HOMEM COM H

Ney Matogrosso é um dos ícones da música brasileira e a revolucionou quando surgiu, irreverente, performático e ousado (em trejeitos e na nudez), nos Secos e Molhados na década de 70 – junto com João Ricardo e Gérson Conrad -, a partir dali e algum tempo depois seguindo uma carreira solo de grande e equilibrado sucesso, embora mantendo uma vida privada bastante reservada, considerando os relacionamentos que teve, inclusive por um longo tempo com Cazuza. Um artista consagrado e respeitado. Mas Ney não teve uma vida fácil, nem artística, nem pessoalmente, principalmente na infância, com pai militar autoritário e muitas vezes violento. Este filme, de cunho biográfico, além de homenagear o personagem consagrado, expõe muitos fatos desconhecidos pela maioria do público, sendo muitos deles incômodos ou perturbadores. O filme, aliás, é pródigo em franqueza, notadamente ao escancarar os relacionamentos homossexuais de uma forma rarissimamente abordada no cinema: expõe as relações interpessoais de um modo absolutamente aberto, tanto no que diz respeito ao aspecto físico, quanto também ao emocional e afetivo desses relacionamentos, com isso humanizando-os como deveria: é, portanto, um filme de cenas fortes, eróticas e absolutamente desaconselhável para menores, ou para conservadores, ou definitivamente para homofóbicos. O importante, porém, é que as imagens que vemos, ora chocantes, mas também poéticas, mostram a realidade e servem ao propósito da história, não existindo para fins escusos ou comerciais. Mas é uma história muito bem contada e que tem momentos extremamente impactantes e emocionantes (em muito por conta das emoções irradiadas dos temas musicais), com uma bela surpresa ao final. Apreciamos Ney desde menino e compreendemos muito de seus caminhos a partir dos fatos de sua infância, de seu temperamento forte e de sua personalidade musical, que acabaram inclusive definindo alguns de seus caminhos e sua firme trajetória em um cenário de difícil penetração. O filme faz com que entendamos perfeitamente como se moldou o homem, o artista, o ídolo e o reverencia à altura de seu talento, que nos sensibiliza e nos conduz a várias instâncias, enquanto navegamos juntamente com ele também pelos diversos sucessos que o notabilizaram (Rosa de Hiroshima, Homem com H, O tempo não para, Pro dia nascer feliz, Não existe pecado no sul do Equador) e mesmo por outras músicas menos conhecidas, porém igualmente relevantes e belas (Postal de amor, Mal necessário, Poema, Pedra de rio), todas elas ganhando marcante feição diante da interpretação original e sentimental na medida certa, sem perder o caráter técnico e a personalidade definida. Uma jornada através do tempo e de uma brilhante carreira (e que ainda leva o artista, à beira de seus 84 anos, a se apresentar e ser ovacionado em palcos pelo Brasil inteiro), mostrada de forma extraordinariamente competente e com grande sensibilidade pelo paulistano Esmir Filho, que encontrou no ator Jesuíta Barbosa o veículo perfeito para nos brindar com um dos grandes filmes brasileiros dos últimos tempos. 9,5