mostra a protagonista se encantando profunda e definitivamente com a obra do diretor, mas também apresenta o lado de pessoas que veem os filmes simplesmente como uma colagem de imagens, algumas fazendo sentido, outras não. De todo modo, aqui se trata de uma viagem física e emocional, geográfica e íntima (busca interior), criando um paralelo entre a realidade e a fantasia dos filmes, banhando a realidade de beleza e imprevisibilidade, com a intensidade da paixão e da reverência à obra do grande diretor. O encanto do filme é também o inesperado. Mas reside em muito na forma extremamente delicada de contar a história, que a fotografia enfatiza a todo instante, com o clima permanente de sonho. A atriz Ksenia Solo, excelente e extremamente fotogênica/bonita interpreta com intensa emoção e paixão o papel e nos transporta para um universo de busca e no qual é preciso acreditar na mágica, por mais que as dores do mundo real estejam permanentemente nos acompanhando. O lindo desfecho coroa uma bela e lírica obra.  8,8

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PHANTOM THREAD (TRAMA FANTASMA)

O título original do filme tem em parte relação com fio, tessitura e em outra parte com alguns aspectos sobrenaturais relacionados com o protagonista (coisas que o perturbam, fatos filosóficos envolvendo a morte e a pessoa da mãe). A parte do “fio” e da “tessitura” tem duplo sentido, metafórico e literal, porque o personagem é um estilista/designer de moda, circunstância que inclusive se tornou um desafio (de oficina) para o ator principal. Essa introdução é só para comentar mais uma vez a infelicidade do nome em português, a menos que o amadorismo de quem executa a tarefa tenha cedido vez à genialidade de dar à palavra “trama” o mesmo significado do inglês “thread”, no que de modo se acredita. À parte esse fato, este é um filme indicado a vários Oscar: Melhor filme, diretor (Paul Thomas Anderson), ator (Daniel Day-Lewis), atriz coadjuvante (Lesley Manville, a irmã do estilista),trilha sonora e figurino. Surpreendentemente ficou fora da indicação de melhor roteiro, fato difícil de explicar. Mas é verdade que não é comum um filme com esse estilo e natureza ser indicado ao Oscar. Porque se trata de algo denso, psicológico, difícil de entender em toda a sua profundidade, ou melhor, permite algumas “viagens” de interpretação, principalmente em sua parte final. De todo modo, é uma obra extremamente bem feita e original, com uma trilha sonora forte e dramática (que em alguns momentos até parece exagerada para a cena) e que explora os personagens principais de forma intensa, inclusive o diretor não deixando passar a ocasião de explorar o recurso do close no protagonista, fato motivado pela excelência interpretativa de Daniel Day-Lewis, que constrói aqui um personagem fascinante e complexo e que infelizmente, com esse filme, anunciou sua aposentadoria (como ator). Mas se a força da atuação do ator é aproveitada ao máximo e com a competência de sempre pelo diretor Paul Thomas Anderson (Sangue negro, Magnólia, O mestre…), os demais protagonistas não ficam muito atrás, sendo também marcante a performance da atriz Lesley Manville indicada ao Oscar de coadjuvante da irmã do personagem, assim como a de Vicky Krieps, que interpreta um riquíssimo personagem feminino. Quanto ao figurino, é belíssimo, não apenas retratando os anos 50 da Londres pós-guerra, mas também os trajes desenhados e confeccionados pelo renomado Woodcock, à exaustão e perfeição (e com o fator neurótico associado…), inclusive para a realeza da época. O filme é interessante, instigante, mantém em suspense o espectador todo o tempo, tem momentos memoráveis, desperta sentimentos variados e embora não seja tão fácil de ser totalmente compreendido, é daqueles que fazem pensar e deixam impressões e sensações que se perpetuam para além do tempo de sua exibição.  9,0

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WALKING OUTUBRO (EM RETIRADA)

Este é um drama americano, com ação e aventura e rodado em várias localidades, inclusive em Montana, um dos Estados menos populosos dos EUA e que faz fronteira com o Canadá. O ambiente é deserto, com planícies e planaltos frios e extensos, montanhas de neve, árvores coníferas, córregos gelados. A população inclui aves, alces e ursos. É uma paisagem adequada para pai e filho tentarem uma comunicação, uma conexão que tem sido difícil, desejando o pai transmitir ao filho os mesmos ensinamentos de caça que seu pai lhe passou (Bill Pulmann) e propiciar a ele todos os prazeres da primeira caçada. Mas esse propósito encontrará obstáculos, severos e inesperados, apresentando desafios que parecerão bastante difíceis de serem transpostos. O filme tem um ritmo lento, deve ser saboreado aos poucos, porque justamente tem que desenvolver lentamente toda uma relação que pretende resgatar algo e daí se extrai muitas coisas. As imagens são muito bonitas, a trilha sonora é ótima, assim como a direção e as interpretações são convincentes e realistas. E há segredos a serem revelados, superação a ser testada (mostrando forças que se escondem no fundo dos seres humanos) e no mínimo duas ou três cenas marcantes e emocionantes, como a do cervo se aproximando do homem encostado à árvore, belíssima em significado.  8,0