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HIGH SIERRA (SEU ÚLTIMO REFÚGIO)

Sem Humphrey Bogart seria um filme absolutamente banal. Porque apesar de alguns enfoques interessantes, no fundo acabam sendo variações sobre o mesmo tema. Talvez não época não fosse tanto assim, mas vendo hoje não desponta como uma das grandes produções. Inclusive há alguns altos e baixos do roteiro. Ida Lupino foi posta como um atrativo, mas na verdade não é uma atriz de grande destaque dramático. Entretanto, com Bogart no elenco  o nível sobe bastante, diante do indiscutível carisma do ator  e a bilheteria em pleno 1941 quase chegou a um milhão e meio de dólares. Três vezes o investimento. Mas o ritmo do filme é bom, idem a fotografia, a trilha sonora e a direção de Raoul Walsh, acabando por compor um conjunto bastante interessante e às vezes empolgante, com uma ou outra cena memorável. Bastante atraente a relação do personagem com a família e com a moça que queria dançar. Arthur Kennedy bem novo está quase irreconhecível e Bogart a partir desse filme nunca mais deixou de ser o primeiro nome nos créditos de qualquer elenco.  7,8

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SCHUSSANGST (MEDO DE MATAR)

Este drama de 2003, meio policial, alemão, é um filme daqueles meio estranhos e que exige paciência porque começa a ficar atraente apenas depois de um bom tempo. O personagem é esquisito, mas isso é também virtude do ator – que lembra um pouco em aparência o que seria o tenista Roger Federer mais jovem e mais soturno – e que compõe um personagem cujos sentimentos parecem ser claros, mas cujas ações são imprevisíveis. E vemos também, em torno do foco central do drama, orbitarem fatos e coisas cotidianas, pessoas comuns, que tiveram seu passado e cujo futuro não é mais do que um minguado de esperança. São cenas interessantes e uma deles muito comovente (e revoltante), quando uma condômina, já idosa, é retirada de casa e do pet de estimação, para ser levada a um outro lar. O fato é que depois de algum tempo sem nada ocorrer, as coisas engrenam e o filme passa a ficar atraente e com potencial para a qualquer momento surpreender. E compreendemos, enfim, que mesmo por caminhos diferentes, às vezes o que vale é seguir o instinto quando tentamos adivinhar os limites de um personagem. E que na vida existem obsessões cujos motivos fogem à compreensão do observador.  8,0

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TRANSIT

Esta produção alemã (e co-francesa) tem algo muito original desde o seu início: vemos uma França contemporânea, ou seja, da atualidade (notadamente a cidade de Marselha), mas os fatos que acontecem são da época da Segunda Guerra, quando houve a Ocupação do país pela Alemanha Nazista. Ou seja: os personagens são acuados, perseguidos, vivem na ilegalidade, com receio de serem mortos, expatriados, exterminados, invadidos, diante do patrulhamento permanente e dos riscos iminentes de violência e invasão total, porém em volta deles temos as cidades como são hoje, no século XXI, com carros modernos e tudo o mais. É como se a França de hoje fosse ocupada pelos nazistas. A mensagem parece sugerir realmente um paralelo entre a situação dos judeus da década de 1940 e a dos imigrantes dos anos atuais (principalmente pelo enfoque dado à mãe surda-muda e ao filho) e o personagem principal é um alemão que mora na França e que tenta fugir antes de ser preso. Se assim for, realmente é algo muitíssimo bem bolado e com alguma complexidade ainda a ser desvendada. Entretanto, embora o filme seja atraente pelo mistério que permanece e pelo imprevisível de seus fatos e das relações que apresenta, ao mesmo tempo não satisfaz totalmente e no final deixa a impressão de que, com todas as ideias e material disponíveis, poderia ter sido bem melhor.  7,8

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O PROTETOR 2 (THE EQUALIZER 2)

Todos carregamos a ancestral vibração do momento extático em que chega a cavalaria para salvar a caravana cercada pelos hostis e selvagens índios, quando tudo parecia perdido. A vitória do bem sobre o mal. O mocinho que salva a mocinha no último momento do perigo, ela na queda e o superman a apanhando em pleno ar, o tiro nas costas do vilão antes de desferir a facada no amigo do mocinho que está ao chão indefeso…E assim vamos. E por isso o sucesso de filmes do Bruce Willis, antigamente dos de Charles Bronson e de muitos outros. E aqui não é muito diferente, inclusive havendo momentos na parte final do filme que evocam cenas dos famosos westerns. O Protetor é um herói anônimo, silencioso, discreto e solitário. Mas letal e impiedoso, embora um coração pulse sob a couraça inexpugnável. Sua missão e jornada são as de ajudar os fracos e oprimidos. E ao longo do filme temos vários exemplos disso, em lições até repetitivas, mas algumas com bastante violência e sem qualquer condescendência com os malfeitores. É isso que se gosta de ver, que resgata a dignidade e a esperança! E quando se trata de uma sequência – que não se nivela ao original, mas ainda assim ainda é interessante – com o carismático Denzel Washington, a aposta é certa de bom entretenimento, ainda mais com o diretor Antoine Fuqua (que dirigiu Denzel no filme anterior e em Dia de treinamento) também acertando a mão. Nenhuma novidade, mas o de sempre divertindo.  8,0

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PARA TODOS OS GAROTOS QUE JÁ AMEI

Mais um sucesso dessa extraordinária Netflix. Um filme definitivamente teen, adolescente, juvenil, “colegial”, enfim. Mas é tão sincero, ágil e transparente nos sentimentos, como se a juventude tivesse a capacidade de fazer o que os adultos tanto teimam e não conseguem : isso também faz parte do seu fascínio e torna muito prazeroso se assistir a ele. Também porque nostálgico aos adultos. Ótima direção de Susan Johnson e interpretação espontânea e com ares de verdade de todos do elenco, comandados pela jovem e talentosa Lana Condor. E os sentimentos voam soltos, verdadeiros, diálogos ágeis e um roteiro que com bom gosto acaba alcançando os resultados desejados, pelo menos naquilo que o cinema permite fazer, em se tratando da difícil tarefa de adaptar um livro de sucesso. Trata-se de um filme romântico americano de 2018, com alguns clichês de sempre, mas bem inseridos dentro de um contexto de qualidade, que acaba prevalecendo e divertindo sem comprometer de modo algum. Um filme leve e com alguns momentos adoráveis.  8,0

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CAMPEONES (CHAMPIONS)

Um filme divertido, prazeroso, adequado para toda a família, com linda fotografia e ótimo ritmo (embora simples), contendo vários exemplos enaltecedoras e muitas cores, risos e emoção, lançado em 2018. Os rumos da história, salvo um ou outro fato esparso, não são nada difíceis de se prever, mas aqui se aplica o ditado que diz que “a viagem é mais prazerosa do que a chegada”. Feito para dar exemplos de vida, de respeito e de dignidade (notadamente em face das “diferenças”), a realização, porém, transcorre de um modo nada piegas, sem aquelas chantagens sentimentais costumeiras e, por outro lado, a atuação conjunta do elenco é admirável. Talvez esses fatos – em conjunto com a ótima direção (Javier Fesser) – decorram da origem espanhola do filme, pois se fosse americano certamente teríamos aqueles incômodos e às vezes irritantes clichês. Não que aqui não existam. Mas são sutis e se integram perfeitamente ao andamento das coisas. Portanto, uma gostosa comédia que emociona e faz rir e que também apresenta mais uma segura atuação do ótimo Javier Gutiérrez (de O autor). E pelo que consta, o filme vai representar a Espanha no Oscar 2019 (Melhor filme estrangeiro).  8,5

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A ESPOSA (THE WIFE)

A certa altura desse drama americano de 2017, em meio a belos diálogos e a momentos marcantes e de diferentes emoções, a gente pensa “que bela dupla de protagonistas!” e “que direção equilibrada, perfeita e sensível”. Trata-se realmente de um filme forte pela história dramática que apresenta, com um roteiro (adaptado de obra literária) que aos poucos vai desvendando fatos surpreendentes e de grande repercussão na vida dos personagens, com uma direção impecável do sueco Björn Runge e atuação magistral dos veteranos Glenn Close e Jonathan Price. Ela é realmente um show de atriz e nesse papel faz brilhar toda a experiência contida que possui e que em um gesto ou olhar diz muitas coisas e faz a emoção aflorar. Quanto ao enredo, enfoca um determinado universo – literário e que inclusive envolve o glamour do Prêmio Nobel e a charmosa Estocolmo -, mas seu contexto facilmente pode ser transportado para âmbitos maiores, para outros tipos de relacionamentos e situações, de modo a ter, dessa forma, um alcance universal.  9,0

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A CROOKED SOMEBODY

Este não é um filme sofisticado, mas um filme simples. Só que o drama se cerca de mistério, suspense, um ou outro momento de tensão e imprevisibilidade o suficiente para manter a atenção. O filme coloca sob os holofotes os espertalhões que alegam ter poderes psíquicos, o charlatanismo do falso médium e, obviamente, do outro lado as pessoas sendo enganadas em seus bons sentimentos e em suas carências. E em torno de tais fatos uma história policial, com alguns interessantes desdobramentos. Aos momentos bons, entretanto, misturam-se outros menos consistentes, mas o produto final acaba agradando e os pontos positivos prevalecem, acabando por oferecer algo ainda acima da média. Muito bons Rich Sommer como o protagonista e Clifton Collin Jr, além de Ed Harris e Amy Madigan, que em papéis secundários – mas não sem importância – mostram o carisma de sempre, principalmente ele, um extraordinário ator. Uma boa diversão e que traz também alguma reflexão.  7,8

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AS VIRGENS SUICIDAS

Este filme, magnificamente dirigido por Sofia Coppola (Maria Antonieta, Encontros e desencontros…) e lançado no ano 2000, não é um filme fácil. Porque no fundo não tem nada cor-de-rosa, como a aparência poderia fazer supor. Aliás, o próprio roteiro já de início deixa claro que sob o verniz de beleza e normalidade algo muito grave se passava naquela casa, com aquela família. De um lado meninas aparentemente felizes, normais e sonhadoras. Mas de outro, um pai ausente, alienado, entorpecido, apático (o ótimo James Woods) e uma mãe atenta, dominadora, mas fanática (a ótima Kathleen Turner). O efeito de tudo isso e da puritana educação é explosivo e brutal, no represamento da liberdade, na impossibilidade da comunicação, nas consequências que provoca nas jovens e frescas mentes e expectativas. O filme é fortíssimo na ironia/humor negro e na crítica do politicamente correto, sendo sufocante e perturbador na sua falta de convencionalidade para tentar mostrar o convencional. Embora sob um poderoso olhar feminino. Inclusive ao mostrar um mundo de diferenças claras entre meninos e meninas. Muitas cenas são marcantes e reveladoras do contexto referido, como a da mãe fazendo a filha se desfazer de todos os seus discos de rock, a dos olhos tristes da Lux, acentuando a impossibilidade do rompimento, a impotência…a falta de saída possível, a emoção e a insegurança do primeiro baile, o beijo escondido…E a parte final do filme é absolutamente melancólica, a partir do corte do salgueiro e da cobertura da TV, retratando amargamente uma juventude sufocada por caminhos que não escolheu, sendo obrigada a seguir o modelo planejado pelos pais e até sendo antecipado para os anos 70 um problema que viria acometer, décadas mais tarde, tanto jovens quanto adultos aos milhares e que é a depressão, um grande desafio do mundo moderno. Um filme que mostra a juventude enclausurada, sendo por isso bastante nostálgico e dolorido, embora emoldurado com belos clássicos da música (Run to me, Alone again, How can you mend a broken heart…) e já revelando a sensualidade e o talento da atriz iniciante à época Kirsten Dunst. Finaliza com lacunas, como o faz a própria vida, ao testar permanentemente nossos sentimentos e deixar muitas possibilidades abertas e nenhuma resposta.  9,2

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OPERAÇÃO FINAL

A história aqui é a da caçada de Adolf Eichmann, oficial nazista fugido da guerra e acusado de ter arquitetado e colocado em prática o extermínio dos judeus. Por esse motivo o filme pode ser doloroso para muitos, mas, afinal, o objetivo de Israel é justamente capturar o fugitivo – que acabou se escondendo longos anos na Argentina – para levá-lo a julgamento, como um necessário resgate ao povo judeu e à humanidade, em um ato de justiça que muito tardou para ser praticado. E isso 15 anos após o término da Segunda Guerra. Um filme com ótima reconstituição de época e de fatos e Ben Kingsley dando dignidade plena e força ao personagem (aprofundamento dos detalhes da personalidade), como costuma fazer com todos os que interpreta. Muito bons também Oscar Isaac e a talentosa Mélanie Laurent.  O roteiro valoriza os pormenores da operação, mostrando-nos passo a passo e com tensão o planejamento dos detalhes para a final captura do criminoso.O filme é burocrático em algumas ocasiões, mas em outras nos provoca a indignação e acaba valendo muito a pena por nos lembrar dos horrores da guerra e, de outro lado, nos alertar para as ameaças que permanecem latentes, pela própria natureza do homem.  7,8

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DOGMAN

Um filme original, tenso, instigante, mas forte e poderoso, com algumas cenas brutais, mostrando a desumanização/brutalização do ser humano ao enfocar um sujeito com jeito de coitado, cuja vida é dedicada à filha e aos animais na loja pet de sua propriedade, justamente como o nome de Dogman. Ele vende drogas, leva uma vida com eventuais escapes para a marginalidade, parecendo apreciar o perigo e a vida criminosa como uma fuga para a sua insignificância ( o cidadão comum sob holofotes… ). Mas é um homem com um bom coração e que ama os animais, embora conviva também com animais humanos muito mais perigosos e hostis. A história se passa em um local indeterminado no litoral da Itália e o diretor Matteo Garrone é excelente, assim como o são o protagonista e o ator que faz o papel de Simone, este último realmente conseguindo nos transmitir os piores sentimentos possíveis, inclusive a raiva impotente, de termos que conviver com certos fatos e nada podermos fazer para evitá-los. O homem tem seus limites e quando oprimido além deles, o imprevisível pode se passar por seus pensamentos. Dogman é um drama italiano de 2018, que foi selecionado para competir pela Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes de 2018 e premiou também com justiça Marcello Fonte com o prêmio de Melhor Ator.  8,7

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SUA MELHOR HISTÓRIA

Um filme agradável de se ver e que faz rir e também emociona. Em plena época da Segunda Guerra e da Londres sob bombardeio alemão (1940), uma equipe de cinema do governo tem a missão de manter em alta o moral do povo inglês, produzindo um filme que enalteça o heroísmo e faça permanecerem acesos os valores do heroísmo, coragem, patriotismo e sobretudo da esperança. O grande poder da arte, na comunicação imediata com o povo, seria a resposta de um país vendo ruir suas estruturas, a partir do tema do famoso episódio de Dunquerque, a fim de estimular todo um país a resistir e a se reerguer (filme-propaganda). Em torno desse fato e do filme dentro do filme, a história se constrói, em tom de comédia, mas evocando alguns dramas e até romance. E com subtextos interessantes. Com a atuação muito boa de Gemma Artenton e ótimo elenco (que inclui Bill Nighy e em passagem meteórica o carismático Jeremy Irons), o filme tem um roteiro e direção seguros (a cineasta dinamarquesa Lola Scherfig, de “Educação” e “Um dia“) e algumas ótimas “sacadas” irônicas contra os EUA, começando pelo “arranjo” no roteiro para colocar o ator de “brancos dentes” e terminando por criticar o way of life do povo americano, como apreciador da arte cinematográfica. Em alguns momentos, o filme lembra a famosa frase de O homem que matou o fascínora, sobre o poder da imprensa e a necessidade de às vezes se maquiar a realidade: se a lenda for melhor do que a realidade, publique-se a lenda. Na minha opinião, a súbita guinada na última parte do filme caiu mal, pois eu a achei sem sentido e de mau gosto (numa tola tentativa de originalidade forçada), embora muitos possam não ter interpretado assim. Mas rumando para o final ocorre de certa forma um resgate da normalidade e se reservam as melhores cenas e emoções, no triunfo da sétima arte e no da vida sobre a morte (sucedendo uma feliz frase do personagem de Bill). 8,0

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A VIDA DOS OUTROS

Este é um filme alemão de 2006 de primeiríssima linha e que ganhou inúmeros prêmios, tanto do próprio cinema alemão (filme, ator, roteiro, direção…), como do europeu (Prêmio do Cinema Europeu de Melhor Filme), sendo também premiado como Melhor Filme Estrangeiro nos mais importantes festivais do mundo, como o Oscar, o Bafta e o César (Oscar francês). É uma obra extremamente bem acabada, em todos os detalhes e ainda impactante pelo excelente roteiro (do próprio diretor Florian Henckel von Donnersmarck) e pela importância do tema, que contempla a Berlim Oriental dos anos 80, antes da derrubada do Muro e as atividades de controle/espionagem do Estado totalitário (escuta principalmente) para investigar/denunciar inimigos do regime socialista. O roteiro enfoca principalmente um famoso escritor e uma consagrada atriz e faz um estudo profundo tanto do sistema, do poder insensato e devastador do Estado, como da vida pessoal dos investigados (a arte tentando não ser amordaçada) e da possibilidade de sensibilização do ser humano, mesmo diante dos limites da liberdade e do temor do castigo. Um brilhante drama histórico, político, social e humano, com grande densidade e sensibilidade. A parte final do filme coroa de forma extraordinária todo o contexto, de forma surpreendente e magnífica. Encerro com o final da resenha do médico e cinéfilo Marcelo Sobrinho sobre o filme, que achei devastadora e mais do que apropriada: Uma ditadura sempre começará a definhar quando um homem for capaz de se reconhecer no outro. 9,5

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AQUI EM CASA TUDO BEM (A CASA TUTTI BENE)

A verdade deveria ser a matéria-prima dos relacionamentos. Mas não é. As pessoas escondem coisas. As próprias estruturas familiares impedem que certas verdades sejam ditas. Em um belíssimo trabalho de elenco e de direção (Gabriele Muccino, de O último beijo, Sete vidas, À procura da felicidade…), este filme mostra aquela família típica italiana que todos conhecem, de mesa repleta e farta, falante, composta por avós, pais, mães, filhos, netos…e os relacionamentos, que aparentemente são todos ótimos e felizes. Só que embaixo do verniz se escondem os segredos, as coisas não ditas, o que torna as pessoas infelizes. E diante de um fato imprevisto, que provoca a permanência dessas pessoas reunidas por um tempo além do previsto, alguns desses segredos começam a vir à tona…E em meio à constatação do quanto é triste quando se tem que viver à margem da verdade, também se vê como os seres humanos são complexos, complicados, como os sentimentos são difíceis de ser expostos, ainda mais nas relações amorosas. Com Pierfrancesco Favino, a agora veterana Stefania Sandrelli e grande elenco (em todos os sentidos), uma comédia leve mas ao mesmo tempo ácida, que faz lembrar de outras obras do gênero e que exploraram o tema até mais profundamente. Mas é um filme muito bom e que ao final deixa uma mensagem edificante, de que o melhor alimento é o amor e sempre há tempo para sermos felizes.  8,5

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UTOYA

Em 22 de julho de 2011 o mundo, incrédulo e assustado, foi obrigado a reconhecer, à força, que a violência súbita e implacável é uma realidade que pode estar em qualquer parte, que o terrorismo não tem mais fronteiras e que mesmo lugares sempre tidos como pacíficos podem ser alvos de ataques brutais e aparentemente sem sentido. Este filme aborda o que ocorreu na Ilha de Utoya, na Noruega, e que em apenas 72 minutos resultou em mais de setenta mortos e quase cem feridos, sendo as vítimas jovens de 15 a 18 anos na maioria, do partido trabalhista norueguês e o atirador um partidário da extrema direita. O filme é extremamente bem realizado, retrata os fatos com base em relatos dos sobreviventes e choca mais ainda, na medida em que mostra os acontecimentos sob a perspectiva dos agredidos. Hitchcock já dizia que o maior terror é aquilo que não se vê e o diretor Erik Poppe adota inteiramente esse pensamento: o espectador só ouve tiros, correria, gritos, não vendo o atirador: não sabe onde ele está e nem de onde ele pode surgir a qualquer momento. E nesse ponto é que reside o maior mérito do filme, ou seja, o suspense e a tensão quase insuportáveis em muitos momentos, sendo escancarado o horror sob o olhar das vítimas, no caso uma personagem tendo sido escolhida para retratar todo o pânico e o desespero.  A trilha sonora tensa e perfeita, a câmera ágil (muitas vezes de mão) e a convincente interpretação do elenco tornam o drama mais intenso e perturbador. O único ponto que poderia ser questionado é o da falta de tempo para reflexões e de explicações ou questionamentos sobre a origem do mal, sobre os motivos criminosos, pois o filme apenas faz o cruel relato, sem juízo de valor, começando com a bomba detonada em Oslo (pelo mesmo criminoso) e se concentrando a partir daí, durante todo o tempo, no massacre da ilha de Utoya. Mesmo assim e a despeito da dor e do terror, é um belo momento sob o ponto de vista cinematográfico.  8,5

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A SOCIEDADE LITERÁRIA E A TORTA DE CASCA DE BATATA

O título do filme é comprido, mas como diz um amigo não poderia ser outro. E é daqueles que permanecem conosco horas depois de vê-lo. Pela beleza, pela emoção que passam, nos trazendo leveza em meio a dramas fortes, mas prevalecendo as coisas boas, coisas do coração, que nos tocam e nos enternecem. Estrelado pela carismática e bela atriz do momento, Lily James (Mamma Mia, Cinderela…), o foco são fatos da Segunda Guerra e as consequências que dos mesmos advêm. E justamente na época da Guerra é que as ilhas de Guernsey eram ocupadas pelos nazistas e a sociedade literária referida passou a existir, como uma salvação contra a violência dos opressores. Uma saída mágica e que acabou gerando mágica para o futuro, pois em meio a fatos literários (en passant ou não, o amor pelos livros povoa o filme) se desenrolam dramas, intrigas, mistérios, aventuras, encontros. É um filme leve e todo emocional, daqueles que despertam emoções fáceis mas verdadeiras. Apesar das “variações sobre o mesmo tema”, quem não quer desejar a vitória da beleza, da coragem, da bondade? Quem não espera que na vida todos os sonhos sejam possíveis e o que é belo possa triunfar? Uma maravilhosa viagem, com espetacular fotografia e trilha sonora, perfeita direção e atuação harmoniosa de todo o elenco, que tem, além de Lily, Michiel Huisman (Game of thrones, A incrível história de Adaline….) entre vários outros ótimos atores e atrizes. O diretor é Mike Newell (Quatro casamentos e um funeral, Príncipe da Pérsia, Harry Potter…).  9,0

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BEAST

Um drama policial com suspense (psicológico, em grandes doses – com permanente tensão do início ao fim), ou, para resumir, um thriller. De produção inglesa, 2017, magistralmente dirigido por Michael Pearce, também autor do ótimo roteiro. Pelo que consta, é o primeiro longa metragem desse premiado diretor de curtas. E já começou com todo o fôlego, porque se trata de um filme fascinante e que mantém o espectador o tempo todo interessado, ligado na história e principalmente sem saber o que virá a seguir. Somando-se à qualidade do roteiro e da direção a atuação magistral de Jessie Buckley, as competentes fotografia e a trilha sonora, fica composto um conjunto original e de elevada riqueza cinematográfica. Não que vá agradar a todos os gostos. É um filme de estranhezas. Algumas pessoas parecem agir fora do trivial, fatos e cenas são forçados (na minha visão, intencionalmente), os personagens principais são inquietos, enigmáticos e com isso geram a expectativa de poder acontecer qualquer coisa a partir deles. E isso é um mérito do filme e do elenco, porque vemos o quão inesperados podem ser os meandros do ser humano, o quanto diferentes podem ser as pessoas, o que são, o que buscam e o que ocultam. A alma humana é tão vasta e imprevisível, que pode realmente às vezes transitar por estranhezas e bizarrices. Talvez seja essa a explicação do título deste filme, que pode dar margem a muitos debates, mas que tem inegavelmente a marca da qualidade. 9,0

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MISSÃO IMPOSSÍVEL – EFEITO FALLOUT

Este filme – salvo engano o sexto da série no cinema – é realmente irretocável em termos de efeitos especiais, ousando fazer cenas de ação e perseguição inclusive nas ruas centrais de Paris e no Grand Palais (passando pela espetacular arquitetura de seu teto), além de outras extraordinárias em vários ambientes, envolvendo paraquedas, carros, motos, helicópteros… E felizmente continua preservando dois elementos essenciais da série original da TV: primeiro, a música-tema, para mim a melhor da TV e do cinema (composta pelo argentino Lalo Schifrin), vinculada com a edição espetacular e emocionante de cenas que ainda veremos no filme, uma espécie de trailer em alta velocidade no começo do próprio filme; e, segundo, a ação tendo início com a missão sendo passada para o nosso herói – hoje com o uso sofisticado da tecnologia. O Ethan Hunt de Tom Cruise, na série de 66 da TV era Jim Phelps de Peter Graves, muito mais carismático do que Tom, mas Tom é conhecido por fazer várias cenas de grande risco sem dublê e realmente se trata de alguém dedicado e que merece reconhecimento pelo seu esforço e perfeccionismo. Como ator eu o acho regular e embora com 56 anos ainda faça cenas de impressionante vitalidade e força, a interpretação dele ainda destoa quando as cenas exigem expressão facial. Mas o elenco ainda tem Rebecca Ferguson, Henry Cavill (o atual superman), Michelle Monaghan, Ving Rhames, Angela Basset, Simon Pegg, Sean Harris, Alec Baldwin e Vanessa Kirby, entre outros. Contudo, trata-se aqui de um filme de espionagem e ação, dominado pela tensão, pelo suspense e pelas reviravoltas inesperadas do roteiro, revestido de uma incessante experiência sensorial e também intelectual pelas intrigas que apresenta (quem é amigo, quem é inimigo, afinal?). O filme não é nada tão espetacular ou original quanto à história em si (seguindo mais ou menos a linha de sempre: o mundo em perigo), mas desfila um conjunto harmônico simplesmente eletrizante, que não nos permite tirar os olhos da tela por um segundo. Nesse sentido, é sem dúvidas espetacular. Ou seja: vale tudo quando se trata de um passatempo com esse estilo e essa qualidade, com a condição de que se esqueça a realidade e se mergulhe de cabeça (e paraquedas talvez…) na fantasia. E, desse modo, a nota não pode ser menor do que essa.  9,0

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A CIDADE DOS DESILUDIDOS (TWO WEECKS IN THE OTHER TOWN)

Filme de 1962, com Kirk Douglas, Edward G. Robinson, Cyd Charisse, Daliah Lavi e George Hamilton, entre outros, baseado na obra literária de Irwin Shaw e dirigido por Vincente Minelli. O filme mostra o lado escuro e o glamoroso do mundo do cinema, invadindo os bastidores de uma produção em curso e escancarando diversos ângulos que permitem se imaginar que a qualquer momento pode tanto sobrevir a glória, como a amargura da derrota ou do ostracismo (orçamento, pressão da produção, problemas pessoais do elenco, relacionamentos, interesses, dinheiro, são temas abordados). O que parece mesmo ser o mundo do cinema, desde sempre. Tudo começa quando um famoso diretor em dificuldades resolve recorrer a um ator que admira, mas que anda desaparecido, embora tenha feito sucesso no passado e então os fatos passam a ocorrer com ótimo ritmo, uma dose generosa de realidade e crueza e alguns desdobramentos inesperados. Como alguns críticos descreveram, é um filme que aborda o amor e o ódio no mundo do cinema, sendo uma espécie de continuação de Assim estava escrito, filme de 10 anos anos, igualmente dirigido por Minelli e que fazia provocações aos bastidores cinematográficos. Fora alguns reparos quanto a alguns personagens (oscilantes ou desnecessários), um dos pontos negativos é a cena do carro esporte quase ao final, que se de um lado é intensa, emocionante, bem interpretada e angustia, de outro é totalmente irreal, de um exagero insuportável.  8,3

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A VIDA SECRETA DAS PALAVRAS

Este é um filme praticamente sem ação (recomendável talvez para quem aprecia cinema “de arte”), mas de virtudes incontestáveis, praticamente uma obra-prima da diretora espanhola Isabel Coixet (Minha vida sem mim), com produção executiva de Pedro Almodóvar. Com a segura participação de Julie Christie na parte final, a interpretação sempre ótima de Javier Cámara e performances inesquecíveis de Tim Robbins e Sarah Polley (magistral), acompanhamos um mergulho sensível, profundo, intimista e doloroso, a partir de um relacionamento ocasional, temporário e inesperado e que acabou reunindo dois sobreviventes, cada qual do seu modo e por motivos diferentes. Tomamos, então, contato com os fatos, que vão se intensificando à medida em que a intimidade avança e que revela traumas do passado, acabando por aflorar entre outras a impressionante virtude da empatia, a generosidade, embora presente a sensação permanente de dor e desconforto, físico e psicológico (ambos os personagens do par central possuem restrições físicas). Nasce, então, do improvável a beleza na total e irrestrita entrega. Apesar de a história se passar basicamente em uma plataforma de petróleo, a fotografia também é destaque, assim como a bela trilha sonora. O título do filme já é belíssimo, mas também o são vários momentos, incluindo o da revelação junto ao leito e o da cena quase ao final (inesquecível e mágica), com o diálogo envolvendo a natação (um “achado”). Aliás, eu terminaria o filme nessa cena, dispensando os momentos finais do filme em que a voz em “off” parece deslocada, tentando justificar desnecessariamente sua existência, a qual também aparece no início do filme (momento em que também seria dispensável). De resto, algo para se emocionar legitimamente, em cinema de altíssima qualidade. O filme ganhou o Goya (Oscar espanhol) em 2006, nas categorias de melhor Produção, Diretora, Roteiro e Filme9,2