SPENCER
Desde o início o filme já adverte ser Uma fábula de uma tragédia real. Esse termo “real” aqui tem duplo significado, pois ao mesmo tempo em que se refere à realidade, também guarda a conotação de “realeza”, já que o roteiro está centralizado em fatos envolvendo a Princesa Diana (da família Spencer, que justifica o título do filme) e a Família Real britânica, a qual pertencia seu marido, o Príncipe Charles. Mais especificamente em certos dias do Natal dos anos terminais de crise do casamento dela com Charles. E o espectador, acostumado a filmes mais leves envolvendo a realeza, deve ser também advertido de que este filme não tem nada de romântico ou encantador. Ao contrário, é um retrato triste, e pungente, repleto de angústias e “prisões” dentro de um verdadeiro quadro patológico envolvendo a saúde de Diana e as limitações impostas pelas tradições da Monarquia. A par de mostrar esse painel, o filme é uma clara e severa crítica a todo esse sistema que contempla, no qual os rituais parecem não ter um significado justificável ou no mínimo serem mais importantes do que as próprias pessoas que os praticam religiosamente. Somos brindados com o requinte e o impecável ambiente da Família Real, os históricos costumes ingleses, como a caça de faisões, mas também constatamos a dor, as paredes vazias e as pessoas ocas por debaixo do verniz. O filme não faz concessões e por esse motivo, inclusive por desglamourizar Diana, não é para todo tipo de público. A respeito da interpretação da Princesa de Gales, foi um desafio enfrentado e vencido com coragem pela atriz Kristen Stewart, que pelo que consta enfrentou perturbações físicas e fisiológicas verdadeiras na preparação para desempenhar a personagem. Mas se saiu de forma elogiável. Um filme nada fácil de digerir, com seu realismo inesperado e chocante, embora cercado de uma ótima produção e fotografia, com paisagens e cenários majestosos, inclusive os magníficos interiores e todo o requinte palaciano. O que parece destoar a princípio é a trilha sonora, pois é muito estranha e parece anacrônica ou inadequada, como aquelas dos tempos da nouvelle vague dos anos 60. Todavia, tudo é proposital, é claro, e percebemos, quando a música subitamente cessa, que retornamos a uma paz que foi justamente quebrada pela miscelânea de sons, concluindo então que essa trilha é elemento vital para a percepção do real estado de coisas e do que se passa na alma da princesa. O diretor é o chileno Pablo Larrain (Neruda, Jackie) e de conhecido participa também do filme o ótimo Timothy Spall. Difícil saber o que é biografia e o que é ficção, mas o fato é que se fica compreendendo talvez um pouco mais da gênese do mal que pegou o mundo de surpresa, quando vieram a público fatos caprichosa e cuidadosamente preservados durante anos, dentro das quase intransponíveis muralhas reais. 8,0