BOBBY FISCHER CONTRA O MUNDO

bobby-fischer-against-the-worldÉ possível imaginar a vida de alguém que substitui a infância sem pai pela dedicação ao xadrez, abrindo mão de tudo o mais? Como crescerá essa criança? O quão estranho será ao mundo e este a ela? De outro ângulo, posso assegurar: quem não joga xadrez, não tem a mínima ideia sobre as emoções que estão envolvidas no jogo, a força mental exigida, a capacidade de concentração, de previsão de lances, memorização, a arte da criação das combinações, do planejamento, o prazer estético das jogadas…Um jogo extraordinário e que teve origem na Índia, no século VI ou VII d. C., passando depois pelos persas, árabes, chineses…Mas que exige muito estudo e dedicação. Sem isso nada feito e um outro fato interessante: é um dos poucos jogos onde a sorte não entra! Documentário com extenso material sobre a vida de Bobby Fischer, tido como um dos ícones de xadrez de todos os tempos e que desde os 7 anos passou a levar o jogo-esporte-arte a sério, abdicando da vida normal que as crianças têm nessa idade. Um gênio do xadrez. Uma lenda e o filme mostra o porquê. Excêntrico, autor de exigências em certos contextos, condicionava o atendimento dos seus pedidos à sua participação…Disputou um match revanche embora proibido pelos EUA. Não pôde regressar…Parte desse documentário é dedicada à história política (e social) envolvida na disputa do famoso match Fischer x Spassky de 1972 (na Islândia, onde ele voltou a residir na maturidade, lá falecendo), pelo qual foi quebrada a hegemonia russa no xadrez. Fotos e entrevistas inclusive do período de preparação, psicológica e física (com personal trainer). O que representou essa disputa, que foi muito além do tabuleiro, o documentário explora e esclarece bem: era época da Guerra Fria, na qual vencer um torneio desse nível significava ou a supremacia do comunismo ou da democracia…Lembro que o mundo todo acompanhava cada jogo, lance por lance e as partidas saíam publicadas no jornal (eu tinha 14 anos e as colecionava). Os jogos foram fenômenos de mídia na época. E a disputa teve diversos dramas, começando pela indecisão de Fischer de ir ou não para a Islândia (até a véspera de iniciar o Mundial e receber uma ligação de Henry Kissinger) – drama que continuou já na Islândia, pois todos tinham dúvidas sobre se ele iria ou não jogar contra o russo. E que se prolongou além do título mundial, pois a fama apareceu para invadir a privacidade tão preservada e estimada (e ele virou, então, um ídolo).  Fischer foi tido como arrogante, dinheirista, imprevisível e o filme enfoca também essa disputa pelo campeonato mundial, porém apresenta uma detalhada biografia de Bobby Fischer, as polêmicas envolvendo seu nome, seu temperamento, um estudioso, um precoce, um fenômeno que foi campeão americano aos 15 anos (ganhando de todos os mestres) e que derrotou os melhores jogadores de seu tempo. Depois, não quis defender o título perante Karpov, virou religioso, desenvolveu terríveis paranoias, virou antissemita, “fora da casinha”, desapareceu por oito anos, enfrentou novamente Spassky, tornou-se expatriado e sumiu de novo, para passar seus últimos dias no país onde ganhou a admiração mundial e que lhe deu a cidadania, opondo-se aos EUA e ao Japão…tornou-se um velho solitário de dar pena por um lado, mas um “velho birrento e polêmico” de outro. Meio demente, meio insano, mas respeitado pelo que representou. Seu médico dos últimos tempos, disse que Fischer não poderia ter sido o gênio que foi se tivesse sintomas de normalidade… Com história parecida com a de Paul Morphy, outro americano, só que do século XIX, que sumiu no auge para mergulhar em psicoses e neuroses. Para quem é fã de xadrez, o documentário é imprescindível. Como no meu caso, fã absoluto de Fischer – para mim, ele é o the best de todos os tempos: inteligente, agressivo, criativo, preciso, inovador, gênio único. Para quem quiser ver o documentário no youtube, o endereço da primeira parte é http://www.youtube.com/watch?v=Ab9kCrLHanI e da segunda parte http://www.youtube.com/watch?v=BPd9gtabGnA. 9,0