BOLERO – A MELODIA ETERNA (BOLÉRO)

Como alguém já diria, do final do século 19 para as primeiras décadas do século 20 a música clássica seguia mais ou menos os padrões determinados, com poucos lampejos inovadores, os quais foram surgindo à medida em que o novo século avançava. Até por isso, o francês Maurice Ravel, com reconhecida influência de Debussy em suas primeiras obras, permitiu-se incursionar por terrenos menos convencionais em algumas das composições que passou a apresentar, inclusive consolidando sua fama na época da Primeira Guerra e na que se seguiu. E importante também a confessada influência que teve do russo Igor Stravinski, esse sim um integral revolucionário da música clássica, com obras inovadoras tanto em ritmo e harmonia, quanto em orquestração e no próprio método de compor (inclusive difíceis de decifrar e algumas até de escutar) – ambos se conheceram, dividiram projetos e acabaram rivalizando, a despeito da mútua admiração. Nesse panorama é que em 1927 a coreógrafa, bailarina e mecenas Ida Rubinstein encomendou a Ravel uma trilha musical para a peça que a russa pretendia apresentar no ano seguinte e que de fato estreou em 22 de novembro de 1928 na Ópera Garnier em Paris. Este filme aborda tais fatos, mas principalmente todo o ambiente e clima da época, a personalidade de Ravel e os conflitos e angústias que o povoaram no difícil processo criativo do que viria a ser simplesmente o “Bolero”, uma das mais belas e originais composições musicais de todos os tempos: e que, segundo consta, é tocada em diversas partes do mundo a cada 15 – o filme exibe, inclusive, variadas e criativas versões da música, para demonstrar seu extraordinário alcance e também sua invulgar beleza. Muito interessantes as fontes de inspiração de que teria se valido Ravel para compor o “Bolero”, incluídos o som e o ritmo da fábrica na primeira cena e a música de sucesso apontada pela amiga próxima de Ravel de nome Marguerite Long (que na verdade foi uma virtuosa pianista da época): ficou claro que a batida marcial do acompanhamento foi aproveitada por Ravel. Talvez ao filme falte emoção, principalmente quando aprofunda os dramas do personagem com a pressão da composição (pressão da obra contratada?), mas parece claro que foi essa a aposta/opção da diretora Anne Fontaine (Coco antes de Chanel, Gemma Bovary, Adore – amor sem pecado), que deu tal enfoque justamente para construir, com o mesmo molde, também o personagem de um Ravel discreto, exigente, crítico e disciplinado em sua arte, na qual imergia completamente, inclusive sendo fato que até hoje os biógrafos nada podem dizer de efetivo sobre sua vida sentimental, mantida por ele em sigilo estoico. E é, assim, do comportamento desse personagem de muitas reticências que se alimenta o feitio de todo o enredo. Algo carente de cor e ousadia, como dito por Misia, a socialite interpretada por Doria Tillier (Senhor e senhora Adelman, Belle Époque) e que nada mais poderia fazer para deixar mais transparente o que sentia por um totalmente contido Ravel (interpretado pelo francês Raphael Personnaz). Sobre o ótimo elenco, Marguerite é interpretada pela francesa Emmanuele Devos e Ida Rubinstein pela também francesa Jeanne Balibar. No final das contas e com um desfecho emocionante (e que celebra o foco principal de tudo), o filme deve ser visto em sintonia com a sua real motivação: um tributo a uma obra-prima e ao gênio que a concebeu. 9,0