O CARTEIRO DAS MONTANHAS
A China já deu ao mundo do cinema obras marcantes, tais como Adeus, minha concubina, O tigre e o dragão, Lanternas vermelhas. Este filme de 1999, dirigido por Jiangi Huo, é, também, algo de destaque na filmografia oriental e contém ensinamentos e mensagens de alcance universal, de costumes/tradições/provérbios e integrações (inclusive entre homem e natureza) emolduradas por maravilhosos cenários e exuberante fotografia, sem esquecer a trilha sonora, que mistura as tonalidades orientais típicas com outras ocidentais oportunas. É um tipo insólito de road movie, na medida em que todo o filme consiste na jornada de dois homens através das montanhas chinesas, pelas diversas comunidades rurais existentes (como a província de Hunan, por exemplo) e com uma simples e principal finalidade: entregar cartas e encomendas aos habitantes que ali vivem, isolados do mundo. Os protagonistas são pai e filho, sendo aquele um carteiro veterano e prestes a se aposentar e o filho o sucessor também na profissão e que acompanha o pai na última jornada deste, com a finalidade do aprendizado, tanto dos trajetos, quanto dos contatos humanos (e aqui é que o enredo se torna mais importante e envolvente). Sentimos aqui, ao mesmo tempo em que ouvimos lições de vida, repetidas por gerações e vindas inclusive de sábios como Confúcio, a importância do respeito às pessoas em geral, aos seus sentimentos, aos mais velhos especialmente, a relevância de qualquer atividade e as responsabilidades que a cercam, por menos expressiva que possa parecer à primeira vista. Há muita delicadeza exposta em cada cena e são momentos inesquecíveis os que, pela primeira vez, pai e filho passam juntos por tanto tempo – o que permite até uma espécie de “rito de passagem” – e este último adquire, assim, uma compreensão maior da própria vida e do que pode estar por vir, inclusive do passado, vindo a finalmente entender os motivos da distância familiar do pai ao longo de seu crescimento (A cabeça do homem dói mais do que as pernas). Os laços afetivos são aprimorados, mas ao mesmo tempo o filme explora o inevitável conflito de gerações, embora a cada passo o jovem perceba que a função que está passando a assumir não é tão sem significado como pensava inicialmente, havendo desdobramentos com grandes repercussões no universo das pessoas que vivem nos referidos locais visitados e que principalmente aguardam com ansiedade a vinda do carteiro, em meio ao total isolamento. O homem sem esperança e sem ambição (leia-se aqui “propósito de existir”) perde parte de sua alma. Há vários temas e diversas cenas muito significativas no filme, como as do próprio cão fiel, das inúmeras águas que parecem simbolizar o próprio tempo, a da velha que espera a carta do neto, a da inesperadamente populosa festa de casamento na aldeia (com destaque para a fotografia, inclusive), a significativa das cartas e do vento. A viagem também envolve as memórias e os tocantes flashbacks da história do pai e da mãe jovens, conhecendo-se e se apaixonando, por exemplo, reforçam a mensagem do ciclo da vida e sem qualquer resquício de apego material. A paisagem é um destaque totalmente integrado e indispensável ao filme, aparecendo muitas vezes de uma forma mágica e impactante, em seus picos montanhosos, vales verdes exuberantes, cursos de água esplendorosos, enfim, um visual que deixa o espectador imerso em suas fantasias e desejos de natureza. Uma história simples, singela, mas delicada e cativante e que celebra a vida e aquilo a que talvez ela devesse se resumir. 9,0