O PRODÍGIO (PAWN SACRIFICE)
A tradução literal do título em inglês obviamente soaria muito mais adequada do que o título em português, porque “Sacrifício de peão” teria tudo a ver com o contexto, baseado em fatos reais. Mas deixemos isso de lado, porque é rito costumeiro…O filme é um drama biográfico enfocando o campeão americano e mundial de xadrez Robert (Bob) Fischer. Mostra sua precocidade de gênio, suas relações interpessoais (difíceis) e sua trajetória rumo ao que ambicionava verdadeiramente: ser campeão mundial, quebrando a hegemonia russa. Tobey Maguire está muito bem no papel, que aborda a chocante dualidade envolvendo o enxadrista: de um lado o gênio idolatrado e que fez história por seu estilo, sua criatividade, seu jogo agressivo, inteligente, tático, fantástico; de outro lado, o sujeito antissocial, mentalmente doente, uma mistura de paranoia, com neurose, psicose etc. Mas também é mérito do filme situar o Embate do Século (o campeão mundial Boris Spassky, muito bem interpretado por Liev Schreiber) dentro de um contexto especial: a Guerra Fria. O match foi acompanhado pelo mundo todo (e gerou milhões de novos aficionados pelo xadrez) e o tabuleiro se transformou, no dizer de um personagem, na terceira guerra mundial (“perdemos China, estamos perdendo Vietnã, precisamos ganhar essa…”). E a disputa foi cercada por diversos incidentes, teoria da conspiração, acusações de espionagem (Fischer procurava sempre escutas nos telefones dos quartos onde se hospedava…), exigências improváveis e até exóticas…e o tempo todo, no início do embate, havia insegurança geral quanto ao comportamento e mesmo ao comparecimento de Fischer, que após perder o primeiro jogo simplesmente não apareceu para jogar o segundo, deixando todos perplexos. Até Henry Kissinger, em nome de Nixon e dos EUA, telefonou para Fischer, a fim de inflamar o patriotismo do enxadrista, que mesmo assim parecia sempre meio aéreo. Tanto, que o filme transparece que os atrasos aos jogos, as exigências fora do comum, tudo estava relacionado com a mente perturbada e não com táticas de jogo ou de guerra, para desconcentrar o adversário. No final, a melancolia pessoal que se seguiu à disputa de 1972 só é superada pelo brilhantismo do jogo de Fischer, fator que acaba sendo o que prepondera na construção do mito. 8,0