OS ESPÍRITOS DE INISHERIN (THE BANSHEES OF INISHERIN)

Provavelmente este tipo de filme não vai agradar a todo público. Mas para mim foi uma experiência cinematográfica das melhores. Daquele filme que após seu término ainda nos deixa com várias sensações por um bom período, algumas delas meio indefinIdas, por conta do impacto – e da riqueza – do universo retratado. Inisherin é uma ilha ao oeste da Irlanda e toda a história se passa no diminuto povoado lá residente, na década de 1920, época do início dos conflitos pela independência irlandesa (da guerra se sabe e se ouve, mas ao longe…). Mas o tema aqui são outros conflitos, embora os acontecimentos deste reduzido ambiente certamente possa ser projetados para âmbitos maiores, de convivência dos seres humanos e mais: de manifestações humanas das mais variadas formas. Quem é normal, afinal? Quais atitudes caracterizam o ser humano normal? E olhando por uma lupa do que se tem como “normalidade”, aparentemente só existe no povoado uma pessoa normal, que é interpretada pela excelente atriz Kerry Condon. Quais os limites do homem sob pressão? E quando uma rotina subitamente se quebra? Aqui, algo inesperado e surpreendente ocorre e a partir dali muitos desdobramentos vão se seguir. Curiosa a classificação deste filme como uma comédia dramática (ou foi uma questão “política”?), mas o lado de “comédia” só pode ser entendido como de “humor negro”, o qual decorre não do revestimento da obra, mas das próprias ações dos personagens, em suas atitudes mais extremas ou bizarras, ou seja, esse enquadramento de comédia só se justifica pela visão divertida que se pode ter da natureza humana. E, também em razão disso, não há como se simplificar um roteiro de tal complexidade e conduzido com mãos de mestre pelo diretor Martin McDonagh (também autor do roteiro). Tem que se assistir ao filme e ir aos poucos absorvendo tudo o que ele transmite, inclusive sob a forte influência da mitologia celta (provavelmente representada no filme pela personagem Mrs McCormick), para se chegar ao arrebatamento que ele proporciona, em texto (realmente um ótimo e original roteiro) e em imagens, porque a fotografia é belíssima e nos fornece momentos fabulosos, inclusive pela própria beleza selvagem e esplendorosa do litoral escocês. A trilha sonora completa a harmonia de todos os elementos, aos quais naturalmente se agrega –  e pontifica – de forma absolutamente equilibrada o estupendo elenco, comandado por Colin Farrell – em um papel que certamente lhe impôs muitos desafios, dos quais deu boa conta – e pelo sempre brilhante Brendan Gleeson. Também merecem destaque Gary Liyon (o policial) e principalmente Barry Keoghan, que desempenha maravilhosamente o supostamente único tolo da aldeia (Dominic). Um filme original, muito bem cuidado, muito bem realizado e que nos traz um produto cinematográfico de alta qualidade. O título do filme (espíritos) que está sendo usado em Portugal é o melhor, em razão do significado do termo “banshees” (vale a pena procurar e ler a respeito). Vai concorrer ao Globo de Ouro (10/1/23) em 8 categorias: Melhor filme de comédia ou musical (o que, de certa forma, é quase uma piada…), Melhor diretor, Melhor roteiro, Melhor ator (Farrell), Melhor atriz coadjuvante (Condon), Melhor ator coadjuvante (dois atores concorrendo: Gleeson e Keoghan) e Melhor trilha sonora. 9,2